Diário do Alentejo

Manuel Custódio: "Somos elementos de união e não de fratura”

17 de janeiro 2021 - 14:50

Texto Firmino Paixão

 

Um pensamento, uma promessa, talvez até um código de valores, a que se vincula o novo presidente do Conselho Regional de Arbitragem da Associação de Futebol de Beja, Manuel Custódio, nasceu na aldeia de Trindade, há 62 anos, “no seio de uma família humilde”, sendo o mais velho de quatro irmãos, e recordando que “tal como os meninos da minha idade, tive uma infância feliz, com pouca coisa, porque os tempos eram difíceis e o grau de exigência era muito pequeno, mas éramos felizes, com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”.

 

O futebol foi uma paixão de infância. Contou o novo dirigente da arbitragem que “desde que existisse uma bola, mesmo muito remendada, corríamos atrás dela e transformávamo-nos no Eusébio, Simões, Hilário e Figueiredo, que eram os nossos ídolos da época”. Não esquece que, ainda garoto de palmo e meio, ia para a taberna do Tio Zé Leocádio ouvir, através da telefonia, os relatos dos jogos de Portugal, no Campeonato do Mundo de 1966, e revela que “era um apaixonado das coleções de cromos da bola, conhecia os jogadores todos sem lhes ver o nome”.

 

Cresceu, veio estudar para Beja e aqui encetou uma carreira desportiva, com treinos no campo do Seminário ou no Flávio dos Santos, mas sempre condicionados pelo horário da “camioneta da carreira” que o levava de regresso à aldeia. Mais tarde, após o 25 de Abril, viveu uns tempos na casa de uns tios, no concelho do Seixal, onde rapidamente fez amigos que gostavam de futebol. “Fui com eles para os juvenis do Paio Pires, treinados pelo ‘velho’ Albano, uma referência dos ‘5 Violinos’”. A uma queda da bicicleta, com uma fratura da clavícula, sucedeu o regresso à terra natal, onde jogou pela Trindade e em Albernoa, com uma nova contrariedade que foi uma fratura numa perna, num jogo disputado no Bairro da Conceição. O fim da carreira estava sentenciado. “Tudo isso foi a mola real para a minha entrada na arbitragem, contudo, já estava com 29 anos”.

 

Uma bela tarde, Manuel Custódio estava em Albernoa para assistir a um jogo do Inatel, ao qual não compareceu o árbitro e aceitou o convite para o dirigir: “Consegui fazê-lo com sucesso, porque as duas equipas ficaram satisfeitas”. No âmbito da sua atividade de bancário, em Castro Verde, acabou por conhecer Mário Alves, à época líder da arbitragem bejense, que o convidou para frequentar um curso de árbitros que estava prestes a iniciar-se. E pronto, fez-se árbitro de futebol, função em que recorda ter tido como companheiros António Paulino, José Gabriel (seu irmão), António Cavaco, Carlos Vidonho e Luís Anjos. Considerando a idade em que iniciou a atividade na arbitragem, dificilmente poderia atingir outros patamares, por isso, aos 42 anos “pendurou” o apito. A ligação à arbitragem porém, não ficou por ali. “Uns meses depois liderei uma comissão de gestão da arbitragem regional, após a demissão do Conselho de Arbitragem da altura. Esteve previsto formar uma lista para ir a eleições, algo que não se concretizou por ter existido ingerência na composição da mesma, o que eu não aceitei”.

 

Em 2003 qualificou-se para desempenhar a função de observador técnico, lugar em que se manteve durante 17 épocas (quatro na Associação de Futebol de Beja e 13 na Federação Portuguesa de Futebol), tendo pedido a suspensão, no dia 5 de dezembro último, quando se iniciou o processo eleitoral para os novos órgãos sociais da AFBeja.

 

Com a sua recente eleição para a presidência do Conselho de Arbitragem, a convite de Pedro Xavier, pode afirmar-se que a arbitragem bejense volta ao domínio dos árbitros, mas Manuel Custódio não quer ir por aí, justificando que “nos anteriores conselhos, era tudo bons amigos da arbitragem mas que não exerceram a atividade; nunca estiveram de costas voltadas para os árbitros, nem estes para eles, empenhando-se todos e dando o seu melhor”. Contudo, prossegue, “percebo o espírito da questão, é que passou a ser um ex-árbitro o presidente após tantos anos e tantos mandatos sem o ser. Nessa medida, eu direi que sim”, que a arbitragem voltou ao domínio dos árbitros.

 

O novo conselho, que tomou posse no passado dia 5 de janeiro, é formado por sete conselheiros. “Todos eles foram escolhas da minha total responsabilidade”, garantiu o presidente Manuel Custódio, assegurando que a sua eleição foi consensual pois “não tenho dúvidas de que somos todos elementos de união e não de fratura”, prometendo para breve, assim a crise sanitária o permita, uma conversa de olhos nos olhos, com os árbitros filiados. “Não tenho dúvidas de que, cada um nas suas funções, estamos todos no mesmo barco e imbuídos de um espírito responsável e de partilha”.

 

Questionado sobre o que mudará na arbitragem regional, Manuel Custódio acentuou que “muitas vezes mudar não é sinónimo de melhorar, contudo é óbvio que a minha equipa, inicialmente, vai analisar em profundidade o quadro de árbitros e observadores que temos, recuperar alguns dos que tiraram o curso nos últimos tempos e não estão a atuar, fazendo regressar outros que, por este ou aquele motivo, se afastaram”. Por outro lado, as grandes linhas de atuação irão passar por “ajudar e acompanhar a progressão dos árbitros de forma a progredirem nos quadros da Federação e possibilitar a chegada de outros a esses patamares”. Quer também desenvolver iniciativas para “formar mais árbitros, recorrendo às escolas com turmas de desporto e aos clubes com equipas de juniores” e constituir “um quadro de árbitros e observadores para fazer face às necessidades das competições quando as mesmas estiverem todas em atividade”.

 

Sobre a frequente contestação dos clubes aos critérios de nomeação dos árbitros, Manuel Custódio foi claro: “Os clubes já têm muito para fazer dentro das suas portas, que é gerir e aperfeiçoar a qualidade de muitos miúdos que têm nas suas fileiras, certamente que estão muito mais preocupados em colocar os melhores e mais competentes a jogar do que a nomear o árbitro que os irá apitar”.

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