Diário do Alentejo

BVB Judo, a família em volta do tapete

30 de março 2022 - 14:00

A associação BVB Judo conquistou recentemente mais um título nacional na categoria de cadetes, tendo agora um total de três.

 

Texto Ana Filipa Sousa De Sousa

 

Com o eco do som dos colchões como pano de fundo e com o kimono azul-escuro vestido, o mestre João Trincalhetas conduziu o “Diário o Alentejo” por uma viagem à “família” que fundou em 2015, o BVB Judo, em conjunto com José Miguel Ameixa. Desde a sua formação, além das diferentes distinções a nível regional, o clube conta agora com três subidas ao pódio em campeonatos nacionais, a mais recente no passado dia 19 de fevereiro, no Campeonato Nacional de Cadetes.

 

“Tivemos em 2016 um primeiro lugar em juvenis, o ano passado um terceiro lugar também na mesma categoria e agora tivemos a vice-campeã Cristina Silva como cadete. Estes resultados são um orgulho para nós enquanto clube e, principalmente, enquanto bejenses, porque, a nível nacional, não tenho conhecimento de clubes na cidade que tenham tido reconhecimentos semelhantes nos últimos10 anos”, conta, com um sorriso, o cinturão negro, João Trincalhetas.

 

A disciplina, a autoestima, o respeito e a exigência são algumas das peças-chave que cada criança ou jovem do BVB Judo levam consigo ao subir a um tapete ou a um pódio. Contudo, o principal deste puzzle está na união e familiaridade que se criam nas várias horas de treino e em cada competição.

 

“Não é possível descrever em apenas três palavras o judo, para mim uma palavra vale por as três: família. Ao entrarmos para o BVB Judo, além de amigos, somos sobretudo uma família, somos unidos e apoiamo-nos imenso uns aos outros, tanto nas vitórias, como nas derrotas”, revela a jovem de 15 anos, Cristina Silva.

 

A viagem que a associação tem percorrido nos últimos anos tem sido “uma história bonita e de superação” para o mestre de 47 anos, pelos três protocolos verbais que possui com a Casa Pia, com o Centro de Acolhimento Temporário Buganvília e com a Fundação Manuel Gerardo de Sousa e Castro, que abrigam crianças e jovens em situações vulneráveis. “Nós, eu e o mestre José Ameixa, vínhamos de um clube que não tinha, nem abertura, nem sensibilidade para este tipo de situações e, quando formámos o clube, a primeira coisa que pensámos foi que tínhamos de ir buscar aqueles miúdos, porque eles tinham exatamente os mesmos direitos que os outros e se não fossemos nós a ir ter com eles, não seriam eles que viriam ter connosco e por isso nunca chegariam a praticar judo na vida”, confessa.

 

Para João Trincalhetas, o “caso da Cristina, que está na fundação, é um motivo de orgulho para nós, porque, tal como os outros miúdos [de instituições] que estão em situações difíceis, quando chegam aqui e são tratados exatamente da mesma forma, sentem-se família e muitas vezes acabam por superam-se a si próprios” alcançando medalhas e pódios.

 

Para o BVB Judo o cinturão mais importante e a tribuna mais desejável de alcançar é fazer com que cada criança que entre na associação cresça com os seus ideais e com os princípios desta arte marcial. Que, além da prática de um “desporto extremamente exigente a nível físico e mental”, se aprenda através da competição saudável, porque esta “faz parte da formação e a própria vida é também ela uma competição, na escola, no trabalho, nas atividades sociais”, acrescenta o judoca e mestre, Nuno Filhó, de 42 anos. Este pensamento competitivo inicia-se desde os escalões mais novos, onde os “exercícios vão sendo cada vez mais difíceis” técnica e fisicamente, existindo uma “evolução natural do atleta”.

 

Os campeonatos nacionais são a prova “máxima” para a qual os três escalões da associação mais trabalham, sem nunca deixarem para trás as competições regionais. Os juvenis, que agrupam jovens com 13 e 14 anos, os cadetes, com faixas etárias entre os 15 e os 17 anos, e os juniores, com jovens adultos dos 18 aos 20 anos. O ciclo de treino de preparação é contínuo e “duro” até à última semana antes dos torneios, onde existe uma contenção física e um aprimorar de técnicas de forma a evitar lesões. Outro aspeto muito significativo para os atletas é a nutrição, uma vez que a modalidade funciona tendo como base o peso dos judocas. “O judo é por pesos e tudo roda em torno da estrutura física de cada um e, por vezes, há muitos atletas que trabalham nutricionalmente para perder peso. Por exemplo, um judoca que entre numa categoria de menos de 50kg, pode ter, até quatro dias antes da competição, 52kg. Contudo, ele sabe que terá de perder esses 2kg até lá”, explica o fundador do clube, que pratica a modalidade há 39 anos. Ainda assim, realça que “não pode haver exageros, são crianças e jovens que estão a crescer” e o equilíbrio é fundamental.

 

Com uma competição vêm consequentemente os resultados, negativos e positivos, onde o papel dos treinadores é imprescindível. O BVB Judo ruma a qualquer prova com um objetivo bem traçado para cada atleta, sem “loucuras”, mas definido. No entanto, nem sempre os dias são de glória e o não alcançar de uma meta depende de inúmeros fatores: sorteios desfavoráveis, estado de espírito, nervos que ultrapassam a vontade e, inclusive, falta de empenho. “Normalmente, nós, enquanto treinadores, o que exigimos sempre deles é que, naquele dia, naquela prova, têm de dar o seu melhor. Se correr mal por qualquer motivo alheio, nós estamos cá para melhorar, agora, se correr mal porque eles não fizeram o que deviam ter feito, é chato e aí somos duros. Mas, eles entendem-nos perfeitamente aqui no clube e sabem exatamente para o que vão, não vão às escuras”, sublinha. Contrariamente, quando todos os fatores estão alinhados, a superação, o esforço e o trabalho são recompensados com vitórias. “Quando eles chegam e excedem-se a eles próprios, nós saímos supercontentes. O segundo lugar da Cristina Silva é um exemplo disso: nós tínhamos um objetivo muito claro para ela, que seria ganhar uma medalha nacional, e ela conseguiu alcançá-lo”.

 

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CRISTINA SILVA VICE-CAMPEÃ NACIONAL EM CADETES

A atleta de 15 anos do clube BVB Beja, Cristina Silva, sagrou-se vice-campeã nacional na categoria mais 70kg em cadetes, há cerca de um mês, em Cernache, no distrito de Coimbra. Os treinos, o aperfeiçoamento de técnicas e a calma que manteve no tapete foram os elementos chaves que a levaram a subir ao pódio.

 

 “Há uns anos, o subir ao pódio, em questões nacionais, não estava nos meus objetivos, estive uns anos sem competir e esse objetivo só começou a ser real o ano passado. Agora só já quero atingir o título de campeã nacional e ser mestre de judo”, conta ao “DA”, a jovem que pratica judo há sete anos.

 

De momento, enquanto se prepara para novas competições, resta-lhe tentar explicar por palavras a quem nunca esteve naquele tapete a sensação “extraordinária” de ver o seu esforço recompensado e o orgulho daqueles que a acompanham. Despede-se do “DA” com a certeza de que “ninguém vai conseguir sentir o que estou a dizer por mais que eu explique por mil palavras diferentes”.

 

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