Diário do Alentejo

Paulo Fernandes seria o treinador do União Serpense Futebol Clube

08 de outubro 2022 - 14:00
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

O conimbricense Paulo Fernandes, 48 anos, chegou a Serpa antes da presente época desportiva se iniciar, a convite de Alfredo Mestre, presidente do União Serpense Futebol Clube. Seria o treinador da equipa que se preparava para disputar o Campeonato Distrital da 1.ª Divisão.

 

Texto Firmino Paixão

 

O dia 18 de setembro, foi, no entanto, fatídico. Após algumas promessas do diretor desportivo, o brasileiro Djalma Luiz Galhardi, de que tudo estaria a processar-se com normalidade, perceberam que não estavam inscritos na Federação Portuguesa de Futebol e que aquele responsável tinha fugido com os fundos que lhe tinham sido confiados para o fazer.

 

Dos 20 atletas que compunham o plantel, dois já regressaram ao Brasil, os restantes estão remetidos ao silêncio, por imposição da causídica brasileira Alessandra de Camargo.

 

Paulo Fernandes, técnico que os vai treinando diariamente, dá a cara pelo grupo, mas lamenta a falta de apoio da Associação de Futebol de Beja e da Câmara Municipal de Serpa.

 

Está a viver uma situação insólita. Foi contratado para treinar uma equipa que não existe, num clube que fechou as portas...

Foi a primeira vez que me aconteceu e de uma forma estranha. Tudo começou, aparentemente, com o roubo feito pelo diretor desportivo do clube, que foi embora com o pouco dinheiro que existia e que se destinava às inscrições dos jogadores. Ele foi-se embora no dia 18 de setembro, quando já não tínhamos tempo para fazer o que quer que fosse. Tentámos, perante a Associação de Futebol de Beja, a quem expusemos o caso, que nos ajudassem. Tentámos também junto da Câmara Municipal de Serpa, mas ninguém nos ajudou.

 

Chegou no início desta época desportiva. Contratado por quem?

Comprometi-me com o presidente do clube, o senhor Alfredo Mestre, pessoa que já conheço há cerca de dois ou três anos. Não tenho qualquer contrato assinado, foi um compromisso verbal e continuo aqui porque não queria abandonar os jogadores ou deixá-los sem treinar, porque são quase 20 jogadores que estão sem atividade, por culpa alheia. Mas sempre pensei que vivêssemos num país em que, perante uma situação destas, todas as entidades ajudassem, ou que a AFBeja nos tivesse adiado os primeiros jogos, para nos dar algum tempo. Isso não foi feito. Sinto-me revoltado.

 

O que o faz permanecer em Serpa é essa solidariedade para com os atletas?

Sim, enquanto os jogadores estiverem aqui e não existir uma solução para eles, eu estarei cá. Como profissional que sou, não posso virar as costas aos jogadores, tão pouco ao senhor Alfredo que, afinal, acabou por ser vítima de uma pessoa em quem confiava, o diretor desportivo do clube. Tínhamos tudo para competir, iríamos fazer uma época muito boa e o futuro de alguns jogadores, com muita qualidade, está hipotecado. Estão ali 18 jogadores, porque dois já regressaram ao Brasil, fechados aqui dentro de uma casa, onde fazem apenas os treinos diários que lhes oriento.

 

O presidente do clube sente-se enganado. Também tem esse  sentimento?

Sentimo-nos todos enganados. Vivemos uma situação traumática e muito difícil de digerir. A seguir, quando pensávamos que teríamos o apoio de alguém, do município ou da associação, que nos ajudassem a resolver a situação, ninguém o fez e ficámos completamente sozinhos, completamente abandonados. As entidades que gerem o futebol podiam, e deviam, ter feito mais. É mais um clube que acaba no Alentejo, região onde não existem assim tantos. E este era um projeto diferente. Sentimo-nos todos um pouco em baixo.

