Diário do Alentejo

João Pinto: Massagista

13 de setembro 2019 - 10:25

“A minha juventude foi passada no Campo das Minas, em Vale d’ Oca. Saía da escola e ia para o campo da bola, dali vinha para casa. A minha vida era essa. Nesse tempo, tirávamos só a quarta classe, acabei a escola já com 14 anos, era um ‘burro velho’. Umas vezes ia à escola, outras nem por isso. Tínhamos que ir à monda para ajudar a nossa família. Mais tarde fui aprender a profissão de sapateiro, acabei por não aprender nada. Com 17 anos fui trabalhar para a mina, andei lá 30 anos e fui reformado aos 47”.

 

Texto e Foto Firmino Paixão

 

João Pinto Gomes nasceu, há 68 anos, na rua Vasco da Gama, em Aljustrel. Uma toponímia inspiradora da vida de descobertas que se seguiram no percurso deste velho mineiro que, muito cedo, se mudou para o mítico bairro de Vale d’Oca, onde hoje pouco resta, que não a memória, do histórico Campo das Minas, palco de grandes e muito aguerridas jornadas de glória do Mineiro Aljustrelense.

Quem nasce, ou vive, em Vale d’ Oca, só pode ter o Mineiro no coração. “Sim, ainda mais eu era mesmo mineiro. O Mineiro foi sempre a minha paixão. Naquela altura tínhamos uma equipa só de Vale d’Oca, era muito raro alguém de fora entrar naquela equipa. Foi no tempo do Augusto Geada, Bejinha, Ameixa, depois é que apareceu o Jones, o Pinheiro e por aí adiante. Eu ia ajudar o roupeiro a enrolar ligaduras, ‘passar’ o campo com um carril, e ele, depois, emprestava uma bola para jogarmos atrás da baliza”.

João Pinto admitiu que ainda fez uns treinos e um jogo de apresentação com a camisola tricolor. “Mas eu não dava nada para aquilo. Vi logo que não valia a pena andar ali feito parvo e deixei-me disso. Então comecei a ajudar o enfermeiro da mina que era o massagista da equipa”.

O cumprimento das obrigações militares, já alistado como voluntário na associação de bombeiros da vila mineira, fê-lo passar pelas margens do rio Sado e por Coimbra, onde lhe “impingiram” a especialidade de enfermeiro, esfumando-se o desejo de continuar bombeiro, mas na Força Aérea Portuguesa.

“Eu era bombeiro, ia levar os doentes ao hospital de Beja e, naquela altura, era-nos permitido entrar e até ajudar os enfermeiros a fazerem alguns curativos ou engessar. Ganhei aí esse bichinho, foi uma boa aprendizagem”, conta. E acrescenta: “Quando fui para a tropa os testes iniciais já me encaminhavam para a especialidade de enfermagem, mas o que eu queria era ser bombeiro na Força Aérea. Fui para Coimbra fazer a escola de cabos e a especialidade de enfermagem ficava sempre em primeiro nos testes”.

A paragem seguinte foi no Hospital Militar, em Évora. “Já que queriam que eu fosse enfermeiro, então que fosse como eles queriam. Comecei a aprender e a dedicar-me mais, a assistir a alguns atos médicos e daí fui mobilizado para as montanhas de Bobonaro, em Timor Leste, onde estive dois anos e meio”. Mais uma vivência inesquecível no percurso deste militar, num território longínquo, mas, à data, em paz. “Nem médico tínhamos. Nós, enfermeiros, é que curávamos aquela gente toda. O major, que chefiava o posto, tinha casado com uma chinesa. Gostava muito daquela gente e não queria de lhes faltasse nada. Cuidávamos mais dos civis do que, propriamente, dos militares, porque não tínhamos guerra, só algum que caísse do cavalo”.

O matrimónio trouxe-o de regresso à vila, deixou Vale d’Oca, mas a essência estava entranhada. Regressou de Timor e voltou às suas tarefas nas entranhas das minas de Aljustrel, numa altura em que, revelou, “a empresa que explorava a mina queria encerrá-la”. “Decretou o lay-off e, como eu, entre outros, já tinha trinta anos de atividade, deram-me a reforma. Aproveitei e fiquei a ganhar mais do que quando estava a trabalhar”.

Data também dessa época a sua ligação mais efetiva ao Mineiro Aljustrelense como massagista do clube. João Pinto recordou: “O presidente era o Eduardo Lamim. O Jacinto Figueira, antigo central do Mineiro, era o treinador. Sabiam que eu era enfermeiro e convidaram-me para massagista”.

O primeiro cartão que teve foi emitido pela AF Beja, em 1983, mas já trabalhava nisso há bastante tempo. Andou por Castro Verde, Panoias e até pelo Despertar, no tempo em que o Mário Garcia ali treinou. “Eu estava sem clube e ele levou-me para Beja”.

Desde então, passaram-lhe pelas mãos centenas de jogadores. “Gerações inteiras, pais, filhos e agora até já os netos me passam pelas mãos. Tenho grandes recordações. Já tinha pensado em largar isto, mas eles não me deixam. Tive sempre uma excelente relação com os jogadores. Milagres? Tenho feito tantos. As máquinas não fazem milagres, as mãozinhas sim, às vezes conseguem”. A sua atividade é transversal a todas as atividades do clube, mas o hóquei, ai o hóquei. “Adoro o hóquei em patins, dedico-me muito a esta modalidade, desde o tempo do saudoso Armindo Peneque, que fazia tudo para eu estar com ele”.

Mas estará a família mineira reconhecida com esta dedicação? “Nem sempre, nem todos…”, lamentou João Pinto. “Tenho mais de 40 anos de Mineiro. O meu sangue é tricolor, mas corre sempre encarnado. Não sei porquê. É como a camisola, vermelha como o Benfica, vermelha como o Mineiro, só que alguém fez a mistura do branco e do azul. Mas eu não quero nada com o azul”.

 

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