Diário do Alentejo

Pedro Jonas, presidente do Futebol Clube Albernoense, fala sobre a tragédia que vitimou Gefrison Candé

20 de janeiro 2024 - 08:00
“Morreu com a nossa camisola”

Uma multidão de guineenses – familiares, amigos e povo anónimo – prestou a última homenagem ao jogador Gefrison Candé, no cemitério de Bissau, para onde foi transladado o corpo do malogrado jogador, que faleceu no Estádio Municipal de Mértola, no passado dia 7.

 

Texto e Fotos Firmino Paixão

 

Gefrison Candé defendia as cores do Albernoense quando, ao minuto nove da partida relativa à 11.ª jornada do Campeonato Distrital da 2.ª Divisão da Associação de Futebol de Beja, que o clube disputava frente ao São Domingos Futebol Clube, caiu inanimado, vindo a falecer, apesar de todos os esforços para reversão da doença súbita que o vitimou.

Pedro Jonas, o presidente do Albernoense, numa emocionada conversa com o “Diário do Alentejo”, descreveu os contornos da tragédia que enlutou o clube, confessando: “O Gefrison era muito mais do que um jogador. Era um amigo do clube. Um amigo da nossa terra. Todas as pessoas gostavam dele. Era muito humilde, muito educado, passava a sua mensagem sempre de uma forma muito positiva. Pensava que, no mundo, as pessoas mudariam também a sua forma de pensar. Era essa também uma das suas grandes lutas. Mudar as mentalidades. Obviamente que os pais, na Guiné Bissau, deviam estar muito orgulhosos do menino que veio de África para o nosso país. Tudo o que fizemos foi para o honrar, na nossa terra nunca será esquecido. Na próxima semana construiremos um grande memorial alusivo ao Gefrison”. Porém, aquele minuto nove do jogo de Mértola foi fatal. “Como presidente do Albernoense nunca imaginei viver uma situação destas e espero que nunca ninguém passe por isto, neste distrito ou no resto do País, no futebol ou seja qual for a modalidade desportiva. Foi uma situação muito complicada para todos os colegas, para os amigos, e, especialmente, para a família. E, no meu caso, como presidente da direção do clube. Portanto, o dia 7 de janeiro nunca será esquecido, muito menos no Estádio Municipal de Mértola, onde a situação ocorreu, porque quando por lá passarmos, ou quando tivermos que lá jogar, será sempre difícil. Foi lá que vivemos aqueles momentos trágicos. Foi lá que perdemos um dos nossos e onde o clube perdeu uma parte de si”.

Na verdade, quando Gefrison caiu, perceberam de imediato que algo de grave se passaria, lembrou Pedro Jonas. “Caiu inanimado e os colegas começaram logo a pedir ajuda com muita aflição. Percebemos que a situação era grave. Foi de imediato socorrido pelo jogador Odair Gomes, do São Domingos, a quem, obviamente, agradecemos publicamente”. Nos minutos seguintes: “A resposta dos meios de socorro foi irrepreensível, os bombeiros de Mértola estavam presentes no jogo, veio a ambulância de Castro Verde, o próprio helicóptero do INEM [Instituto Nacional de Emergência Médica] demorou cerca de um quarto de hora mas, infelizmente, não foi possível trazê-lo de volta à vida”.

O dirigente recorda o jogador: “[Era] alguém que, não sendo da nossa terra, acabou por a adotar como sua. Nas férias de verão trabalhava numa unidade hoteleira da nossa freguesia. Sentia a nossa camisola e a prova disso é que era já um dos capitães de equipa. Tinha uma presença muito forte no balneário, onde deixará sempre grande saudade. O número da sua camisola jamais será utilizado, a sua memória estará imortalizada no nosso balneário. Estará sempre connosco. Quando as pessoas honram o nosso clube, a nossa terra e o nosso concelho, da forma como o Gefrison o fazia, só podemos estar gratos. Era um sentimento que partilhava com todos”.

A sua morte foi igualmente sentida na comunidade local, junto da qual o jogador era acarinhado. “O Gefrison era alguém diferente. Prova disso foram as homenagens que lhe foram feitas por todo o distrito. Era uma pessoa muito positiva, olhava para a vida com muito otimismo. Veio de um país onde se vivia, e vive, uma situação complexa mas, para ele, estava sempre tudo bem. Tinha a esperança de que as coisas mudariam. Para nós mudaram muito, porque o perdemos. A nossa luta, daqui para a frente, nunca será igual, porque perdemos um guerreiro”.

Pelo caminho do jovem guineense ficou outro sonho por cumprir, os estudos académicos, no Instituto Politécnico de Beja. “Era o outro sonho. Um esforço que a família, mesmo noutro continente, também fazia, ajudando-o como podia. Mas ele trabalhava nas férias para conseguir manter a sua vida académica. Estava no último ano da licenciatura em Engenharia Informática”, fez notar Pedro Jonas.

Outro momento difícil foi dar a notícia à família. “Quem tem filhos perceberá a dificuldade”, referiu o dirigente. “Falei com a mãe do Gefrison, ao telefone, no próprio domingo, através de um colega de equipa que é o Lassana. Com o pai foi um médico do hospital que falou. Mas não é fácil confortar as pessoas numa situação tão dramática. Temos estado sempre em contacto”. Porém, Pedro Jonas precisou: “Perdemos este guerreiro, mas ganhámos a sua família. Sabem que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. Uma comitiva do clube irá, em maio, à Guiné-Bissau, conhecer a família e dar-lhes um abraço de conforto. Mas ficamos com o sentimento de que honrámos a sua memória, que o homenageámos devidamente, quer em Portugal, quer na chegada a Bissau, onde foi recebido com grande dignidade e por uma grande multidão de pessoas”.

O dirigente comentou também o apoio prestado pela tutela do futebol regional e nacional, revelando: “Fomos contactados por Fernando Gomes [presidente da Federação Portuguesa de Futebol], que nos remeteu uma carta de pesar e nos deixou uma palavra de conforto. Tivemos a presença dos dirigentes Rui Manhoso e João Vieira Pinto nas cerimónias fúnebres. Foi algo emotivo. Mostrou que não existe diferença entre profissionais e amadores, estamos todos unidos no mesmo processo. A Associação de Futebol de Beja também esteve, desde logo, ao nosso lado. Agradeço-lhes por tudo o que têm feito. Já estamos também a receber apoio psicológico, portanto, estas entidades têm estado ao nosso lado, ajudando-nos a resolver as questões burocráticas, acarinhando-nos e confortando-nos. Nunca o esqueceremos”.

Gefrison também está na memória de todos. “O Gefrison estava connosco há cinco anos e passava, para a família, tudo aquilo que são os valores do nosso clube. Os sucessos que se seguirem serão todos em honra do Gefrison, que era um lutador incansável. Morreu com a nossa camisola vestida e isso diz-nos muito”.

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