“Um dia, após um jogo do Botafogo um ‘cara’ perguntou-me se eu queria vir para Portugal. E eu disse logo que sim. Mandaram-me apanhar o avião, em Recife, para vir para o Portimonense. Sabia lá o que era isso. Cheguei a Lisboa, esperava-me um diretor do clube e o diálogo foi este: Você é o Hilton? - Sou, sim! Ponha ali a mala para irmos para Faro. Respondi: - Não! Eu vim para Portugal, não vou para Faro”.
Texto e Foto Firmino Paixão
Hilton Targino da Silva nasceu, há 71 anos, na cidade de João Pessoa, no estado de Paraíba, território banhado pelas águas do Oceano Atlântico. João Pessoa é o ponto mais oriental do Brasil, e das américas, pelo que os brasileiros dizem ser esta “a cidade onde o sol nasce primeiro”. Oriundo de uma família numerosa, seis irmãos e três irmãs, desde logo se adivinhava uma infância com algumas dificuldades. “Metade deles foi cedo para o Rio de Janeiro porque em João Pessoa não havia trabalho. O meu pai era maquinista do caminho de ferro, a minha mãe estava em casa e eu ainda consegui estudar até ao 9º ano”, lembra Hilton, com saudade, mas com aquele fino humor que desde sempre lhe conhecemos.
O antigo jogador recorda que “não gostava de jogar à bola”. Ainda assim, ia para a praia com outros miúdos, “para fazermos uma ‘pelada’. Quando tinha 17 anos foram buscar-me para jogar numa equipa amadora, depois surgiu logo o Botafogo, onde estive, primeiro à experiência, mas não demorou até assinar contrato como profissional”.
A sua qualidade era inata. Hilton foi sempre mais do que um futebolista, foi um “artista” da bola, um artesão de lances inimagináveis. Mas um futebolista brasileiro tem sempre presente o sonho europeu. E Hilton cumpriu-o. “Sim, primeiro vivi um tempo muito bom em Portimão, não me faltava nada. Os dois clubes que representei, o Portimonense e o Moura, sempre cumpriram os compromissos comigo”.
Ultrapassado o enigma da viagem para Faro, ei-lo a apresentar-se na capital do barlavento algarvio. “Quando chegámos a Portimão, fomos almoçar. No restaurante foi assim: ‘Ói chapa’, você vai comer uma bela comida portuguesa. Eram chocos com tinta, coisa que nunca tinha visto. Eu disse logo: Não como isso. E não comi. Então, deram-me frango assado”. Curiosamente, as camisolas do Botafogo eram tal e qual as do Portimonense, listas verticais, a preto e branco, o que facilitou a adaptação. A “magia” do craque permitiu-lhe fazer exigências. “No dia em que estava para me estrear, disse aos diretores que me ia embora se não pagassem a viagem à minha mulher, para ela ficar comigo”. Assim foi e, passados uns dias, a mulher, Graça, viajou para Portugal e Hilton ainda ficou seis épocas em Portimão, três delas com os algarvios a jogarem na 1ª Divisão.
Na altura surgiram outros convites. “O Boavista queria que eu fosse para lá, o Pedroto mandou buscar-me a Portimão e ainda fiz uma digressão à Venezuela com a equipa do Boavista, mas depois os axadrezados não se entenderam com o Portimonense”, revela. Entretanto, surgiu o interesse do Lusitano de Évora. “Isso foi do pior, os jogadores não se davam uns com os outros e o clube não pagava. Um dia fui suspenso por ter ido à sede do Juventude”. Velhas rivalidades.
Desiludido com a experiência, na época seguinte desce para Olhão, mas o Olhanense também não pagava. “Ainda estão em dívida para comigo. Queria dinheiro para beber um café e não tinha. Eu ia à lota, para os pescadores me darem peixe, mas dizia-lhes que peixe ‘não puxa carroça’ e então pegava no saco que me davam e ia vender esse peixe para poder comprar carne”. Outra escolha infeliz. Era tempo de mudar de rumo. É nessa altura, há 40 anos atrás, corria a época de 1980/1981, que chega a Beja para vestir a camisola do Desportivo.
Hilton Targino conta como foi: “O João Lobo e o Carocinho, diretores do clube, foram a Olhão convidar-me para vir para Beja. Tínhamos aqui uma grande equipa”. Ficou quatro épocas no clube, mas, em Beja, está há 40 anos. A experiência seguinte foi vivida em Moura. “Foi um tempo muito bom. À sexta-feira ia na automotora, mais cedo, para ir ao supermercado do João Fernando, fazer o avio. Foi um tempo muito feliz”.
Hilton não hesita em contar outra das suas deliciosas estórias: “Havia um ‘cara’ que se chamava Capela e era dono de uma sapataria. Quando fomos campeões, eu dei-lhe a minha faixa, ele começou a chorar e disse-me: Obrigado ‘minino’. Aí eu disse, não chore, senhor Capela, é mais um par de sapatos que o senhor me vai dar”. Após três épocas em Moura, voltou a Beja para jogar mais um ano, antes de, já quarentão, terminar a carreira no Alvorada, de Ervidel: “Sim, foi por causa do Ildo, que era o treinador… joguei lá dois meses para o ajudar, eu era a arma secreta”.
“A bola não ‘chorava’, eu, às vezes, escondia-a. Às vezes, tocava na bola para ela subir e dizia - venha cá minha filha. Podia ter ganhado muito dinheiro, mas sempre fui muito humilde”, confessa. Humilde e feliz, gosta de viver em Beja: “As pessoas tratam-me muito bem”.
Já voltou a João Pessoa por duas vezes. “A minha mulher é que foi uma terceira vez, numa viagem oferecida por um amigo, já falecido, o José Abreu. Prometeu à Graça que se lhe saísse dinheiro na lotaria lhe pagava uma viagem ao Brasil. E não é que saiu? E ele cumpriu”.
Quanto à saúde, diz que “hoje vai bem, graças a Deus”. Mas tempos houve em que não foi assim. Recuperou de um acidente vascular cerebral e pediu a reforma. “A pensão é muito pequena, os clubes não me pagavam, nem descontavam para a Segurança Social. Vamos vivendo…”. Hilton tem quatro filhos, a Alexandra, o Roberto e a Natália, todos nascidos no Algarve, e o Tiago, o único que seguiu a carreira do pai, nascido já em Beja. “Tenho imenso orgulho nos meus filhos e na companheira que tenho a meu lado”, remata.