Diário do Alentejo

Carlos Amarelinho: Associativismo

20 de setembro 2019 - 14:10

“Nasci em Serpa, há 57 anos, exatamente no dia 22 de maio de 1962. Sempre defendi que era em Serpa que eu queria estar. Que era aqui, na minha cidade, que queria viver, que era aqui que queria trabalhar e lutar por aquilo que acho que deve ser uma causa comum a todos os alentejanos, que é lutar pela sua terra e pelo seu Alentejo. Na verdade, até tive oportunidades para sair para outras regiões, mas tinha aqui trabalho e nunca quis ir embora. Fiquei por cá”.

Texto e foto Firmino Paixão

 

Quem nasce na “margem esquerda” do Guadiana nutre e alimenta, quase eternamente, esta forte paixão pelo seu território. Sente-o de uma forma muito íntima e singular, seguramente legítima, não que os outros não gostem das suas terras, mas aqui o caso é diferente, até na forma como se defendem os valores, a cultura e as tradições.

Carlos Amarelinho, o serpense que preside ao Centro de Cultura Popular de Serpa (CCPS) há quatro décadas, foi homenageado pela Associação de Andebol do Algarve com o “Prémio Distinção”. Conheçamos, pois, esta figura apaixonada por tudo o que é desporto e com uma invulgar dedicação ao associativismo.

“Tive uma infância como tantos outros meninos que por cá andavam. Brincava com aqueles brinquedos de madeira que caíram em desuso e de que já pouca gente se deve lembrar”. Amarelinho recordou: “Tínhamos algumas dificuldades, os meus pais viviam do trabalho no campo, o meu pai também foi emigrante, esteve muitos anos em França. Mas sempre senti que eles tentavam que não nos faltasse nada e que tivéssemos uma educação e um nível de escolaridade que fosse um bom suporte para a vida”. E foi mesmo assim: “Comecei a trabalhar com 17 anos, não possuía maioridade, e fui estudar de noite, o orçamento era parco e tínhamos que ajudar a família. Tanto eu, como o meu irmão, começámos a trabalhar muito novos”.

Muito jovem, ainda, começou a praticar desporto, mas, principalmente, a desenvolver uma grande vocação para o associativismo. Foi federado em várias modalidades e ainda hoje admite: “Sou capaz de estar um fim de semana à frente da televisão a ver desde a fórmula 1, de que gosto imenso, até ao ciclismo, futebol, andebol… Admiro tudo o que seja desporto”. Mas o impulso era para ser dirigente. “Gostava de jogar, mas queria era gerir as situações, ajudar as pessoas, colaborar nisto ou naquilo, tinha que estar sempre na linha da frente, nunca me escondia”.

Carlos Amarelinho confessa: “Tive uma adolescência muito fértil em atividade associativa, de novas descobertas, no conhecimento de modalidades das quais só ouvíamos falar ou só víamos na televisão, ténis de mesa, damas, xadrez. Enfim, a Revolução de Abril, para aquela malta dos anos 60, foi um tempo de descobertas, de novas experiências, eram coisas novas e nós tínhamos gosto em aprender”.

Começou a frequentar a sede do Centro de Cultura Popular de Serpa. “Era um mundo que eu queria descobrir. Comecei a frequentá-la como sendo mais um que queria saber o que lá se passava. Aquilo, efetivamente, era muito grande, era um palacete enorme, com uma atividade de gente madura e isso também fez com que muitos rapazes, como eu, lá fossem. Víamos as pessoas mais velhas que estavam lá e até sabíamos que alguns estavam à frente de partidos políticos de esquerda e que faziam parte do imaginário de alguns jovens, nomeadamente, da minha pessoa. Era gente que tinha uma visão da vida e do que deveria ser o desporto para todos e dali, a tornar-me dirigente, foi um pequeno passo”.

O centro foi uma grande escola para jovens como ele e outras figuras da terra que, ainda hoje, lideram várias coletividades, e o próprio Amarelinho reconhece: “O meu lema é ser útil e andar sempre na linha da frente. Temos que ser úteis à sociedade onde estamos inseridos, até pelos pergaminhos que temos e por aquilo que defendemos”.

O tributo da Associação de Andebol do Algarve, que agora tutela o andebol alentejano, foi bem recebido, mas Amarelinho sublinha: “Nunca penso em prémios, orgulho-me é de sentir que contribuo alguma coisa para o movimento associativo desportivo. Sentir que faço parte de um grupo onde sou mais um coordenador do que propriamente presidente. No centro somos um bloco onde todos decidem em conjunto, porque viemos duma escola onde aprendemos que o coletivo está sempre à frente do individual”.

Mas todos os dias surgem novos desafios. “O que socialmente fazemos com alguns atletas que tenham vidas difíceis. Todos os dias enfrentamos situações em que é preciso olhá-los de frente e tomar decisões e, quando verificamos desvios de comportamento, vamos buscá-los de volta para aqui”.

Sonhos? Quem os não tem? Os de Carlos Amarelinho são legítimos: “Gostava que o centro voltasse a competir na segunda divisão com os atletas aqui formados, que estão espalhados por outros clubes. Gostava também que outras pessoas tomassem gosto por isto e viessem ajudar-nos. Não que eu sinta necessidade de sair para dar lugar aos novos, sinto-me novo. Vou sair porquê? Só por estar cá há 40 anos? Enquanto sentir a mesma alegria e a mesma vontade continuarei”.

 

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