Diário do Alentejo

Perfil de Francisco Romão. A paixão pelo ciclismo

14 de junho 2021 - 17:10

Texto Firmino Paixão

 

Francisco Romão, ciclista ‘master’, nasceu em Nossa Senhora de Machede, uma freguesia do município de Évora, em finais do mês de fevereiro de 1958. A sua devoção pelo ciclismo, a persistência com que, ao longo da vida, tem divulgado a modalidade que muito novo o cativou, com a partilha de ensinamentos e participação em provas desportivas por todo o país, fê-lo merecer o Prémio Carreira com que recentemente foi distinguido pela Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (Cimac), na 14.ª Gala do Desporto do Alentejo Central, realizada na vila de Portel. O seu empenho, dedicação e resultados alcançados nesta modalidade justificaram plenamente a atribuição.

 

Francisco Romão, hoje com 63 anos, mas ainda com silhueta marcadamente velocipédica, recorda a sua infância: “Com aquilo que possuía na altura, fui feliz”. Lembra que “não tínhamos, nem exigíamos muito. Nesse tempo tudo servia para brincar, desde o simples carro de linhas, uma lata de conserva de peixe, as caricas, um pião, o jogo do prego, os berlindes e outras coisas perfeitamente insignificantes. Nessa altura, só existiam três televisões em Machede, uma na Casa do Povo e duas em cafés. Não tínhamos telefone em casa e quem tivesse um rádio era rei”.

 

O seu percurso académico foi levado até à sexta classe, o que “já foi muito bom”, comenta. “Nessa época, emigrei para França com os meus pais e fiquei com sexta classe incompleta, que viria a finalizar já em terras francesas”. O sonho profissional era a mecânica automóvel, algo que a emigração condicionou. Ainda assim, conseguiu tornar-se motorista de pesados e manobrador de máquinas. Sempre sobre rodas. Mas o “bichinho” pelo ciclismo manteve-se, acompanhando-o além-fronteiras. “O ciclismo em França era uma loucura, porta sim, porta sim, havia um ciclista… era uma modalidade rainha. Consegui federar-me, aos 14 anos, para correr, no escalão de cadetes, pela equipa local, o CC de Corbie, no norte de França”.

 

Francisco Romão elege esse momento como tendo sido de “uma grande aprendizagem”. E explica: “Dois anos depois consegui a minha primeira vitória num circuito local. Foi uma loucura, nem sabia que havia tantos emigrantes portuguesas naquela vila”. Entretanto, regressou a Portugal. Nada sabendo sobre o ciclismo da altura na região alentejana, foi praticar atletismo, mas sempre com o pensamento nas bicicletas. Um belo dia, ao ler um diário eborense, soube que a Fundação Inatel iria organizar, em Estremoz, um circuito para ciclistas populares: “Faltavam 15 dias, fui logo comprar uma bicicleta, nem tinha sapatos, fui de ténis rígidos, ia completamente ‘às cegas’, mas como era um circuito não precisava de ‘endurance’ e lá fui. Houve muitas quedas, fiquei com medo, mas fui-me safando e fui oitavo na classificação geral”.

 

O “bichinho”, que estava adormecido, despertou. “Vi um senhor muito alto, de nome Arnaldo Amaral, vir direito a mim, perguntar-me se eu estava interessado em ir correr para o Atlético Sport Clube, de Reguengos de Monsaraz. Não hesitei um segundo, claro, e foi assim… não mais parei até aos dias de hoje”.

 

Começou a competir com mais regularidade até chegar à saudosa Volta à Margem Esquerda, organizada pelos municípios do Baixo Alentejo daquela margem do Guadiana. Francisco Romão foi ganhando valor e notoriedade, fez algumas manchetes no jornal “O Ás”, semanário desportivo que, na altura, era editado por Delmiro Palma: “Ainda tenho comigo jornais dessa época, principalmente da Corrida da Paz, em Mértola, que terminei em segundo lugar, isolado, com Joaquim Torres [a competir pela] Toyota/Zona Azul e eu pela Rupi/Redondo. Naquela altura corri com nomes que viriam a ser profissionais, como o António Apolo, o Francisco Carvalho, entre outros. Belos tempos”.

 

Tempos dos quais Francisco Romão (e todos nós) sente alguma saudade, porque a Volta à Margem Esquerda foi uma corrida marcante. “Além da sua excelente organização, era uma prova que, para nós, era a nossa volta, tinha seis etapas em três dias, tendo reunido atletas que, mais tarde, foram grandes profissionais, como nosso grande Orlando Rodrigues e o Francisco Carvalho, entre outros, e por tudo isso deixou saudades”, recorda o atleta que garante que, sendo amador, sempre levou os treinos “a sério”, tal como as corridas: “Tudo o que era ciclismo era para cumprir. Nunca fui profissional, embora tenha recebido um convite, mas o salário era igual ao do trabalho… depois, fazia uma época e lá se ia o emprego”.

 

Outra das suas qualidades é o humanismo. “Tenho amigos do norte ao sul do País, tudo gente do ciclismo, fui campeão em Bragança, em Vila Real, em Loulé, só isto diz tudo. Se pudesse voltar atrás, faria tudo de novo. Quando se gosta do que faz é para sempre”. O momento que considera relevante na sua carreira, pela invulgaridade, aconteceu em Reguengos de Monsaraz, quando subiu ao pódio com o filho: “Ele ganhou e eu fiquei em terceiro lugar. Foi, sem dúvida, muito marcante”.

 

Sempre são 39 anos a competir, um incontável número de provas, mas o que conseguiu enche-o de orgulho: “18 pódios em campeonatos, com três títulos de campeão: ‘master’ 30, 40 e 50. Só falta o título de ‘master’ 60, vamos ver, esse é um objetivo”. E depois? “Depois, de uma forma mais descontraída, ir desligando, mas a pedalar”. O Prémio de Carreira recebido na Gala da Cimac, confessa, “foi uma grande surpresa, foi o reconhecimento por aquilo que já fiz como ciclista”. A distinção não lhe altera o caráter, nem a postura. “Continuarei a ser o mesmo”, assegura. “Gostaria, sim, de poder ajudar mais a juventude, mas onde é que eles andam?” – interroga. Francisco Romão voltará, certamente, ao Baixo Alentejo para disputar o Grande Prémio de Castro Verde, com a atual camisola, a União Ciclista do Alentejo (UCA) mas, para trás, ficaram muitas glórias, mais ou menos sofridas, com as camisolas de outros clubes que já representou e que foram bastantes.

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