Diário do Alentejo

Instituto Politécnico de Beja insiste na ideia de um desporto para todos e para todas

11 de junho 2023 - 09:00
Nós "não desistiremos!"
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

O seminário do projeto “Action Girls”, organizado pelo Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), foi, em simultâneo, um momento de avaliação intermédia do caminho percorrido, mas também um espaço de afirmação e de conquista. Uma ferramenta para refletir sobre o desporto no feminino.

 

Texto Firmino Paixão

 

"Não há mudança nenhuma na sociedade que seja feita só por uma parte dessa sociedade”, garantiu o coordenador do projeto “Action Girls”, Nuno Loureiro, também vice-presidente do IPBeja, reafirmando que “o desporto é de todos, para todos e para todas. E é essa a mensagem, ou seja, nós temos de repensar as nossas práticas, ajustá-las ao contexto em que vivemos, e, acima de tudo, não termos medo de assumir que as mulheres precisam de uma ajuda diferenciada”.

 

O docente alertou também para a necessidade de as mulheres se envolverem nestes desafios porque, fez notar, “o mundo fica melhor quando as mulheres estão presentes”, garantindo: “Nós podemos ir mudando o foco, mas nunca desistiremos”.

 

O tema genérico do seminário – “Compreender para melhorar” – parece imbuído de uma mensagem que se pretende vincar…

Praticar no feminino é ser diferente. E nós temos, primeiro, que compreender quem são as praticantes e, depois, perceber quais são os obstáculos que elas sentem e tentarmos superá-los para que elas encontrem no mundo do desporto um sítio de pertença, de prazer e de ambição no futuro, caso pretendam ser praticantes. Mas, acima de tudo, que sejam futuras líderes para uma sociedade que se quer também no feminino.

 

O seminário foi uma avaliação intermédia do projeto “Action Girls”? Nada começou, nem nada terminou aqui?

Foi um momento para devolver à comunidade algo que ela nos tem dado, quando nos permite que nós possamos estudar, seja a condição física, seja a questão dos contextos. É devolver tudo isso à comunidade. O IPBeja assume-se como um sítio de fazer, de ciência e a ciência só faz sentido se realmente chegar às pessoas. Essa é a forma de nós reforçarmos o nosso ciclo: “Aprender, fazer e devolver”.

 

O seminário trouxe a Beja algumas figuras do desporto nacional para refletirem sobre os desafios e as conquistas das mulheres no desporto…

Uma das dificuldades que as raparigas sentem é a falta de líderes. A falta de referências no feminino. Elas conhecem os jogadores, conhecem os atletas olímpicos, mas as atletas femininas passam um bocadinho mais longe do radar da comunicação social. E o que pretendemos, com a presença destas figuras, foi demonstrar que elas foram, efetivamente, especiais, também tiveram as suas dificuldades e conseguiram ultrapassá-las. Se elas conseguirem passar esse legado, que as atletas tenham menos dificuldades, este nosso seminário terá cumprido a sua missão.

 

O projeto tem cerca de um ano. Falou-se neste seminário em desafios e conquistas. Estão já identificadas algumas conquistas?

A primeira conquista foi a organização deste seminário. Se me dissesse, há uns anos, que nós iriamos ter a capacidade de falar só sobre a prática feminina e encher a sala do auditório falando disso, toda a gente diria que éramos loucos. Portanto, o IPBeja também tem essa missão, a missão de procurar e identificar nichos, tentar dar consistência a esses nichos. O desafio é continuar, vamos prosseguir também através de teses de mestrado, a investigar algumas dimensões do ponto de vista fisiológico e, acima de tudo, continuar à procura de podermos oferecer aos nossos clubes outro tipo de soluções. Não podemos fazer as mesmas práticas que os homens fazem e nós temos que dar esse contributo. O nosso laboratório tem essa capacidade, nós temos essa capacidade instalada, mas precisamos também que os clubes olhem para nós e que nos chamem para desenvolvermos novos desafios.

 

Os objetivos iniciais permanecem intactos ou têm sido reformulados consoante surgem novas premissas?

Não, a nossa ideia agora é entregar às famílias formas de ajudar as raparigas a serem melhores atletas sem abdicarem da sua vida. Aos treinadores também a mesma situação. Do ponto de vista da condição física, como é que podemos treinar? Sabemos que há algumas patologias que estão muito associadas à prática feminina, nomeadamente, ao nível das lesões. Sabemos que existem lesões que aparecem mais nas mulheres do que nos homens e nós podemos inverter isso. Aos dirigentes também: como é que lidam com as raparigas que têm características e têm particularidades que fazem com que elas abandonem o desporto?

 

Estão identificadas as razões para o abandono precoce das mulheres no desporto?

Sim, estão muito identificadas, até porque existe uma grande pressão académica. Os pais pressionam mais as meninas, têm menos tolerância para as meninas do que têm para os meninos. Elas não encontram, no seu contexto, um sítio onde se sintam bem e, muitas vezes, sentem que os treinadores não conseguem falar com elas de uma forma que as integre. Portanto, há essa dificuldade, até porque muitas delas aparecem muito tarde no fenómeno desportivo e há tendência ao abandono. Muitas delas acabam por ter concorrência de meninos que estão em fase diferente de desenvolvimento e isso causa-lhes muito incómodo.

 

E existem muitos preconceitos na nossa sociedade?

Nós temos isso muito claro. O preconceito é uma questão da sociedade. O que não podemos aceitar é que o próprio desporto o potencie. Provavelmente, o desporto é dos sítios em que mais se mantém a questão do preconceito, porque achamos que o homem tem mais força, que é mais rápido, e não podemos comparar. São cenários diferentes. Temos que compreender essa situação. Depois há sempre o medo, o medo sentido pelo pai, que receia que a sua filha tenha um gosto sexual para o qual não está alinhada. Nós ainda estamos preocupados com isso. É um tema, ainda, que tem de deixar de o ser. Estamos numa sociedade que não tem de avaliar as pessoas pelas suas escolhas, mas pelos seus atos. É isso que pretendemos numa sociedade moderna.

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