“O ‘Ferróbico’ é o clube que eu tenho no coração. Está-me no sangue. Mas, claro, gosto imenso dos clubes por onde tenho passado. Quando se está em Castro é-se Castrense, quando se está em Moura, temos que ser mourense. Vive-se muito o momento e ficamos arreliados quando as coisas não correm bem para o nosso clube. Às vezes até dói… Mas estou cansado e, em breve, deixarei esta missão, porém, poderei um dia regressar ao ‘Ferróbico’ como dirigente, para ajudar a valorizar o clube”.
Texto | Firmino PaixãoFoto | António Santos
Uma confissão de José Rosa Milhano, de 65 anos, nascido e criado na freguesia de Cabeça Gorda. Uma figura carismática do futebol regional. Nunca jogou futebol e até confessou: “Nunca me achei com talento para ser jogador de futebol”. Mas se esta peça fosse um texto cantado, teria como fundo musical aquela célebre canção de Vítor Espadinha, “Recordar é Viver”. Sim, porque, eu sei e o José Milhano também, que “tudo são recordações e que é triste viver de ilusões”. O José Milhano recordou aqui, com uma visível e contagiante emoção, figuras que o jogo da bola notabilizou e que hoje já não estão entre nós. “Tenho muitas recordações desse tempo e tinha muita vontade de que os dias voltassem atrás, porque me reduziria a idade. Mas pronto, os anos vão passando, a vida é mesmo assim”. Foi no clube da sua terra que este percurso de massagista se iniciou, corria o ano de 1979: “Aproximei-me do clube. O treinador era o António Dionísio, o Macarrão, e eu era roupeiro, era massagista, marcava o campo, transportava jogadores. Fazia de tudo um pouco”. Num diálogo simples, mas perfeitamente sentido, começou a desfiar memórias. “Na altura havia muita falta de massagistas. Passou por aqui também o Tita Sanina que tinha sido massagista do Desportivo de Beja, eu fui sempre muito interessado e queria sempre aprender mais. O Tita foi um homem extraordinário, uma pessoa com quem aprendi muito. Mais tarde saiu o Tita e veio o Estanque, esteve cá um ano e, quando ele saiu, eu já fiquei sozinho”. Não faltou, claro essa epopeia do Cabeça Gorda na Taça de Portugal: “Recordo-me do célebre jogo em que o ‘Ferróbico’ eliminou o Penafiel da Taça de Portugal. O treinador era o António Oliveira e trouxeram o Zandinga. Foi gente para Beja só para ir falar com o Zandinga, nomeadamente, outro meu grande amigo, o José António Castilho, que recordo com muita saudade. O Zandinga, que tinha fama de adivinhar o futuro, afirmou que o Penafiel iria ter muitas dificuldades mas ganharia. Nada mais errado, não adivinhou. Quem venceu foi o ‘Ferróbico’. São coisas que nunca se esquecem”. Falar no ‘Ferróbico’ sem falar no José Carlos Dias, seria injusto. “Foi um homem que amou o ‘Ferróbico’”, lembrou José Milhano. “Fazia de tudo no clube, trabalhou muito em prol deste emblema, não sabia estar noutro clube que não fosse o da sua terra. Fomos muito amigos. Não me era nada, mas tinha-o como uma pessoa de família. Ele não parava quieto, estava sempre a puxar as pessoas para o clube, fazia sorteios de automóveis, teve sempre sorte porque os carros saíam sempre à casa. Sempre que o recordo, toca-me no coração. Faleceu num ano em que era presidente do clube, sonhava com um relvado sintético, mas nunca teve a felicidade de ver esse seu sonho concretizado”. José Milhano, hoje aposentado, foi funcionário do município de Beja e trabalhou no parque de campismo, local onde um dia foi surpreendido pelo, então, presidente do Neves, António Gomes, convidando-o a trabalhar naquele clube. “Não aceitei logo, mas ele voltou, prometendo-me a ajuda de outro grande amigo, o José Abreu, e acabou por me convencer. Pedi 20 contos [100 euros] e deram-me 40 [200 euros]. Lá fui. Na altura estavam lá o Ildo, o Oca, o Pratas Palma, era uma boa equipa”. Mas era assim, quem mais me dá, mais meu amigo é, e o Milhano cedeu à pressão do Fernando Monteiro e mudou-se para Moura, onde trabalhou, inclusive, com o Francisco Fernandes. A paragem seguinte foi em Castro Verde, sob a presidência de Carlos Alberto. “Gostei muito de lá estar, é um clube onde se pode contar com as pessoas. Quando o Carlos Alberto saiu eu vim embora também e fui trabalhar para Angola. Estive lá cerca de dois anos e tal”. E continuou: “Quando regressei de África, o Luís Jacob, presidente do Moura, parece que tinha adivinhado o dia em que eu cheguei, porque, no dia seguinte, telefonou-me a pedir que regressasse. Lá fui e por lá me mantenho, bastante satisfeito”. Os tempos são outros e a idade não perdoa, por isso a frescura com que acorre às solicitações vai diminuindo (às vezes, nem convém). Mas, o que levará ele na malinha? “Levo sempre umas compressas, uns comprimidos, um Bétadine, e o ‘spray’ milagroso. Aquilo é frio, o atleta está quente, leva com o ‘spray’, atenua a dor e fica como novo”. Mas a figura do massagista tende a desaparecer, as equipas terão de ter no banco um fisioterapeuta ou um médico, é o caso do Moura. E vem por aí mais uma história. “Um dia fui procurado por um senhor a quem tinham dado o meu nome, para lhe tratar um entorse que não conseguia curar em Beja. Pediu-me para lhe ver o pé, tratei-o e recuperou rapidamente. Não o conhecia, nem sabia quem era. Nessa altura disse-me que gostaria de ficar ali a trabalhar comigo. Admirei-me e perguntei-lhe o que fazia na vida. Sou médico, respondeu-me, e eu brinquei com ele: Então quer vir para aqui dar-me cabo da vida?, disse-lhe, na brincadeira. Confessou-me até que iria aprender muita coisa comigo. Falámos com a direção e o doutor ficou uns anos no Moura. Tenho pena de ele ter saído, porque tenho grande estima por ele. Somos muito amigos”. Mas sim, recordar é viver. José Rosa recorde lá porque o conhecem por Zé “Boza”: “Sabe, comecei a falar cedo de mais, teria um ano ou pouco mais, e quando me perguntavam o nome eu não sabia pronunciar o ‘r’ e o ‘s’, dizia Boza, Pronto, ficou para o resto da vida. Na minha terra não me conhecem por outro nome que não seja o Zé ‘Boza’”.