Diário do Alentejo

Manos André: Homenagem

04 de outubro 2019 - 10:45

“Quando fundámos o Beja Atlético Clube fomos muito pressionados, quer pelo poder político de Beja, quer pelos órgãos sociais da Zona Azul. Tivemos várias reuniões, mas o nosso caminho estava traçado. Saímos! Infelizmente, porque nós adorávamos a Zona Azul, mas estávamos decididos a fazer o nosso percurso. Fundámos um clube que tem sucesso, que tem atletas, e que é uma referência a nível distrital e nacional. Terão de levar connosco durante muitos anos, contrariamente ao que diziam, que duraríamos três ou quatro. Estamos cá e vamos continuar”.

 

Texto e foto Firmino Paixão

 

Manuel, o irmão mais novo dos “manos André”, tem 56 anos, é enfermeiro de profissão e tem uma ligação ao atletismo de mais de quatro décadas. Carlos nasceu há 62 anos, é assistente técnico na Câmara de Beja e começou a correr aos 13 anos. Um como o outro, desde sempre comprometidos com o atletismo, ambos antigos atletas, técnicos, dirigentes, formadores mas, essencialmente, pilares sobre os quais assentou o incremento e a valorização do atletismo regional.

O Beja Atlético Clube, coletividade que fundaram em 11 de outubro de 2000, organiza, na manhã do próximo domingo, na cidade de Beja, um evento desportivo designado I Dupla Légua de Ouro Manos André, um tributo à dedicação de Manuel e Carlos André a uma modalidade e a um clube que muito lhes devem.

Os manos André nasceram no bairro das Alcaçarias, na zona oriental da cidade de Beja, um espaço deveras inspirador na promoção do associativismo, da fraternidade e da solidariedade. O enfermeiro Manuel André diz mesmo que “o bairro das Alcaçarias tem tudo aquilo que me fez o homem que sou atualmente, com princípios, com valores e com o gosto por ajudar o próximo”. O irmão Carlos completa que ali aprendeu a “contribuir para que os mais novos não tenham comportamentos desviantes”. “Enfim, tentamos sempre transmitir aquilo que nos foi ensinado, que é o respeito pelos outros e a prática desportiva com valores nesta sociedade onde nem sempre é fácil incutir isso nas pessoas mais novas e mesmo em alguns com maior idade”, adianta.

Manuel pisou a fronteira do desporto como futebolista da Zona Azul, contudo, lembra: “O meu irmão já praticava atletismo e eu preferi seguir o exemplo dele e optar por esta modalidade, também na Zona Azul. Mais tarde tivemos de sair desse clube. Existiram uns problemas com a direção de então, e entendemos, por diversos fatores, que o atletismo não estava a ser bem tratado. Saímos e fundámos o Beja Atlético Clube que, neste momento, representamos com muito orgulho e sucesso”.

Falta equidade no apoio financeiro às modalidades, queixa-se Carlos André, que começou a correr aos 13 anos nos campeonatos escolares. “Mais tarde fui convidado pela Zona Azul. Formou-se uma secção de atletismo, nessa altura as secções eram independentes das direções, estive lá muitos anos, atualmente ainda sou o sócio com o número nove, depois aconteceram as discordâncias entre a secção e a direção do clube”. Uma rutura que, apesar de tudo, lamentam, como refere o André mais novo: “Infelizmente nós saímos da Zona Azul, e falo por mim que sempre gostei muito daquele clube, do qual já não sou sócio, por opção, mas os meus grandes êxitos aconteceram com aquela camisola. Há dois anos o Bruno Paixão bateu o meu recorde de 10 000 metros do qual eu era detentor com 31’30s. Os grandes êxitos aconteceram quando eu era mais novo”.

Qual deles seria o melhor atleta? Nada melhor do que ouvir as suas opiniões. Manuel diz: “Dediquei-me um bocadinho mais, mas o meu irmão tinha muito mais capacidades do que eu. Na Zona Azul tivemos uma equipa que, atualmente, se calhar, seria das melhores a nível nacional. Eu e o meu irmão, o Mário Almeida, o Belchior, o Orlando Azedo, o Paulo Inverno, o Fernando Damásio, o Luís Barroso, fomos uns atletas extraordinários, desculpem-me se falho algum nome, mas nós na Zona Azul atingimos êxitos que, possivelmente, não se conseguiriam noutro clube”.

Carlos, por sua vez, traçou uma curiosa analogia: “Costumo dizer que, como atletas, estivemos um para o outro, tal qual como os ‘irmãos Castro’. Mas ainda tenho alguns recordes distritais como sénior e veterano. Tracei como meta abandonar a carreira aos 60 anos e a última prova foi uma Corrida de São Silvestre, em Cuba”.

Orgulhosos e campeões, com o emblema do Beja Atlético Clube ao peito, não esquecem que na base do sucesso está a “mística das Alcaçarias”. Manuel André até recorda a rivalidade com a Juventude Desportiva das Neves que num campeonato do Alentejo o fez disputar as provas de 800, 1500, 3000, 5000 e 10 000 metros. “Eram outros tempos, hoje não seria possível, mas, para a Zona Azul ter sucesso, nós sacrificávamo-nos”.

Manuel André faz questão de recordar a sua presidência na Associação de Atletismo de Beja, em cujo mandato foi inaugurada a Pista e o Complexo Desportivo Fernando Mamede, era presidente do município de Beja José Manuel Carreira Marques. E recorda também que existia uma pressão política muito intensa sobre o movimento associativo. “Na altura surgiu uma lista que não tinha nada a ver com atletismo, mas que queria ganhar a associação por causa da política partidária. Evidentemente que levaram uma ‘rebocada’ muito grande”. Carlos atualmente é formador, capta e treina atletas para a escola de formação do Beja Atlético Clube. Manuel, a quem os afazeres profissionais e o humanismo da sua profissão não libertam grande disponibilidade, mantém uma ligação intensa e dedicada ao movimento associativo. É nesta linha que destaca o trabalho que está a ser desenvolvido pelo atual elenco, dirigido por João Cruz, destacando, essencialmente, o papel fundamental de Bento Palma. Ambos sabiam que a atual direção do clube pretendia organizar uma prova na sua cidade. Surpresa foi a designação que lhe foi atribuída. Merecida e justa, acrescentamos nós.

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