O Campeonato do Mundo de Futebol de Rua (Homeless World Cup) decorreu entre os dias 21 e 28 de setembro, na cidade de Seul, capital da República da Coreia. Uma competição onde Portugal obteve o 5.º lugar.
Texto e Foto | Firmino Paixão
O futebol de rua em Portugal, a sua dinamização e a tutela da seleção que representa o País nas competições internacionais, é assumido pela Associação Cais, organização que tem como missão social “contribuir para a melhoria global das condições de vida de pessoas social e economicamente vulneráveis, em situação de privação, exclusão e risco”. O lema da Cais é “Todos contam”, razão pela qual, eventualmente, a seleção é formada por “atletas que personificam a superação e a paixão pelo futebol de rua”, como assume a organização.
A novidade, porém, foi a chamada de dois bejenses à seleção nacional que competiu naquele país da Ásia Oriental, o jogador Sandro Cavaco, de 27 anos, antigo atleta da Sociedade Recreativa Entradense, e a jogadora Mara Guerreiro, de 20 anos, atleta da equipa de futsal feminino do Sporting Clube Ferreirense. Ambos chegaram ao futebol de rua através da Associação Juvenil Pax-Jovem, promotora local da modalidade e que tem no seu âmbito “promover valores e competências pessoais e sociais”, nomeadamente, através do “acesso ao desporto”.
A Pax Jovem foi, seguramente, a ponte para que Sandro e Mara tenham acedido a essa experiência, que é única – porque cada atleta só pode competir num mundial –, de interiorizarem os valores de uma competição socializante e de dimensão mundial num país tão longínquo. As origens, os percursos, são, obviamente, divergentes, mas a Cais diz que “Todos contam”. O talento também é importante na conquista dos melhores resultados desportivos.
Sandro Cavaco, trabalhador numa empresa de gestão de resíduos, recordou: “O que eu trouxe deste campeonato foi, principalmente, a experiência de viajar para o outro lado do mundo. Representar o nosso país é algo que todos querem, todos alimentam esse sonho. Mas foi uma boa experiência. Conheci uma nova cultura, a comida também era diferente do que estamos habituados, foi um pouco difícil habituarmo-nos a essas diferenças, foram necessários, pelo menos, dois ou três dias para nos habituarmos a tudo isso, e também ao calor. Um calor diferente do que estamos habituados. Mas é assim, quando já estávamos a entrar no eixo eram horas de virmos embora. Quando estávamos a entrar no ritmo foi quando acabou a experiência”.
Mara Guerreiro frequenta o segundo ano da licenciatura do curso de Desporto na Escola Superior de Educação de Beja e considerou: “Foi uma experiência muito boa. Para além do campeonato em si, tivemos um estágio de 10 dias, espaço onde eu acho que cresci mais nesta modalidade de futebol de rua e, depois, foi colocar em prática o que aprendi na Coreia do Sul, embora não tenha tido muitas oportunidades, mas já estava à espera disso, porque estava a participar num campeonato misto. Mas aproveitei as oportunidades que me foram dadas. Também passeei e conheci um pouco da cidade de Seul”.
Uma experiência gratificante, como se vê nesta comunhão de opiniões. Mas a oportunidade é única e Sandro concorda com este registo. “Claro. E acho bem que seja assim, porque há muitos jogadores que também têm esse sonho e nem sempre o conseguem. Falo por mim. No futebol não consegui representar o nosso país, no futsal também não, mas através do futebol de rua, modalidade que aqui em Beja vivemos muito, consegui realizar esse sonho”. Um sonho que Mara não alimentava. “Confesso que, nesta modalidade, nunca tinha pensado muito nisso, porque é algo que pratico há pouco tempo mas, sim, sempre foi um sonho concretizado, representar o meu país numa competição mundial. Mas encarei esta internacionalização com o mesmo sentimento como se fosse no futebol ou no futsal”. Na verdade, a convocatória surpreendeu-a. “Não estava mesmo nada à espera, até porque o último ano não foi um dos meus melhores anos futebolísticos, mas também acho que a convocatória foi mais pelo que eles viram em mim no ano passado”. E Mara concorda com a abertura da modalidade à comunidade em geral? “Sim. Acho que toda a gente deveria experimentar. Mesmo um jovem que não tenha problemas de âmbito social ou comportamental tem tudo a ganhar na área das competências. Eu aprendi muito nessa área e não tenho uma vida difícil”.
Diferente foi o percurso infanto-juvenil de Sandro. E ele recorda-o sem complexos. “Quando conheci o futebol de rua posso dizer que era um indivíduo que não tinha uma visão da vida como tenho hoje, nem era tanto homem como sou agora. Só posso agradecer isso às pessoas da Pax-Jovem, principalmente, ao Fábio e ao Tatinha, porque são eles que organizam as seleções de Beja e que dão força aos projetos. Sinto-me hoje uma pessoa diferente. O futebol de rua mudou a minha vida”. E congratula-se: “Hoje sou uma pessoa diferente. Uma pessoa mais humilde e mais respeitadora. A Cais tem feito um trabalho enorme com o futebol de rua e temos que lhes agradecer muito. Falo muito disso com o meu irmão, que também é jogador desta modalidade, digo-lhe para se dedicar mais. Se não fosse o futebol de rua, eu, se calhar, andava ‘por aí ao Deus dará’, uma pessoa sem rumo como era antigamente, sempre metido nas confusões do bairro onde vivia”.
“Todos estávamos lá por alguma razão”, lembrou Mara Guerreiro. “Claro que existe essa cena da inclusão associada ao futebol de rua, mas o grupo que lá estava queria apenas dar o melhor pelo nosso país, era nisso que estávamos focados, em criar um grupo forte e capaz de responder o melhor possível àquele compromisso. Se fomos chamados foi porque o merecemos”.
O quinto lugar da seleção, neste mundial, soube a pouco, uma opinião em que os dois coincidem. Sandro assumiu-o: “Sem tirar o mérito às outras equipas, mas com a seleção que nós levámos à Coreia, e com aquilo que nos foi proporcionado assistir, acho que dava perfeitamente para termos sido campeões do mundo. Falharam muitas coisas, agora já não vale a pena remoer no que já passou, porque, do passado vivem os museus. Queríamos mais e acho que o merecíamos, mas não deu”.