Diário do Alentejo

Hugo Guerreiro: "Início dos distritais deveria ter sido adiado"

22 de novembro 2020 - 21:00

As polémicas que a pandemia de covid-19 trouxe para o futebol distrital, a posição dos jogadores e a necessidade de lhe dar voz nestes processos, são questões abordadas numa conversa com Hugo Miguel Guerreiro, um dos cinco eleitos nacionais a representarem os futebolistas amadores.

 

Texto Firmino Paixão

 

A Federação Portuguesa de Futebol tem, em todo o território nacional, cinco representantes dos futebolistas amadores. Um deles é o bejense Hugo Guerreiro, 47 anos, o “eterno” capitão do Clube Desportivo de Beja, embora tenha representado inúmeros clubes nesta região. No início do segundo quadriénio nesta função, percebe-se, pela sua postura, que é um homem de consensos, que privilegia o diálogo, algo que, lamenta, nem sempre tem acontecido. Recebeu-nos no Complexo Desportivo Fernando Mamede, não fosse ele o jogador da região que mais vezes pisou aquele relvado.

 

Sente-se mais um representante dos jogadores amadores junto da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ou um delegado deste organismo que está perto dos jogadores?

Prefiro ser visto como um elemento da federação que está perto dos jogadores, embora a minha função, tal como os restantes quatro delegados, é fazer a ponte entre os jogadores amadores e a FPF, cabendo-nos um lugar da assembleia-geral federativa onde temos também direito a voto. A verdade é que nem a FPF, nem as associações regionais, nos dão qualquer tipo de poder, nem sequer tenho qualquer vínculo com a Associação de Futebol de Beja (AFB. O meu compromisso é nacional, embora tenha boas relações com a Associação de Jogadores Amadores, mas reconheço que temos uma representação ínfima nas assembleias. O futebol profissional é preponderante. Infelizmente, para o pequeno e para o pobre sobra sempre pouco.

 

Conhece as divergências que existiram entre alguns clubes do distrito e a AFB a propósito do início do distrital da I Divisão? Qual a opinião do representante dos jogadores amadores?

Acho que se deveria ter posto um travão em algumas situações. Sabia-se que o problema da pandemia iria piorar e, sendo assim, as condições para a prática desportiva não melhorariam. No distrito, temos alguns campos sem condições para serem cumpridas as exigências sanitárias da Direção-Geral da Saúde e, na minha opinião pessoal, não se começava em setembro, começava-se em novembro ou dezembro e em vez de se disputar o campeonato e a taça, excecionalmente, jogava-se apenas o campeonato. Temos poucas equipas; se a prova começasse em dezembro ou janeiro, em junho estaria concluída.

 

Concorda então com a posição desses clubes e acha que a AFB não deveria ter iniciado os campeonatos?

Acho que o início dos campeonatos deveria ter sido retardado mais algum tempo. Esta é a minha opinião pessoal, mas posso dizer-lhe que, ao nível dos jogadores com quem temos falado, tenho sentido que estão tão divididos como os clubes. Temos um grupo na plataforma WhatsApp através da qual dialogamos e vê-se que os mais novos, se calhar sem responsabilidades profissionais, querem é jogar à bola… depois, outros mais maduros, com as suas profissões, com família em casa, que se interrogam sobre o risco de manterem a atividade… não existe uma opinião formada, nota-se alguma divisão.

 

Contudo, o Campeonato da II Divisão está a decorrer tranquilamente e sem problemas de saúde que se conheçam?

Pois, e com infraestruturas, se calhar, com menos condições. É um bocado esquisito, porque é que aconteceu esta contestação na I Divisão e não aconteceu na II. Não tenho, de facto, resposta para isso.

 

Quando diz que é esquisito, abre a porta à possibilidade de existir outro motivo que não, apenas, o receio da pandemia?

Também quero acreditar que sim. Não é só o receio da pandemia, poderá existir outro interesse por detrás [desses problemas]. Há clubes com outros investimentos. Mas mantenho a ideia de ser esquisito que os clubes da II Divisão, todas as semanas, treinem e joguem e o campeonato vai prosseguindo e, na I Divisão fazem-se dois e três jogos por semana e, se calhar, vão cair mais duas equipas. Não sei se deveria haver novo sorteio, não sei como será, mas para evitar tudo isso, no meu entendimento, sublinho, devia ter-se esperado mais algum tempo antes de avançar com as provas.

 

No Algarve, Évora e Setúbal os campeonatos decorrem normalmente e sem conflitos de qualquer espécie …

Sim, em Évora quando existe conhecimento de algum surto de infeção param apenas as equipas onde são detetados os problemas e adiam-se os jogos. No Algarve e em Setúbal acontece o mesmo, são situações que tenho acompanhado e sei que decorrem normalmente. Se for detetado um caso de covid-19 a equipa faz o confinamento. Mas aqui… não viria mal nenhum à terra se o início do campeonato fosse adiado e evitava desclassificações e despromoções de clubes que têm algum peso de alguma tradição no futebol regional.

 

Conclui então que a Associação de Futebol de Beja deveria ter sido mais condescendente com a pretensão de meia dúzia de clubes?

No meu entendimento acho que sim, mas também devo ressalvar que não é nada fácil estar na situação deles em que têm que tomar essas decisões. Nós, por fora, decidimos tudo pelo melhor, mas quem está lá dentro depara-se com a necessidade de tomar decisões que são muito difíceis. Deveria ter existido alguma condescendência e evitavam-se as situações que sucederam com o Aldenovense e acontecerão com o Odemirense e com o Milfontes, porque há coisas mais importantes que o futebol e uma delas é a saúde.

 

Mas ouvem-se treinadores de clubes amadores dizerem que se os campeonatos pararem será uma vergonha e, em muitos lugares, joga-se e pede-se público nos campos de futebol. Em que ficamos?

Cá está, se calhar, não querem jogar por não terem público, não podem contar com essas receitas. Vê-se a tristeza que existe nas nossas vilas e aldeias num jogo de futebol sem público. As pessoas podem não querer estar no futebol desta maneira. Por outro lado, devia-se ter ouvido os jogadores, não custa nada ouvir, por exemplo, as opiniões dos capitães de equipa. São tão poucos que não dificultam esse diálogo. Porque os jogadores é que são os intérpretes e ninguém lhe perguntou se queriam jogar, ou não.

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