Diário do Alentejo

sonho

25 de maio 2024 - 12:00
Aos 18 anos, o ouriquense João Rego estreou-se pela equipa principal do Benfica
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

Com o número 84 estampado na camisola vermelha e branca João Rego tem dado nas vistas dentro das quatro linhas dos relvados do Sport Lisboa e Benfica. Descoberto na praia, aos oito anos, jogou sempre em escalões superiores, devido às suas “capacidades acima da média”, em especial, os remates, fintas e “um para um”. Neste ano, além de ter jogado pelos juniores, sub/23 e equipa B, estreou-se, no início do mês, na equipa principal das águias. 

 

Texto  Ana Filipa Sousa de Sousa Foto Ricardo Zambujo

 

É de sorriso rasgado e sempre com a bola debaixo do braço, como se esta fizesse “parte da sua indumentária”, estivesse ele na escola, em casa ou na praia, que o pequeno João Rego, agora a um mês de completar 19 anos, é recordado pela mãe, Guiomar Seno Luís. O quintal de casa, aquando do nascimento dos trigémeos – João, Gonçalo e Joana –, rapidamente se transformou num “campo de futebol” e, de forma “natural”, as bolas passaram a fazer parte da decoração.

“Desde sempre houve bola cá em casa, era uma coisa natural deles. Depois, não sei se pelo facto de serem gémeos, o João e o Gonçalo andavam constantemente a competir entre eles para ver quem é que conseguia ficar com a bola ou quem é que marcava mais golos e isso acho que também os estimulou”, revela.

A “aptidão inata”, assim como o facto de se apresentar para jogar de forma “destemida”, fez com que João, aos oito anos, começasse a chamar a atenção no mundo desportivo e que António Marques, na altura treinador dos benjamins de segundo ano do Ourique Desportos Clube (ODC), ambicionasse levá-lo para a sua equipa, ainda que este fosse traquina.

“Ele, claramente, era um miúdo diferenciado que apresentava todas as características de jogador da bola, sempre com a sua bolinha debaixo do braço e, obviamente, que isso para um treinador acaba por ser sempre uma mais-valia e algo que enche o olho. A primeira vez que o vi jogar futebol fiquei maravilhado”, admite António Marques.

Daí em diante travou-se uma longa batalha de “insistência” para convencer os pais a deixar que João, juntamente com o irmão Gonçalo, integrasse a equipa do ODC, uma vez que “eles eram demasiado pequenos para o escalão em que os queriam colocar a jogar”.

“Nós, enquanto pais, vê-los [a jogar] com miúdos com mais dois anos, e naquelas idades notava-se muito a diferença, não era simpático. Eu estava constantemente a dizer, quer a um, quer a outro, que com o tamanho que eles tinham o simples facto de conseguirem tirar a bola a um menino maior do que eles era meio caminho andado para levarem uma pantufada e ficarem magoados e isso assustava-nos um bocado”, conta a mãe.

No clube ouriquense, a partir da época 2011/2012, o percurso de João, segundo o seu primeiro treinador, “não foi de afirmação”, mas, sim, de “evolução”. A sua visão de jogo, receção orientada, entrega, curiosidade e espírito de equipa “faziam com que muita gente se levantasse de manhã cedo para o ir ver jogar”, deixando “toda a gente maravilhado com o remate, a finta e o ‘um para um’ dele”.

Na época seguinte, 2012/2013, estreou-se oficialmente a competir pelo ODC, em benjamins, frente ao Juventude Clube Boavista, em que apontou três dos oito golos marcados na partida.

 

A primeira tentativa

De olhar brilhante, o jovem recorda o dia em que estava na praia com os pais e uns amigos e “um senhor” se aproximou. “O meu pai tratou logo de pedir desculpa, porque nós muitas vezes chutávamos a bola contra as outras pessoas ou mandávamos areia sem querer, mas o senhor disse-lhe que não [era isso], que tinha contactos com o Sport Lisboa e Benfica (SLB), tinha gostado do que tinha visto e queria referenciar-nos para fazer uns treinos, na altura ao Campo dos Pupilos do Exército, [em São Domingos de Benfica], em Lisboa”, revive, ao “Diário do Alentejo”, João Rego.

Apesar do acontecimento “engraçado”, nos dias seguintes “não aconteceu rigorosamente nada”. Uns meses mais tarde, conta Guiomar Seno Luís, “apareceu alguém em Ourique à procura de um João, só que na equipa havia alguns sete”, o que fez com que outros jogadores fossem fazer os treinos de prospeção antes do filho.