 

Afirmou que tem ouvido e lido coisas que não correspondem à verdade. Quais são essas inverdades?

Olhe, o facto de a Câmara Municipal de Serpa dizer que não tem conhecimento da situação é algo completamente bizarro, quando eu próprio falei com o senhor vereador Carlos Alves e foi-nos negado, taxativamente, qualquer tipo de ajuda. Todos os dias está no campo de futebol o responsável do município pela área desportiva, pessoa que tem perfeito conhecimento da nossa situação. Além de eu ter estado pessoalmente na câmara, também dispensámos a cedência do autocarro, revelando os motivos.

 

Os jogadores apresentaram queixa na Guarda Nacional Republicana e no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Acompanhou-os nessas diligências?

Acompanhei, mas não fui ouvido. Era para o ser, mas já tinham sido ouvidos tantos que me dispensaram e ficaram apenas com o meu contacto. Mas o importante era ouvir o que os jogadores tinham a dizer, comprovando que eles e o clube foram claramente lesados. Depois disso, deviam ter-se aberto outras portas, que nos pudessem dar algum tempo para nos reorganizarmos e pudéssemos competir, que era o que todos os jogadores desejavam.

 

Vê, no horizonte, alguma solução para este problema?

Ainda tinha esperança que a AFBeja e a Federação Portuguesa de Futebol tomassem uma posição, mas não se ouviu ninguém.Foram decisões tomadas por terceiros, e é isso que me entristece mais, não terem decidido adiar alguns jogos, para nos dar tempo a reorganizar-nos. Não é só o campeonato que está em causa, são os jogadores, que ficam inativos. O Castrense não aceitou adiar o jogo, o Cuba também não. Estamos, literalmente, fora do campeonato, já estamos desclassificados.

 

As suas queixas são, principalmente, do Município de Serpa e da Associação de Futebol de Beja?

Sim, claramente. A Associação não nos deu nenhuma ajuda. Adiando os primeiros jogos, ou apelando ao bom senso dos outros clubes, para que aceitassem adiar as partidas. Quando nos dirigimos à Câmara de Serpa, até por causa da alimentação dos jogadores, também não tivemos qualquer tipo de ajuda.

 

Como é que os jogadores estão a sobreviver?

Neste momento, o presidente do clube disponibiliza a alimentação. Não tem faltado nada aos jogadores. Os atletas têm sublinhado isso todos os dias, mesmo quando estiveram no SEF, contudo, não se sabe por quanto tempo o senhor Alfredo Mestre conseguirá manter uma situação destas, porque é muita gente. Mas, até ao momento, têm o que precisam para o seu dia-a-dia.

 

Espera ser ressarcido dos valores devidos por tempo de permanência no Alentejo?

Nós esperamos sempre. No mínimo isso, não é? Embora eu, no momento em que o clube acabou, tenha dito ao presidente que ficava. Não virarei as costas aos jogadores, enquanto a situação deles não estiver resolvida. Manter-me-ei por aqui, porque nós somos humanos e não podemos virar as costas uns aos outros. Nunca faria isso.

 

SEF SINALIZA SEIS VÍTIMAS 

A propósito do caso que se abateu sobre o União Serpense, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em comunicado, revelou ter sinalizado, em Serpa, “seis cidadãos estrangeiros como vítimas de tráfico de seres humanos, recrutados no continente sul-americano para jogarem num clube de futebol daquela localidade”.

 

O SEF adiantou, ainda, ter inquirido os seis cidadãos, “a quem havia sido garantida a inscrição na Federação Portuguesa de Futebol para competir no campeonato da primeira divisão distrital, o que não chegou a concretizar-se”.

 

Os atletas adiantaram, também, que lhes foram prometidas condições remuneratórias, “que não foram cumpridas, e exigido o adiantamento de avultadas quantias, alegadamente, para o pagamento de taxas administrativas, que nunca chegaram a ser devolvidas”.

 

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