Diário do Alentejo

Carlos Guerreiro: Treinador

19 de agosto 2019 - 08:40

Texto e foto Firmino Paixão

 

"O professor Bexiga Fialho é uma figura marcante para todos nós, seja naquilo em que contribuiu para a nossa formação, enquanto atletas, mas, mais do que isso, enquanto homem. É uma figura a cujo peso e exemplo nunca podemos fugir quando falamos da Zona Azul e, nomeadamente, do andebol. Principalmente, pela responsabilidade que teve na presença de todos nós, uns mais presentes, outros menos, mas os seus valores como pessoa e desportista estão intimamente ligados aos valores do clube”.

 

Uma opinião do treinador Carlos Guerreiro, nascido no bairro das Alcaçarias, na cidade de Beja, há 46 anos, quadro da Empresa Municipal de Águas e Saneamento (EMAS), antigo andebolista da Zona Azul (jogou duas épocas no Vasco da Gama de Vidigueira), treinador há alguns anos a esta parte e responsável pela permanência da equipa sénior, durante três épocas consecutivas, na segunda divisão nacional.

O mister fala do que sente, melhor, também fala do que sabe e defende as suas causas com convicção, não tivesse ele o sonho de cursar Direito, área que frequentou durante um semestre, em horário pós-laboral. Mas o andebol falou mais alto. No entanto, imagine-se, começou pelo futebol, como quase todos os jovens da sua época. “Joguei dois anos no Desportivo de Beja, com o professor Manuel Fonseca que, para além de ser um olheiro na Escola Mário Beirão [que o Carlos frequentava], tinha família perto da minha residência. Não resisti ao seu apelo e acabei por jogar futebol dois anos”.

Residindo na área de influência da Zona Azul, as Alcaçarias, o estranho era ter escapado das malhas daquele emblema. “Um dia, tinha uns 12 anos, fui experimentar o andebol. Acontecia com todos os jovens que por ali moravam. Tinha muitos amigos já a jogar, íamos sempre ver os jogos e experimentei. Fiquei e nunca mais larguei. Senti logo que tinha algum jeito, comecei de imediato a jogar. O andebol tem realmente aquela atração do golo, qualquer miúdo vai experimentar e facilmente faz um golo. No futebol, normalmente, não existe essa sensação, esse prazer de marcar um golo, de contribuir com qualquer coisa para a equipa, que nos dá logo aquele bem-estar imediato”.

O futebol ficou de lado, o pior é que sempre que encontrava Manuel Fonseca ele tentava resgatá-lo ao andebol. Já era tarde. “Joguei sempre no escalão acima, tive um grande apoio do professor Bexiga Fialho. As seleções distritais tinham uma dinâmica muito importante, comecei a ser chamado às seleções, mais tarde tive duas chamadas às seleções nacionais e, a partir daí, o andebol passou a ser aquilo que eu queria, a minha paixão. Já lá vão 34 anos de ligação à modalidade”.

Carlos Guerreiro jogou quase sempre na Zona Azul. “Senti sempre uma grande cumplicidade com o clube. Acho que me passaram bem todos os valores que ele representa”. A exceção foram as duas épocas que, em momentos diferentes, jogou em Vidigueira. “A primeira vez foi quando o Vasco da Gama subiu aos nacionais, estava na 2.ª divisão, e a Zona Azul tinha descido, e, num segundo momento, três anos depois, quando o clube chegou à divisão de elite. Já não contava sair de casa, estava com 31 anos, mas como era um jogador experiente, recebi um apelo do António Galvão e, por tudo aquilo que significava jogar na elite, com as grandes potências da modalidade, fiquei lá mais um ano, mas a Zona Azul sempre foi a minha casa”.

Carlos Guerreiro deixou de jogar com 35 anos. “Sempre foi muito claro, para mim, que havia de me retirar na plenitude das minhas faculdades. Não acharia correto andar a arrastar-me e foi o que aconteceu. No ano em que acabei, estava a fazê-lo por inteiro”, revela o agora treinador com o 4.º grau, um dos mais qualificados da região. Uma decisão que “surgiu quase espontaneamente”. “Sentirmos que podemos ser treinadores tem muito de pessoal, tem muito de nós sentirmos capacidade de liderança, de criarmos empatia com os grupos e, se calhar, fruto da posição em que jogava, era central, senti sempre isso, coordenava as equipas, então, o treino surgiu quase de uma forma natural”, diz, apesar de a sua primeira experiência a orientar equipas ter acontecido ainda muito jovem, aos 15 anos, como treinador de uma equipa de infantis e por delegação de Bexiga Fialho.

Campeão distrital em todos os escalões entre os 12 e os 35 anos como jogador, depois de ter abraçado a carreira de treinador, cuja valorização foi gradual, tem sido o responsável por muitos dos sucessos do clube, quer nos escalões de formação, onde já treinou todas as categorias, quer como rosto principal da equipa sénior. Mas Carlos reparte os louros: “Para esse sucesso contribuiu muita gente, não fui só eu, mas, realmente, olhando um bocadinho para o passado, e apesar de ser ainda relativamente novo, já treinei todos os escalões, desde os bâmbis aos seniores, e de facto consegui algum sucesso. As pessoas lembrar-se-ão melhor deste percurso recente com a equipa sénior, que é a mais difícil, mas é a que, além da visibilidade, nos dá mais retorno quando alcançamos os objetivos”.

Quanto às próximas metas, sabendo que continuará com a equipa sénior na 2.ª divisão, o técnico diz: “Temos de ser realistas. Todos temos sonhos, todos temos objetivos. O que o desporto tem de bom é a renovação das metas, sempre que alcançamos a anterior”. Ainda assim, sublinha: “Mais do que esses objetos desportivos o meu desejo é continuar a ter gosto pela modalidade, ter gosto pelo treino, sentir-me motivado para dar o meu contributo para a formação dos atletas e para o crescimento e afirmação do clube. Se há alguma marca que vamos deixando é, essencialmente, a ambição”.

Um último desafio para Carlos Guerreiro foram quatro palavras para respostas curtas. Livre de sete metros? Golo. Treino? Sacrifício e competência. Andebol? Paixão. Zona Azul? Família. 

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