“O João que tinha sido visto na praia não foi nessa altura, só acabou por ir uns dois ou três meses mais tarde quando perceberam que o João que andavam à procura não era nenhum daqueles que tinha ido lá”, confessa, entre risos.Desde o primeiro minuto, “acharam logo que ele era muito bom e que o podiam integrar” na formação do clube benfiquista, porém, Guiomar Seno Luís, juntamente com o marido, Marco Rego, viam as “idas e vindas” a Lisboa como “impensáveis” naquele momento. “Fizeram-nos a proposta para que eles fossem treinar para as Ferreiras [para o Centro de Formação e Treino de Faro, da responsabilidade do SLB], que era bem mais próximo, a 60 quilómetros” de casa.

Porém, os irmãos, e principalmente João, não se integraram no CTF de Faro, o que acabou por fazer com que a sua passagem pelo centro fosse de “curta duração” e que alguns meses mais tarde regressassem ao clube ouriquense.

 

Uma nova oportunidade “Quando tinham 13 anos, o Benfica voltou a insistir para que os miúdos começassem a ir treinar ao [Centro de Treino e Formação do] Seixal e, uma vez que nós temos casa lá em cima, assim foi”, diz a mãe.

Numa primeira fase, e depois da primeira oportunidade não ter corrido como desejavam, os irmãos Rego começaram por participar em alguns torneios nas férias e a treinar com os colegas com o intuito de aproveitarem o momento e perceber se, desta vez, se adaptariam.

“Quando chegou a agosto perguntámos se eles estavam disponíveis e se queriam continuar e ambos nos disseram que podiam ir lá treinar, mas que não queriam ficar [a residir] lá. Então nós apresentámos a proposta para eles irem à quarta e à sexta-feira [treinar] e depois aos fins de semana jogar. Durante dois anos assim foi”, recorda Guiomar Seia Luís.

Embora não se sentissem ainda preparados para “dar o passo” de “morar sem os pais”, João Rego não esconde que voltar à formação do clube “do coração” o deixou “muito feliz” e a viver “um sonho”.

Em outubro desse mesmo ano, João Rego estreou-se oficialmente pelo SLB, diante da Associação Desportiva de Oeiras, tendo marcado o único golo da partida pelos encarnados.

“Lembro-me que, tanto eu como o meu irmão, não nos integrámos logo [na equipa de sub/14], até porque vínhamos de uma zona mais reservada, que é o Alentejo, e onde não tinha tantos jogadores da região na equipa, mas receberam-nos bem e fomos trabalhando. Na altura, não éramos logo titulares, íamos entrando e aproveitando os momentos e com o passar do tempo senti que estava a ficar melhor, que ia ganhando cada vez mais o meu espaço, e aparece a covid”, lembra o atleta.

O que para muitos seria um entrave, a pandemia de covid-19 tornou-se uma ajuda para a nova fase de João Rego, uma vez que tinha decidido que na época seguinte, aquando da sua entrada para o 10.º ano, acabar-se-iam as viagens e ficaria a viver no campus do Benfica, desta vez sem o irmão que, uns meses antes, tinha optado por “sair” e voltar a jogar no ODC.

“Ficámos o ano de sub/15 e de sub/16 em casa. Fazíamos treinos por videochamada, o clube mandava-nos planos de treino para fazermos sozinhos e isso deu-me tempo para crescer e mudar um pouco a minha mentalidade”, confessa o médio.

Guiomar Seno Luís também concorda que “a pandemia não teve só coisas más” e que para o filho João “teve um aspeto muito positivo”, principalmente, no que diz respeito à sua integração no campus. O “ano de adaptação” tornou-se assim “muito mais fácil”, visto que, além das inúmeras temporadas em que “esteve em casa”, quando estava no centro de formação as aulas eram on line e o grupo de trabalho reduzido a oito atletas.“Portanto, aquele que era supostamente o ano difícil da adaptação a viver fora de casa, a ter uma nova escola e novos amigos, tornou-se um bocadinho mais fácil exatamente por tudo isso. Quando no ano a seguir efetivamente foi para a escola já tinha o grupo consolidado dos amigos dentro da equipa do Benfica”, realça a mãe. João Rego acrescenta: “Acho que havia um pouco de receio meu e dos meus pais, porque quando era mais novo e havia torneios tinha um pouco de dificuldade em dormir fora de casa. Lembro-me que às vezes mesmo quando ia de férias com os meus avós sentia sempre a falta dos meus pais, mas quando vim tinha mudado o chip e tinha de ser, tinha de dar o salto e crescer”.

