Os primeiros raios de sol ainda despontavam por detrás da serra, lá das bandas do país vizinho, e a praça Conde de Ficalho já estava capaz de receber os mais de 600 concorrentes da quarta edição do trail organizado pela, ainda jovem, Associação Ficalho Desporto e Cultura.
Texto Firmino Paixão
O lema “Nesta serra deixei a minha alma”, criado pela organização, diz bem da exigência técnica dos quatro percursos, de uma invulgar beleza, desenhados pela margem da ribeira do Chança e pela serra de Ficalho, através dos antigos “caminhos do contrabando” usados para o comércio ilegal de produtos de e para a vizinha Espanha, logo ali a quatro quilómetros da vila raiana, terra de largas e invulgares tradições. “Uai!” E são tantas!
A praça Conde de Ficalho é o espaço mais nobre da povoação, ali acolhe a igreja de São Jorge, a quase centenária Sociedade Recreativa União Ficalhense, a junta de freguesia, a entidade bancária, a sede da comissão de festas em honra de Nossa Senhora das Pazes e São Jorge, padroeiros da freguesia, enfim, foi dali que nas primeiras horas da manhã foram partindo os aventureiros do trail, recebidos com uma atuação dos Chocalheiros de Vila Verde de Ficalho.
A festa durou pela tarde e noite dentro. O invulgar, ou talvez não, é uma organização tão jovem revelar tanta capacidade mobilizadora. Mas a explicação não tardou. Francisco Mendes, presidente da Ficalho Desporto e Cultura, revelou: “Tentamos que o atleta não pague a prova. Neste momento existem muitos trails num fim de semana e as pessoas não podem gastar muito dinheiro com deslocações e inscrições, por isso, tentamos manter os preços num registo baixo, porém, acho que o segredo está mesmo na forma de recebermos as pessoas. Gostamos de proporcionar as melhores experiências aos atletas que aqui vêm visitar-nos e, por outro lado, temos uma equipa grande de trail, saímos muito para outras provas e depois temos o retorno”. Ou seja, não me dês nada, mas mostra-me agrado: “É essa a questão. Não temos prémios monetários, apenas uma lembrança simbólica. Entre a segunda e a terceira edição a prova deu um pulo interessante, tivemos quase 500 atletas e, neste ano, então, ultrapassámos os 600, mas, depois, a nossa zona tem uma boa orografia e os atletas gostam disso. A nossa serra é o ponto mais alto da região, as paisagens são lindíssimas”. E simultaneamente exigentes. “Deixar aqui a alma” é uma imagem que não carece de legenda: “Os atletas têm de dar o máximo possível, têm de se superar, embora a maior preocupação da nossa organização é que os atletas cheguem bem à meta. Sabemos que o trail é uma modalidade dura, arriscada, por vezes, porque se corre em trilhos de animais, e nesta semana choveu imenso, mas queremos que deixem tudo o que puderem na nossa serra para levarem boas recordações e sentirem vontade de voltar”.
Têm-no feito, pelo menos para recuperarem a alma e assistirem a uma exibição dos Chocalheiros, um ex-libris da terra, admitiu Francisco Mendes. “É uma tradição da nossa terra, que começou na altura da Páscoa. Na Sexta--feira Santa tocam entre a meia-noite e o meio-dia, são 12 horas a tocar pelas ruas. Os nossos Chocalheiros saem muito pelo nosso país e pelo estrangeiro e achámos bem trazê-los aqui hoje, porque temos muita gente de fora e quisemos mostrar esta nossa tradição”.
Quanto à Ficalho Desporto e Cultura, revelou o dirigente: “Foi fundada há cerca de três anos com a ideia de dinamizarmos a nossa terra e proporcionarmos animação à nossa população. Estamos isolados, no interior, somos um povo envelhecido e foi importante criar este e outros eventos. O nosso lema nem é criar grandes eventos, mas sim, pequenos e frequentes. Este é, realmente, o maior. O importante é que esteja sempre a acontecer qualquer coisa, eventos de poesia, de música, de desporto, um pouco de tudo”.
A força de uma tradição
Domingos dos Santos é um dos responsáveis pelo Grupo Folclórico Os Chocalheiros de Vila Verde de Ficalho, ele próprio chocalheiro. “Tudo isto começou por volta de 1989. Há muitos anos que andamos nisto. Somos à volta de 25 elementos, claro que nem sempre podemos ir todos, normalmente saímos entre 22 e 23 elementos e temos atuações em todo o País e até lá fora”.
Ensaios não existem. Tocam de ouvido e até de olhos fechados. “A música é sempre a mesma, mas o som difere de chocalho para chocalho. Se um indivíduo, por exemplo, tropeçar em qualquer coisa, estraga logo tudo, porque o grupo cala-se. Cada chocalho tem a sua afinação, o meu tem um toque, o que está ao meu lado tem outro e quando um desafina nota-se logo”. Porém, o artista sempre admitiu: “Percebo um bocadinho de música. Tenho ouvido e vou lá buscar as notas. Mas quando um desafina tem de acertar o passo para conseguir apanhar o tom dos outros”.
Trazer gente nova para o grupo é muito difícil, lamentou Domingos dos Santos, contudo, está otimista quanto à longevidade do grupo: “Manteremos isto até que Deus queira. Os velhos vão acabando, mas espero que o grupo ainda se aguente por mais uns quantos anos. Isto é uma tradição quase única, o nosso grupo é inédito”.
Vencedores IV Trail de Ficalho
Mini Trail 10 quilómetros
Ruben Modesto (Bacio Barbershop) 1h15’19
Vânia Carrilho (Trilhos da Raposa) 1h31’31
Trail Sprint 17 quilómetros
Vanderlei Pacheco (Vasco Gama Sines) 1h24’18
Paula Ramalho (CB Reguengos) 1h52’10
Trail Médio 32 quilómetros
Joel Silva (GD Alcoutim) 3h08’25
Marisa Machado (Cocheiros & C.ª) 4h10’34
Ultra Trail 50 quilómetros
João Figueiredo (ADN Mértola) 5h27’04
Vera Silva (GD Alcoutim) 7h21’37