No início de abril, Tomás Cegonho, atleta do Clube de Natação de Beja, alcançou a medalha de prata nos Campeonatos Nacionais de Juvenis, Juniores e Seniores, em Coimbra, registando o tempo de 26,80 segundos. O “Diário do Alentejo” foi conhecer o jovem mertolense que, desde cedo, “deu o ar da sua graça” e que se tem destacado no mundo da natação.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa Foto Ricardo Zambujo
É de poucas palavras e de frases curtas. Não gosta de se expor e, por isso, traz consigo uma folha de papel rabiscada a caneta azul com as datas mais importantes do seu percurso e uma ou outra anotação mais. Respira fundo várias vezes, mas responde sempre com um sorriso espontâneo, que faz realçar os olhos claros.Tomás Mamede Cegonho conta, ainda nervoso, que entrou no mundo da natação com três anos, por vontade dos pais, para “aprender a nadar” no clube da sua terra, o Clube Náutico de Mértola. A sua “aptidão natural para o meio aquático”, assim como a “diversão” que os treinos lhe davam, fez com que ambicionasse competir.
“Ligaram-me a dizer que havia um menino [em Mértola] que gostava de continuar e de ter uma experiência diferente na natação, mas que lá não havia competição. Perguntaram-me se haveria possibilidade de ele vir para Beja e enquadrá-lo numa turma [do Clube de Natação de Beja (CNBeja)] para, eventualmente, começar a participar em provas e, em conjunto com os pais, fizemos-lhe a avaliação inicial”, começa por recordar, ao “Diário do Alentejo” (“DA”), Jorge Ricardo, atual treinador do jovem atleta.
Nesse primeiro dia, percebeu-se de imediato que o pequeno Tomás, na altura com 10 anos, “sabia nadar já de costas e crawl e arranhava um bocadinho de bruços”, porém, desconhecia por completo a técnica da mariposa. “Lembro-me perfeitamente de o mandar fazer mariposa, ele me perguntar o que era e eu ter que o ensinar que era assim com os dois braços ao mesmo tempo por fora de água. Mal ele sabia que no futuro ia ser vice-campeão nacional em mariposa”, recorda, a rir, o técnico do CNBeja.
Daí em diante integrou a turma de cadetes e nas provas iniciais “deu o ar da sua graça”, mostrando que tinha qualidade e potencial “para evoluir”. Hoje, com 16 anos, e volvidos quase seis desde que entrou no CNBeja e no mundo das competições, a humildade que lhe é apontada pelos companheiros não lhe permite dar qualquer outra resposta que não seja a de que, na altura, competia por “pura diversão” e “só mais tarde é que vieram os objetivos” e “o nadar não só por gosto, mas também para os tentar alcançar”.
O vai e vem
A tomada de decisão de começar a treinar e competir no CNBeja trouxe consigo “dificuldades” acrescidas, principalmente, no último ano. Na época desportiva de 2017/2018, altura em que se estreou nas competições, os treinos ocorriam “três vezes por semana”, fruto de um grande jogo de cintura por parte dos pais e da estrutura de natação, porém, com o passar dos escalões, foi necessário aumentar a frequência.
“Os treinos são de segunda a sábado e, normalmente, na piscina. Treinamos mais ou menos uma hora e meia e por volta de 2000 metros, o que para um atleta de natação a nível nacional é pouco. De vez em quando vamos ao ginásio para fazermos um reforço muscular. Isto, [quando morava em Mértola] culminava em 600 quilómetros por semana [entre Mértola e Beja] e depois acabava por chegar mais tarde a casa, com mais cansaço acumulado e para estudar era mais difícil, mas mesmo assim conseguia manter boas notas na escola”, realça o atleta.
Ainda assim, Jorge Ricardo começou a reconhecer que este “vai e vem” estava a ser “um esforço inglório para todos” e que era cada vez mais visível a “frustração do jovem por estar cansado”. “Então isto teve de passar a ser bem doseado, porque se ele se dedicasse só à natação não conseguia dar resposta na escola, na vida social e familiar, e depois [a natação] deixa de ter divertimento”, esclarece.