Daí em diante, focou-se em trabalhar, aprender e consolidar-se nos diferentes escalões por onde passou, jogando sempre nos níveis acima da sua idade, e tendo sempre em mente que “o futebol é feito de momentos” e que “um dia podemos estar cá em cima e no dia seguinte já podemos estar lá em baixo”. Na época anterior, 2022/2023, enquanto jogador da equipa sub/19, envergou, pela primeira vez, a braçadeira de capitão, o que lhe trouxe “uma responsabilidade extra” dentro do clube.

“Acho que foi um orgulho. Na altura, o mister e os meus colegas escolheram os quatro capitães e saber que usaria a braçadeira, que seria quem mostrava a cara em situações, por exemplo, com o árbitro, e que os meus colegas me viam como um exemplo foi muito bom. Era uma responsabilidade extra, mas continuei a fazer tudo da mesma forma com que tinha feito até aquele momento”, garante o jovem.

Setembro último assinalou mais um marco importante na sua carreira futebolística com a renovação, até 2028, do vínculo profissional ao clube dos seus “sonhos”, tornando-se até há pouco tempo o seu “melhor momento enquanto jogador”. “Foi um momento muito bom, [porque] sabia que continuava o meu sonho e que o meu trabalho e os sacrifícios que tinha feito não tinham sido em vão e que estavam a dar frutos no seu tempo. Era uma forma de saber também que o clube acreditava em mim e que poderia ser uma aposta futuramente”, confessa.

Além dos êxitos conquistados nos últimos seis anos ao serviço do SLB, como o título de campeão nacional de juniores, em 2021/2022, quando ainda era juvenil sub/17, João Rego tem sido convocado para representar as cores da seleção portuguesa em sub/17, sub/18 e sub/19, contabilizando atualmente 27 internacionalizações, 1192 minutos e seis golos marcados. A 12 de maio estreou-se pela equipa sénior do Sport Lisboa e Benfica, no Estádio da Luz.

 

 

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Foto | SL Benfica

 

 

O realizar de um sonho

É inevitável não falarmos da estreia na equipa principal, no dia 12. Para um jovem que é benfiquista de alma e coração, como é entrar em campo, no Estádio da Luz, ao serviço da equipa principal do Sport Lisboa e Benfica?Foi um momento incrível, diria que foi o melhor momento da minha vida até agora. Senti uma felicidade pura em realizar um sonho, saber que todos os sacrifícios que fiz e que os meus pais fizeram, todo o trabalho até aqui, não foi em vão. Saber que consegui concretizar e completar o meu sonho, ainda para mais com jogadores que eu costumava ver na televisão e que nem sonhava jogar ao pé deles um dia. Foi realmente algo memorável e mágico.

 

O que é que se sente, logo na estreia, ao substituir Rafa [Silva], que nos últimos oito anos foi um símbolo do clube?O Rafa é um grande jogador, fez muito pelo clube, chegou agora a sua hora e entrei para o lugar dele, mas poderia ter entrado para o lugar de outro jogador que ia ter exatamente o mesmo sentimento, porque estava a realizar um sonho, ainda para mais num jogo em casa. E quase que fazia o golo e acho que se isso acontecesse certamente seria ainda mais memorável, mas fiquei mesmo muito feliz por ter realizado este sonho.

 

Muito se tem falado, desde a estreia, da cumplicidade no aquecimento com João Neves, um jogador com um percurso semelhante e com ligações ao Alentejo, mais precisamente a Serpa, e que é visto por muitos de vós como um exemplo por ter dado o salto e se ter consolidado na equipa principal…Eu e o João já tínhamos jogado juntos durante uns meses no CFT de Faro. O João é um miúdo impecável, foi o mais recente a subir da formação para a primeira equipa e é claro que todos nós olhamos para ele como um exemplo. Acolheu-me muito bem, e acredito que se tem sido outro colega qualquer a ir lá que também o acolheria bem na mesma.

 

Daqui em diante o que se espera para o futuro?Agora estou concentrado no presente. Acabei de realizar um sonho devido ao trabalho que tenho feito diariamente. Estou apenas focado no presente, sou jogador do clube independentemente do contexto em que me possam colocar, seja nos sub/23 ou na equipa B, porque irei sempre dar o meu melhor e estou preparado para o que vier.

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