Diário do Alentejo

José Miguel Ameixa: A superação dos pódios

05 de maio 2023 - 17:00
José Miguel Ameixa ganhou medalha de bronze em campeonato nacional de judo depois de 20 anos sem competir
Fotos | Ricardo ZambujoFotos | Ricardo Zambujo

O Campeonato Nacional de Veteranos, que se realizou no passado dia 15, contou com o regresso do judoca José Miguel Ameixa aos tapetes e ao pódio. O atleta de 48 anos, que competiu na categoria de 81 quilos, conquistou a medalha de bronze. O “Diário do Alentejo” esteve à conversa com o desportista sobre o seu percurso e retorno às competições.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

De olhar nervoso, ainda pouco habituado ao mediatismo característico de quem alcança um determinado feito, José Miguel Ameixa conduz o “Diário do Alentejo” pela “aventura” que tem sido o seu caminho pelo judo.

 

Entrou na modalidade com 17 anos e sem qualquer tipo de influência dos pais, embora o clube da cidade fosse a escassos metros da sua casa, desde cedo percebeu que aquela seria uma parte bonita da sua vida.

 

“O Judo Clube de Beja era ao pé da casa dos meus pais e eu em miúdo ia ver os treinos. O meu pai não via o judo como aquele desporto de eleição, porque naquela geração o futebol reinava, por isso eu nunca tive qualquer influência para a praticar, apesar de ser ali ao pé. Ia ver os treinos, tinha lá um amigo ou outro, inscrevi-me e comecei a praticar”, conta.

 

O ambiente de amizade, luta e igualdade, em que “os mais fracos conseguem derrubar os mais fortes”, rapidamente o conquistaram. Apaixonou-se pela componente física e psicológica que a modalidade carrega, encontrando nos treinos uma motivação maior do que nas competições.

 

“Gosto de lutar judo por ter uma componente física intensa e técnica. Hoje, apesar de ser também monitor, prefiro ser treinado pelos meus colegas, porque gosto mais de ser treinado do que de dar o treino, são opções. Tenho esse espírito de estar do outro lado, de ser treinado, de suar, de andar ali enrolado a lutar no chão e depois de pé e de estar ao nível dos mais novos”, realça o judoca.

 

Aos 28 anos deixou de competir. Diz que o desenrolar da sua vida pessoal, o casamento e o nascimento da sua filha, aliados “à desmotivação natural da idade”, fez com que a inquietação antes das provas deixasse de lhe fazer sentido. As lesões que foi tendo também o ajudaram a tomar essa decisão, contudo, nunca se permitiu jogar a toalha ao chão e desistir da modalidade.

 

“A minha lesão levou-me a ser operado três vezes ao joelho direito e disseram-me que o judo, pelo seu ar agressivo, não era uma boa modalidade para mim e comecei a ver que ali seria o meu fim de linha no desporto”, recorda.

 

“Mas o que acontecia é que sempre que recuperava dava por mim a pisar o tapete, coxeando, mas a gerir a dor e o desconforto. A minha vontade de ir ao clube era superior à vontade de passar na rua e não entrar, porque depois eu sou assim: ou nunca mais entro ou não consigo só entrar e cumprimentar”, reforça o cinturão negro.

 

Aos poucos a vida também o encarregou de começar a transmitir esse seu amor pelo judo àqueles que chegavam de novo. Com 40 anos, menos oito do que tem atualmente, abraçou o projeto, em conjunto com o mestre João Trincalhetas, de fundar um outro clube na cidade bejense: o BVB Judo.

 

Centrado nos atletas e com um pensamento de “ganhar à séria é o resultado de treinos bons”, José Miguel Ameixa passou a ter como propósito “apoiar os atletas, levá-los às provas e alcançar bons resultados”, para orgulhar o desporto e a cidade.

 

“Depois comecei a ser monitor dos miúdos mais pequenos da aula do Baby Judo. Começámos a levá-los às provas e a perceber que estavam dentro dos melhores a nível nacional e começou a entrar aquela vontade de ir outra vez à competição em veteranos”, revela.

 

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VOLTAR ÀS COMPETIÇÕES PASSADO 20 ANOS

A medo e com o desassossego natural de quem não sabe o que acontecerá depois, inscreveu-se, neste ano, no Campeonato Nacional de Veteranos, na categoria de 81 quilos e no escalão M4, ou seja, para atletas entre os 45 e os 49 anos.

 

“Estive parado [das competições] cerca de 20 anos pelas circunstâncias normais de um judoca. Nós chegamos a uma altura, e eu que já fiz três cirurgias ao joelho, em que simplesmente só treinamos e, normalmente, um judoca com 48 anos não treina para competir. Há poucos judocas a nível nacional a competirem, porque o judo é um desporto muito agressivo para as articulações, com muito desgaste físico e a mobilidade é completamente diferente”, realça.

 

A restrição alimentar foi o seu “calcanhar de Aquiles” e, consequentemente, o grande “sacrifício” da sua preparação. Face às características da sua categoria, José Miguel Ameixa viu-se obrigado a emagrecer “mais de 13 quilos” enquanto aumentava a intensidade e a regularidade dos seus treinos.

 

 “Foi um treino duro, porque tive de perder mais de 13 quilos para ir a prova. Tive de duplicar e intensificar os treinos e, inevitavelmente, passei a ter mais vontade de comer, mas não podia. E eu tive os últimos três dias, na Páscoa, a fazer um enorme sacrifício que era treinar com fome, o que foi muito duro”, relembra.

 

A grande problemática da falta de judocas seniores em Beja também dificultou o processo. Além dos treinos com os mestres, João Trincalhetas e Nuno Filhó, também o atleta Tiago Trincalhetas foi uma “preciosa ajuda”.

 

“Tive dificuldade em ter com quem treinar, porque o nosso judo, principalmente em Beja, não tem um grande número de atletas. Então, ou treinava com o Abelardo Neto, que é mais ou menos do meu tamanho, ou com o Tiago Trincalhetas, um miúdo juvenil que levou com um atleta de 90 quilos até [atingir os] 80”, diz.

 

Ainda assim, e apesar do tempo em que esteve afastado das competições, esteve sempre ciente de que “não precisava de provar nada a ninguém” e que apenas tinha de dar o seu melhor, sabendo que do outro lado estava “um atleta que sabia e que trabalhou” tanto quanto ele até àquele momento. Gerir a ansiedade, o tempo de espera e a concentração, enquanto se tenta manter o positivismo, não foi tarefa fácil.

 

“Os nossos combates, em tempo útil, são de três minutos muito intensos, mas todo o processo entre provas é muito lento. Entre uma e outra vamos vendo os outros atletas e começamos a pensar nas lesões, que na nossa idade são muito complexas e não se curam facilmente, e a ansiedade fica em alta. Mas depois, quando conseguimos chegar ao fim da prova e ao pódio, é um êxtase brutal”, salienta.

 

O sentimento de dever cumprido, de superação para consigo próprio e de servir, mais uma vez, de exemplo aos mais novos encheu-o de orgulho na hora de subir ao terceiro lugar do pódio. Diz, sem hesitar, não ambicionar novos tapetes ou pódios e que o seu foco, neste momento, é estar por trás daqueles que treina, porque “nenhum judoca ganha sozinho”.

 

“A mim não me falta conquistar nada. Quero só que os meus miúdos fiquem bem colocados e que estejam sempre a alto nível para representar bem a cidade”.

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