Diário do Alentejo

Francisco Mendes: O ex-jogador cuja vocação é ensinar os miúdos

01 de janeiro 2023 - 10:00
Perfil de Francisco Mendes, treinador de patinagem
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

“Só pratiquei uma modalidade desportiva, que foi o hóquei em patins, e esse gosto nasceu casualmente. Morava na zona do Salvador e ia muitas vezes brincar ao jardim público, isto nos anos 70. Vi miúdos a patinar no ringue e encostei-me à tabela a ver aquilo, mas eu nem sabia o que era”.

 

Texto Firmino Paixão

 

"Um belo dia, um senhor acercou-se de mim e perguntou-me o nome: Sou Francisco, respondi eu. E ele insistiu: Não queres vir experimentar a andar de patins? Disse que gostava, mas que, primeiro, teria que falar com a minha mãe. Tudo bem, respondeu o senhor. Falei com a minha mãe logo nesse dia e, no seguinte já lá estava. Comecei a aprender e o senhor disse-me que, sempre que quisesse patinar, poderia pedir os patins ao Tio Augusto (guarda do jardim). E assim comecei a fazer. Logo que saía da escola ia patinar, impulsionado por aquele senhor que, afinal, era o João Serra Magalhães".

 

Francisco Mendes é o protagonista desta história. O tal miúdo que aprendeu a patinar no ringue do Jardim Público Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na cidade de Beja, e que, atualmente, partilha com outros meninos e meninas, tudo aquilo que aprendeu, também ao longo de uma carreira de jogador, que passou pelo Desportivo de Beja, Mineiro Aljustrelense, Diana de Évora e Clube de Patinagem de Beja. Curiosamente fá-lo, agora, no recinto de que é patrono o seu mestre: o Pavilhão João Serra Magalhães.

 

São já, seguramente, muitas as centenas de meninos e meninas que o treinador Francisco Mendes ensinou a rolar sobre patins. Um trabalho de paciência, feito com amor e dedicação, sem segredos, diz o mestre.

 

“Não há segredos para ensinar um miúdo a patinar, o essencial é que ele queira, a vontade dele prevalece. Depois, nunca se deve colocar um miúdo em iniciação, junto com os que já sabem patinar, pois levam o tempo a olhar para os outros e querem fazer o mesmo, mas a iniciação à patinagem faz-se a marchar, para ganharem equilíbrio sobre os patins”.

 

O passo seguinte, quando já adquiriam algumas competências como equilíbrio e velocidade, é óbvio: “Damos-lhes a escolher entre o hóquei em patins e a patinagem artística, porque, agora, não temos a patinagem de velocidade. Os miúdos escolhem depois o que querem fazer, mas, praticamente, todos querem o hóquei em patins”.

 

Quando vê o menino, ou a menina, evoluírem, o sentimento é de orgulho: “Quando ensino um miúdo a patinar o pensamento é que ele seja jogador e, quando assistimos à entrada desse miúdo numa equipa e ele começa a jogar, é algo extraordinário, um orgulho imenso, vivo isto intensamente”, confessou.

 

O Francisco Mendes, funcionário do município de Beja, nasceu em Santana de Cambas (Mértola), em 1960. Veio para Beja com cinco anos, acompanhando os progenitores, mas, passado um ano, perdeu o pai.

 

“Iniciei a escolaridade em Santana de Cambas mas, a meio do ano letivo, os meus pais vieram para Beja e eu passei a estudar cá. Foi aqui que tive a minha infância, um processo de crescimento normal, naturalmente marcado pela perda do meu pai, e a minha mãe teve que trabalhar para criar quatro filhos”.

 

Jogou futebol, como todos os miúdos fazem, mas informalmente. “Havia um baldio perto da estação rodoviária e nós saíamos da Escola Mário Beirão e fazíamos aqui o nosso campo de futebol, com duas pedras a marcar as balizas, entretínhamos as tardes inteiras”.

 

Mas o hóquei em patins foi a modalidade que lhe fez tocar as campainhas. “Foi o desporto que abracei, que mais gostei, e digo que, se voltasse a ser criança, era a modalidade que eu abraçava novamente”. Francisco Mendes vincou que: “O senhor João Magalhães foi uma referência para mim. Mas não só para mim, para muitos outros jovens que andavam no hóquei. Quando foi criado o Clube de Patinagem de Beja eu estava a jogar no Aljustrelense, por isso, não entrei no leque de fundadores do clube. Mas quando casei, decidi deixar de jogar e assim foi. A minha mulher é de Aljustrel e viemos morar para Beja. Mas o João Magalhães soube que eu tinha saído do Mineiro e andou atrás de mim a convidar-me para ajudar o clube e, em 1995, acedi a fazer parte do Clube de Patinagem de Beja e ainda joguei duas épocas”.

 

A dedicação ao ensino e à partilha das competências que adquiriu, não é de hoje. “Quando terminei a carreira de jogador enveredei pela de treinador. Tirei o meu curso em 1998 e, até hoje, aqui estou. Mas quando jogava no Desportivo, já ensinava miúdos, tenho feito isto uma vida inteira. É isso que gosto de fazer, já passei pelos seniores, mas isso nunca me cativou. Já ensinei a patinar muitas centenas de miúdos, é esta a minha vocação, e tenho pena de não aparecerem mais jovens”.

 

O Francisco Mendes é também ele, já uma referência na modalidade, pelo seu percurso e pelo seu papel de formador. “Sinto-me realizado a desempenhar este papel, é a minha missão, correspondendo a tudo o que o Clube de Patinagem de Beja espera de mim. Saio de casa a meio da tarde e preparo tudo para que, quando os miúdos começarem a chegar, as coisas estejam em condições. Sou o primeiro a entrar no pavilhão e o último a sair. Faço-o com todo o prazer. Mas também sou mecânico de patins, o senhor João Magalhães deixou-me essa herança, aprendi a montar patins a olear rolamentos e a fazer outras coisas, mas sempre com amor ao clube”.

 

Depois, em cada novo patinador fica um amigo. “Ficam amigos para toda a vida, ainda hoje alguns atletas que ensinei e que já são casados e têm filhos contactam-me com frequência a saberem as novidades do clube. Sinto esse reconhecimento. Depois, há outra coisa curiosa, é que, em muitos casos, eu treinei os pais e agora estou a treinar os filhos. Sinto-me orgulhoso por isso. Só tenho pena que outros pais que por aqui passaram, não tragam os seus filhos”, lamentou.

 

Mas deixa um apelo para que pais tragam os miúdos para a patinagem: “Existe mais vida para além do futebol, e toda a gente sabe a projeção e a glória que o hóquei em patins tem dado ao nosso País”, fez notar. Vê-se que esta paixão ainda está muito presente e que muitos meninos e meninas ainda passarão pela sapiência deste mestre.

 

“Não sei até quando cumprirei esta missão, se calhar, será um pouco à semelhança do João Magalhães, que quase morreu cá dentro. Quero continuar, nem sei se, um dia, aqui terei um neto para ensinar. Sinto-me reconhecido pelas pessoas, sabem que eu dou o meu coração por esta causa e por este clube, tal como dei nos outros emblemas por onde passei”, rematou.

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