Diário do Alentejo

“Uma coisa é a ambição, outra coisa é a realidade”

19 de abril 2021 - 10:35

As derrotas ou as vitórias não se podem sobrepor à dignidade das pessoas. É esta a mensagem do empresário Luís Jacob, presidente do Moura Atlético Clube, no final de uma época que o dirigente considerou dolorosa para os mourenses, que acabaram despromovidos aos distritais.

 

Texto Firmino Paixão

 

Um planeamento desportivo destruído por uma pandemia que, em dois momentos, afetou o plantel, pela interdição do relvado que obrigou a alterações de calendário e pela qualidade de um plantel que não rendeu aquilo que era expectável, causas de uma época de inesperado insucesso que o dirigente aqui explica, assumindo as culpas, mas sem culpar outrem.

 

Passou algumas noites sem dormir por causa desta época mal conseguida?

 

Passei muitas noites sem dormir, procurando explicações para o que nos aconteceu. E aconteceram muitas coisas menos boas. Não gosto de desculpas, mas aconteceram muitas coisas que condicionaram o nosso desempenho desportivo. Não o nosso desempenho enquanto clube, porque eu tentei que isso não atingisse o clube, e continuarei a tentar, mesmo depois de o campeonato ter acabado. Tenho mais dois meses pela frente para cumprir os objetivos a que nos propusemos em termos de clube, mas desportivamente ninguém imaginava isto. Aconteceu-nos de tudo e não são desculpas, como muita gente pode interpretar.

 

Nunca pensou desistir, quis sempre concluir o seu mandato?

 

Há uns meses, quando falámos pela última vez, eu tinha-lhe dito claramente que nunca tinha pensado desistir mas, nos últimos dois meses, passou-me muitas vezes essa ideia pela cabeça. Foram dois meses tão difíceis, com dificuldades que só eu sei avaliar, mais ninguém sabe o que passei para aguentar isto. Temos que perceber que isto não é só futebol, nos últimos três meses o país esteve quase parado. Os clubes são suportados com os protocolos com as autarquias, os parceiros e os patrocinadores e as empresas, que têm estado fechadas. Onde é que vamos angariar apoios financeiros? A receita do clube tem sido nula e os últimos tempos foram dolorosos.

 

A pandemia não foi a única culpada deste insucesso?

 

Sem querer arranjar desculpas, direi que a pandemia foi, se calhar, culpada em 70 por cento. Quando várias coisas acontecem ao mesmo tempo torna-se difícil, até pela instabilidade que isso provoca nas pessoas e, por muito que queiramos fazer as coisas bem, não conseguimos. Toda a gente que participou neste processo tem um bocadinho de culpa e eu, se calhar, terei a culpa maior, mas existem momentos na vida em que as coisas são assim e só temos que as aceitar.

 

O ‘míster’ Bruno Ribeiro afirmou que não construiu o plantel. Quem fez essas escolhas?

 

O Bruno Ribeiro chegou uma semana depois de o plantel estar construído. A constituição do plantel começou com o Pedro Duarte, mas eu não atribuo culpas a ninguém, as culpas são de quem dirige, tenho essa capacidade para assumir o bom e o mau. Quando as coisas correm bem não me coroam, quando correm mal também não quero coroas. Quero, simplesmente, dar o peito às balas, assumir a realidade. O plantel foi construído por nós, por quem realmente participa na vida do clube. Mas houve muitas limitações, tínhamos jogadores contratados que não conseguiram vistos para poderem voar, por causa da covid-19, outros com quem tínhamos compromissos e que foram desviados por outros clubes, com a oferta de mais dinheiro. E nós, pouco a pouco, fomos construindo um plantel que pensávamos capaz de fazer face às dificuldades do campeonato.

 

Que peso têm os empresários e as empresas de agenciamento de jogadores num clube como o Moura?

 

Não têm muito peso. Não gosto que, neste momento, o clube dependa de ninguém. Um dia pode acontecer, mas agora não. O que acontece é que temos limitações financeiras e eu sempre disse que, se algum dia tiver que escolher entre o sucesso desportivo e a estabilidade financeira do clube, escolherei sempre o sucesso financeiro do Moura. Para mim não existe nada acima do clube. E eu tive que escolher entre gastar 12 mil euros no relvado ou 12 mil euros no reforço da equipa. Optámos pelo relvado, porque tem sido a imagem do clube ao longo dos anos.

 

A vida continua, é essa a mensagem?

 

Repare que a diferença entre perder e ganhar é apenas uma linha, o futebol é isso e temos que perceber as coisas. Se calhar, daqui a dois ou três meses estaremos a construir um plantel novo, com outros sonhos. O importante é termos força e capacidade e pedirmos a Deus que acabe com esta pandemia porque, sem querer usar isso como desculpa, precisamos de voltar à normalidade para podermos trabalhar, fazer as nossas escolhas, ajudarmos o clube. Este ano andámos sempre a correr atrás do prejuízo, mas em nenhum momento eu deixei de estar a tempo inteiro dentro deste clube e ainda tenho mais dois meses pela frente para eliminar aquelas “pontinhas” de que não gosto, porque hoje o Moura é um clube certificado e está preparado para jogar até na III Liga, porque tem tudo organizado. Nunca deixámos nada para trás.

 

São estas explicações que a direção dará aos associados, numa próxima assembleia geral?

 

Tenho a sensação que os sócios têm confiado sempre em mim, e nesta direção, ao longo destes anos, e sabem perfeitamente que faço o melhor possível por este clube. Estou aqui par servir o Moura e tenho sempre no meu horizonte a ideia de que ninguém está acima do clube e, para mim, não existem lóbis. Os sócios, normalmente, nunca pedem explicações, mas eu faço sempre questão de [nas entrevistas] explicar as coisas, porque o clube é dos sócios, é dos simpatizantes e é da cidade. Que ninguém tenha dúvidas disso.

 

Tinha dito que, se o Moura descesse, logo haveria de subir. Já está a trabalhar no sucesso da próxima época desportiva?

 

Ainda subsistem muitas dúvidas quanto às despromoções. Vamos ver. Pode existir uma luz ao fundo do túnel. Temos que aguardar, mas o que temos certo é o campeonato distrital. Não vale a pena sonharmos com outras coisas. Temos que perceber que estamos no meio de uma pandemia. Os clubes não vivem sem os parceiros. É preciso termos os pés bem assentes na terra. Uma coisa é a ambição, outra coisa é a realidade e eu sou adepto do equilíbrio e da estabilidade. Somos sempre candidatos à subida, mas é importante, para mim, manter o clube vivo, saudável e aberto, até conseguirmos passar esta ponte para o futuro. O perder ou o ganhar não se pode sobrepor à dignidade das pessoas. O nosso caminho não é esse!

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