E se um dia, num futuro mais ou menos longínquo, encontrássemos no paddock (área das equipas) de uma prova do mundial de Moto GP uma engenheira com sotaque alentejano? Tudo é possível! Assim se cumpram os sonhos de Margarida Venâncio, uma jovem motociclista residente em Ourique.
Texto e Fotos | Firmino Paixão
“Nasci em Beja, há 11 anos, vivo em Ourique e sou aluna do 6.º ano na Escola Básica e Secundária de Ourique, mas a minha ambição é trabalhar como engenheira mecânica numa equipa de Moto GP”. Assim se apresentou a jovem “ouriquense”, que iniciou a sua prática desportiva na natação, antes de se dedicar, em exclusivo, ao motociclismo, por influência do pai. “O que faço é muito divertido, muito fixe, sinto muita adrenalina. É verdade que se correm sempre alguns riscos, mas isso é uma coisa que está sempre calculada e que evitamos com muito cuidado”, confessou a jovem que, há dois anos, disputa o Campeonato de Mini Velocidade na Classe Mini GP 110 cm3. As provas realizam-se um pouco por todo o País (Fátima, Castelo Branco, Vila Nova de Santo André, Portimão e Braga) e os resultados têm sido satisfatórios. Um nono lugar em 2024, correndo pela equipa SAKI Racing, de Carlos Jesus; um quarto lugar em 2025, já na Team Rosado, de Alexandre Rosado, posição que revela uma evolução significativa. No ano de 2023, numa fase ainda muito precoce e experimental da sua entrada em competições, disputou apenas duas provas (na classe IMR 90), uma em Santo André e outra em Braga, mas a ambição está lá. “Gostaria, em breve, de vencer um campeonato, mas um dos meus sonhos é chegar, um dia, à Moto GP”. Margarida é uma aluna dedicada, sabe conciliar os estudos com o motociclismo, sabendo, naturalmente, que as boas avaliações escolares são o combustível que permite a melhor aceleração na pista.O kartódromo de Vila Nova de Santo André, pista onde a jovem piloto efetua regularmente os seus treinos, foi o palco que escolhemos para este encontro com a motociclista e, naturalmente, com o pai, Ângelo Venâncio, ele próprio um entusiasta da modalidade, antigo comissário técnico da Federação de Motociclismo de Portugal. Foi na jovem Margarida, a filha mais nova do casal Ângelo e Marta, que o pai delegou o cumprimento dos sonhos que ele próprio não conseguiu concretizar. Margarida é, digamos, o “espelho” em que ele se vê a acelerar na pista, a cumprir o sonho que não lhe foi permitido realizar.O motociclismo é a verdadeira paixão de Margarida, confirmou o pai. “A primeira coisa que ela me disse quando nós começámos a andar nisto foi: ‘Pai, eu quero é competição’. Eu sempre tive motos, praticamente desde bebé que ela começou a andar comigo de moto. Mais tarde fomos assistindo a provas de desportos motorizados, nomeadamente, grandes prémios de Moto GP”. Mas há uma regra, os estudos primeiro, admitiu o pai de Margarida. “Notámos, inclusive, que, devido a esta atividade com as motos, ela desenvolveu uma concentração extra na atividade escolar. É evidente que sem resultados na escola não há motos para ninguém, isso está implícito, mas ela é muito boa aluna. Quando a nota de um teste é um ‘bom’, já fica insatisfeita, porque só quer ‘excelentes’, e tudo o que for abaixo dos 100 por cento é sempre pouco”. Ângelo Venâncio conhece, se calhar, como ninguém, os sonhos da filha Margarida. “Sei que ela projeta tirar um curso de engenharia mecânica, para entrar numa equipa da Moto GP. Não conseguindo ser piloto, pelo menos quer integrar uma equipa e ficar diretamente ligada à Moto GP”. “O sonho comanda a vida”, escreveu o poeta António Gedeão. A verdade é que Margarida está feliz com tudo o que tem feito até aqui no motociclismo e os pais também estão orgulhosos: “Cada corrida terminada é sempre um momento de felicidade e de orgulho para todos nós”. Adivinha-se que além de um considerável esforço financeiro, o apoio à filha exigirá uma grande disponibilidade dos pais, até porque, como referiu o seu team manager familiar “são seis provas por ano mas, além disso, quase todos os fins de semana temos de vir com ela treinar aqui ao kartódromo de Vila Nova de Santo André. Esta é a pista de karting que tem maior proximidade a Ourique, são cerca de 80 quilómetros, daí termos escolhido este espaço, onde dispomos de uma box para mantermos o material”. Os gastos acontecem todos antes de a moto entrar na pista, revelou. “São pneus novos, e aquecidos a cada corrida, óleo mudado, coisas que têm custos acrescidos. São coisas que, felizmente, eu sei fazer. Ver a moto andar é o mínimo porque, antes, existe um trabalho de apoio que é imprescindível”. E a comunidade ouriquense saberá, porventura, que tem, no seu seio, uma grande promessa do motociclismo nacional? “Muitas pessoas ouvem falar, mas como não é bola, dizem que ela anda de moto”, lamentou Ângelo Venâncio. “Não fazem sequer ideia do que é andar e, muito menos, do que é a competição. Convidava-os para assistirem a uma prova, até para sentirem respeito por aquelas crianças, e testemunharem a grande solidariedade e o grande humanismo entre todos eles, quando estão na pista. No entanto, há sempre algumas pessoas, poucas, infelizmente, que gostam de motociclismo e acompanham a Margarida nas redes sociais”. Com o entusiasmo com que enaltece a carreira de Margarida não deve estar nada arrependido de lhe ter traçado este destino... “De maneira nenhuma, até tenho pena de não poder ir mais além no apoio que lhe dou”. No entanto, mais ajuda, maior visibilidade e mais patrocínios seriam bem-quistos para otimizar a carreira da jovem, admitiu. “Seriam muito bem-vindos! Qualquer pouco notava-se muito e faria a diferença no crescimento e na valorização da carreira da Margarida”.