A mãe, Dina Mamede, também reconhece este período conturbado e “muito complicado” que a família suportou nos últimos tempos. “Foi complicado porque ou ia eu ou o pai, conforme a nossa disponibilidade, [para Beja], e isso era muito cansativo, tanto para o Tomás como para nós. Nestes anos todos tivemos dois acidentes, um comigo e outro com o meu marido, por causa de um veado e por cansaço acumulado. Não foi fácil, houve alturas muito complicadas”, lembra.
A opção mais acertada para ambas as partes, e que só foi possível graças à personalidade “humilde, trabalhadora, elegante” e “com valores muito fortes” de Tomás Cegonho, foi mudar-se para Beja e passar a viver e a estudar longe dos pais para conseguir conciliar os treinos e a escola.
“Este ano, [com a vinda do Tomás para Beja], claro que foi uma grande mudança. [Apesar] dele se ter adaptado bem à turma, à escola, ao ambiente, também não foi fácil para ele, porque não está em casa e, ainda que nós estejamos com ele regularmente, os pais não estão presentes todos os dias. Esta foi a forma que arranjámos para que ele pudesse continuar [na natação]”, esclarece a mãe do atleta.
O respeito pelo grupo
Aos poucos, a folha de papel que outrora era o seu grande suporte começa a ser posta de lado. De forma natural, o jovem não hesita em elogiar o seu grupo de natação e de garantir que a modalidade, “apesar de ser uma competição individual, também é um trabalho de equipa”, uma vez que “ao longo dos treinos vamos evoluindo” e “treinar sozinho é diferente de treinar com alguém que nos motive”.
“Lembro-me que quando fomos aos nacionais a Sines, competimos na sexta-feira e no sábado, e a minha equipa estava no Algarve [noutras provas] e pela necessidade de estar com o grupo saímos da prova no sábado à noite e fomos ter com o resto da malta e com os pais para os apoiarmos no dia seguinte”, relembra com um sorriso no rosto. O treinador acrescenta: “Por casualidade ou não o Tomás conseguiu a medalha de bronze nessa prova, mas quando chegou e partilhou a prova com o grupo melhorou o tempo que tinha feito na véspera, em Sines, quase um segundo. Se ele tivesse feito esse mesmo tempo no dia anterior tinha sido campeão zonal no sábado”.
Esta sua característica, de ser “um exemplo” e “ser um dos atletas que se destaca mais”, mas que, “por isso, não é nem mais nem menos do que os outros”, é valorizada por todos aqueles que estão à sua volta. Pedro Maximino, presidente do CNBeja e antigo treinador de Tomás Cegonho, não esconde que o atleta “é a ponta do icebergue”, acabando por representar “um bocadinho o trabalho de toda esta gente” e a própria “postura” do clube.
“O Tomás tem feito uma evolução muito gradual, tranquila, sem muitos altos e baixos, tem sido um atleta que tem vindo sempre a crescer de forma sustentada, que é o que nós queremos”, afirma.
Esta sua consistência tem permitido alcançar boas classificações, assim como pódios de grande relevância. “Quando acabei a prova [nos Campeonatos Nacionais de Juvenis, Juniores e Séniores, em Coimbra] nem tinha a certeza se era o meu tempo que tinha ficado em segundo [lugar], mas depois quando soube que ia subir ao pódio fiquei feliz. Na altura ainda não tinha bem noção do que estava a acontecer, só alguns dias depois é que me fui apercebendo”, adianta.
A competição de que Tomás Cegonho fala, que o sagrou vice-campeão nacional dos 50 metros mariposa, no início de abril, permitiu ainda que o jovem atleta batesse o respetivo recorde regional e entrasse para a lista de medalhados nacionais do CNBeja, sendo o quarto atleta, e primeiro rapaz, a alcançar tal feito pelo clube bejense.
“Este também é um registo importante para o clube, porque, às vezes, só o ir aos nacionais já é uma grande medalha, termos uma equipa a funcionar com estas características e atingir estes patamares já é muito importante. Claro que chegar a um pódio nacional é o culminar de um motivo de orgulho do grande esforço que todos fazemos”, garante Jorge Ricardo.
Quanto ao futuro, Tomás Cegonho não se ilude. Novamente em poucas palavras, deixa no ar que, “por enquanto, é continuar” e que depois “logo vemos o que é que o futuro me reserva”. “O meu objetivo é só continuar nos nacionais e melhorar o meu tempo, as medalhas são secundárias”, frisa.