Diário do Alentejo

Perfil de Ana Paula Inácio: A paixão pelo tiro e pela caça

29 de outubro 2020 - 11:30

Texto Firmino Paixão

 

A empresária Ana Paula Inácio, até há poucos dias presidente do Clube de Caçadores do Baixo Alentejo, coletividade em cujos órgãos sociais ainda se mantém, confessa-se “uma rapariga que não seguiu as tradições de casar e ter filhos, mas de servir a sociedade naquilo que posso e gosto e, assim, as circunstâncias e os tempos o ditaram”. Nasceu em Beja há 44 anos. “Sou da colheita de 76”.

 

Sobre os seus tempos de infância, naturalmente feliz e, com certeza, mimada, lembra as vezes que me sentava ao colo do avô “a carregar cartuchos” e as vezes que se deixava dormir ao colo da avó. Mais tarde, recorda “a quantidade de vezes que ia para a fábrica” com os pais, ali ficando até de madrugada, a ajudar no fabrico dos cartuchos. “Ao sair, e ao olhar para os prédios no caminho para casa, comentava que afinal havia pessoas também acordadas àquela hora. E lá obtinha a resposta de não sermos os únicos a trabalhar até tarde”.

 

Já na adolescência, arquitetava projetos, alimentava sonhos e hoje, à distância de um bom par de anos, tomou consciência do que diz ser a sua versatilidade de então: “Passei pela mecanotecnia, eletrotecnia, costura e saúde, do inglês para o francês, até ao 11º ano a pensar em medicina, no 12º fiz matemática, geografia e filosofia. Enfim, muita indefinição, mas adaptável a tudo. Afinal, entrei em gestão e nunca tinha tido contacto com contabilidade, tive dois meses de explicação e esse foi o início da carteira profissional de técnica oficial de contas)”.

 

Já licenciada e filha de um empresário local, encontrou no seio da família a sua primeira ocupação profissional, aliando a teoria à prática, ao mesmo tempo que que valorizava o seu percurso académico. Ana Paula Inácio nasceu, e cresceu, num ambiente de caça e de caçadores. Não admira que hoje se movimente nesse meio com um certo à vontade e bastante confiança. “Sim, sinto-me em casa”, garante, recordando a primeira vez que disparou uma espingarda. Para partir um prato ou abater uma peça de caça? “Foi na caça! Acho que por ser rapariga, isso aconteceu só quando eu quis, aos 22 anos, depois de ter abatido uma lebre e duas perdizes, numa porta emprestada, quando, ocasionalmente acompanhava o meu pai. A partir daí, corria o ano de 1999, fui logo tratar das licenças”.

 

O tiro, por razões óbvias, é o seu desporto de referência: “Sempre me interessei por diversas áreas, a primeira opção foi a equitação (na GNR). O tiro veio depois, por razões familiares. Mas ainda hoje não me considero praticante, sou apenas uma amadora, no entanto, já tenho uns cinco prémios na prateleira”.

 

A percentagem de mulheres a praticar tiro desportivo é bastante diminuta e Ana Paula Inácio justifica que “tiro está estereotipado para homens, infelizmente, pois, quando atiro, gostava de ter ao meu lado mais concorrentes femininas”. Entretanto, a dirigente começou a “despertar” e a identificar-se com os valores do associativismo. “Logo que ingressei num ambiente empresarial percebi que, juntos, somos mais fortes e que uns dependem dos outros. Lamento pelos que não conseguem visualizar essas sinergias transversais, quer numa associação, num clube ou numa empresa”.

 

Há meia dúzia de anos atrás, chegou à presidência do Clube de Caçadores do Baixo Alentejo (CCBA). “Constitui uma lista para os órgãos sociais com o cuidado de envolver, primeiramente, todos os que cresceram comigo no clube”. Bem-sucedida, ou não, Ana Paula não faz julgamentos em causa própria, mas lembra que “não é fácil fazer uma gestão com poucos recursos e, quando não podemos estar presentes diariamente, os altos e baixos não se atenuam facilmente”. Já quanto a deixar a sua marca no CCBA, foi perentória: “Acho que já a deixei! Até aos dias de hoje não se conhece outra mulher a presidir um clube de tiro nacional”.

 

Uma missão, um apostolado cuja avaliação nem sempre terá sido justa pelos atiradores locais ou pela própria comunidade, mas Ana Paula Inácio deixa isso ao critério e ao julgamento de cada um, argumentando que “é fácil dizer que não está bem, quando não se sabe e/ou não se predispõe a fazer, principalmente, quando o espírito deve ser o mais altruísta possível”.

 

A maior tolerância da mulher e a sua capacidade para gerar consensos em questões difíceis começa a ser um lugar-comum e a dirigente contrapõe: “Não diria isso, porque há homens que não aceitam bem [ver] uma mulher a liderar no seu ambiente, existe ainda um pouco de machismo”.

 

“O ser humano tem uma capacidade enorme de adaptação às circunstâncias”, refere, acrescentando sempre ter visto a mãe tomar decisões “num ambiente masculino, por isso, sempre achei normal… os consensos geram-se com cedências das partes, sejam elas de que género for, é como nos negócios. Já tomei várias decisões difíceis, mas tomo-as depois de as ter ponderado e confiando na minha decisão e no meu instinto”.

 

Gestora de uma empresa familiar e bem alicerçada na experiência do passado, Ana Paula tem, seguramente um quotidiano muito intenso, ainda assim, pelo saber adquirido, deverá sentir-se como peixe na água: “Não! Sinto-me como ‘caçadora no campo’. Atualmente vejo que os meus pais precisam de tranquilidade e estou convicta que tenho uma equipa fantástica, pois se há coisa que não gosto mesmo é pedir/mandar fazer, a iniciativa, o discernimento, a colaboração, o respeito e a disponibilidade, são as peças chave em qualquer local de trabalho. É o que se chama de vestir a camisola”, conclui.

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