As viagens de mota, as corridas de bicicleta e o cante alentejano são, sempre foram, as grandes paixões de António Matias, um homem bem vivido, nascido em Ervidel (Aljustrel) no dia 25 de dezembro de 1941.
Texto e Foto | Firmino Paixão
Quem gosta uma vez das bicicletas, gosta para sempre. O ciclismo tem esse mérito, essa capacidade de atrair e de unir as pessoas. Na antecâmara das partidas, na berma das estradas por aonde passam os corredores, ou no rescaldo das chegadas, o povo junta-se, esse povo que gosta das corridas de bicicletas. Muitas vezes estão lá figuras que já foram intérpretes de outras corridas, de outras aventuras, e que não hesitam em nos contar as suas memórias, as suas histórias de vida, no ciclismo e à volta dele.
À margem de uma corrida de bicicletas, cruzámo-nos, um destes dias, em Castro Verde, com António Matias, um antigo corredor, hoje com 83 anos e natural de Ervidel, no concelho de Aljustrel. Viveu na sede do seu concelho, morou em Castro Verde, em Espinho, hoje reside em Alcácer do Sal, mas também foi ao Brasil. O ciclismo foi sempre um denominador comum no seu percurso de vida e hoje, do lado de fora, no apoio ao filho Luís Gomes Matias, também corredor da Vertentability Cycling Team, de Grândola – aliás, é, também, no interior do Grupo Coral Etnográfico Vila Morena que António Matias canta as modas do seu Alentejo. Viajou de mota para França e Espanha para assistir a etapas do Tour e da Vuelta, contou de viva voz: “Sou um apaixonado por esta modalidade, aliás, fui 25 vezes ver a Volta à França, fui uns 20 anos de mota e já estou a pensar voltar lá neste ano, mas já não será de mota, obviamente, porque, entretanto, já as vendi. Já fui 10 ou 12 vezes ver a Volta à Espanha e outras provas naquele país”.
Tudo começou na capital do “Campo Branco” e ainda adolescente, relatou António Matias: “A minha paixão pelo ciclismo começou exactamente em Castro Verde. Antigamente faziam-se aqui três provas anuais. Fazia-se o Cortejo de Oferendas e então organizavam essas corridas. Corri a primeira com 17 anos, vieram uns indivíduos nem sei de onde, mais velhos do que eu, o que não era difícil, porque eu ainda era um jovenzito. A chegada era junto à basílica. Eu vinha na frente com mais quatro ou cinco indivíduos e eles encalharam uns com os outros, perto do quartel da Guarda Nacional Republicana, que ainda hoje ali existe, e eu aproveitei a queda, fugi, e eles não me apanharam mais. Foi o meu início como ciclista. Era corredor individual, por aqui não existiam clubes”. Foi assim! No ciclismo, quem corre uma vez, corre duas ou três, portanto… “Continuei a fazer essas provas populares mas, entretanto, fui para Espinho e iniciei-me como corredor do Académico do Porto, era o clube do Ribeiro da Silva. Eu ainda era júnior, ele já era sénior e até já tinha ganho uma Volta a Portugal”.
Voltou ao Alentejo dois anos depois e filiou-se no Benfica, mas a ligação foi efémera, justificou. “O nosso treinador não era uma pessoa muito acessível e eu que, então, morava em Aljustrel, tinha de ir todas as semanas para Lisboa e as coisas não correram muito bem”.
As pedaladas seguintes foram mais ao sul. “Deixei o Benfica e fui para o Louletano. A primeira vez que corri em Loulé foi na pista de ciclismo que ainda era de terra batida. Não conhecia ninguém mas, a meio da corrida decidi apostar, pensei cá para os meus botões: ‘vou experimentar para ver no que isto vai dar’. Olhe, ganhei com uma volta de avanço sobre o pelotão. Na época, fazia-se um festival de ciclismo em Loulé, no Estádio da Campina, vinha o Benfica, o Sporting, o Tavira, o Águias de Alpiarça, vinham as grandes equipas, mas eu ganhei as provas quase todas. Como ainda era júnior tive convites para outros clubes, mas decidi ficar no Louletano. Estava já a estagiar para a Volta a Portugal quando, um mês antes, fui chamado para o serviço militar, onde estive quatro anos. As corridas ficaram por ali. Quando saí da tropa, voltei a correr, já em masters, e fui campeão nacional, em 1979, por uma equipa de Torres Vedras, uma formação onde corriam os Martas. Ganhei sete ou oito corridas nessa época. Ainda corri por duas vezes a Volta a Palma de Maiorca e fui à Áustria disputar o Campeonato do Mundo de Masters outras duas vezes”.
Viveu dois anos no Brasil, fez algumas corridas no estado de São Paulo, depois foi para Piracicaba e, mais tarde, para Brasília, onde participou em algumas provas. Viajado pelo mundo, umas vezes de bicicleta, outras de mota, contou ainda: “A minha maior viagem de mota foi à Polónia. Fui visitar o campo de concentração de Auschwitz. Queria ver aquilo!”. E emocionou-se. “Levei 15 ou 20 dias, já nem me lembro, mas fui lá, cumpri esse desejo. Nasci em 1941, ainda apanhei quatro anos de II Guerra Mundial, morava aqui em Castro Verde. Lembro-me de estarmos horas e horas nas filas de racionamento dos produtos alimentares”.
António Matias tem viajado pelo mundo, mas não perde o sotaque nem abdica da sua condição de alentejano. “Sou, serei sempre, um alentejano, nunca abdicarei disso, e repare que eu também canto no Grupo Coral e Etnográfico de Grândola”. Essas são outras corridas, difundindo, por aí, a nossa cultura, as nossas tradições, através do cante alentejano.