Texto Jorge Martins Ilustração Susa Monteiro/Arquivo
Pai, pareces a mãe.
- Porquê?
Porque estás a coser e isso…
Enquanto pais e educadores, vivemos a tentar: tentar dar o melhor de nós, tentar fazer o melhor para eles, tentar ser o melhor para eles, tentar ser melhores por eles. E vivemos a acreditar que a educação pelo exemplo continua a ser a receita indicada. Mas nós não somos os únicos agentes nesta caminhada de formar estes adultos do amanhã. Esta missão conta com muitos fatores externos que desafiam, constantemente, o alinhamento. Que nos trocam as voltas. Que nos adensam a dificuldade, já por si considerável.
Desde cedo, desde sempre, diria, que, de forma natural e não apenas com o intuito de dar um exemplo ou mostrar um caminho, as responsabilidades da casa são partilhadas não por competência, mas por equilíbrio e necessidade. Há, natural e organicamente, tarefas que são maioritariamente feitas por um ou por outro, mas cuja alternância não causa estranheza.
Foi, por isso, com admiração que vi a sua admiração. Não sei se por se tratar (provavelmente) da primeira vez que via aquele cenário “estranho” aos seus olhos, pois não se trata de uma tarefa diária ou na qual eu seja master.
O exemplo que aqui vos trago é um pequeno nada, embrulhado num caminho que, acredito, está a ser bem trilhado rumo à normalização do que é normal, à equidade, ao respeito, à ambição e ao sonho, não de que tudo é possível, mas de que deve ser fiel aos seus objetivos sem que seja o fator cultural a travar esse caminho. Porém, é o mote para algo que continuo a assistir: a sexualização das tarefas à qual nenhum de nós é 100 por cento alheio (não lhe quero chamar culpado, embora encontre, com facilidade, alguns responsáveis).
Deixo-vos outro exemplo, num polo oposto no que à faixa etária diz respeito, mas que versa também o “descrédito” do homem face a determinadas funções. O “também” aqui pode ser injusto, pois não foi essa a intenção de uma criança que apenas fez uma observação de algo que lhe foi estranho à vista, seja lá porque motivo.
Mas contava eu: há dias, numa conversa de almoço, uma colega dizia que mais depressa deixava a filha, recém-nascida, com a avó, do que com o pai. Que ficava mais descansada. E, sem espanto, logo de seguida, uma outra mãe concordou sem espinhas e reforçou essa mesma posição. Quando discordei desse ponto de vista e dei nota que não seria com agrado que sequer imaginaria que isso algum dia viesse a ser um pensamento da mãe da minha criança (que está, de resto, no polo oposto destes pensamentos), ainda ouvi um: “Mas isso és tu que és diferente. És a exceção”.
Há então aqui algo que não está certo: ou a posição dos pais que se deixam levar pela confortável inércia (e, sim, confortável, pois, de facto, há momentos em que se alguém olhar por eles, e nos permitir só existir, está ótimo), ou a posição das mães que descredibilizam de tal forma o papel destes, que quase se torna válido questionar, face a tamanha “incompetência”, que inconsciência as levou a escolherem aquele ser como pai dos filhos. Obviamente que estou a generalizar e que não me sinto essa exceção pois, apesar de também aqui ser um caminho que tem de se percorrer, existe já hoje uma nova geração que contraria esta tendência. Mas as raízes ainda estão por aí e podemos estar aqui perante um cenário em que as “vítimas” o são resultado da ação delas próprias.
Bem sei que cada caso é um caso e que existem múltiplas realidades, distintas entre si, em que as variáveis ultrapassam, por vezes, a nossa imaginação.
Homens e mulheres não são iguais. E esta afirmação não pode ser vista com um racional pejorativo. Nunca. O facto de o afirmar não significa que considere que não têm capacidades para chegar a qualquer um dos sítios onde chega o sexo oposto (será que hoje ainda se pode utilizar esta expressão?). Temos de deixar a polarização à porta, do lado de fora, trancada. O que digo aqui é que são diferentes. Ponto. E que existe um caminho (longo) a fazer, que vai sendo ainda muito toldado pela história. O fator cultural conta, e muito, nesta equação.
Mas, em jeito de conclusão, digo-vos eu, a tendência desta jornada é inverter a própria tendência. E este trilho tem de ser percorrido com base no equilíbrio, no respeito por cada realidade e por cada exceção, e nunca na polarização ou no extremismo, pois esses, bem sabemos, nunca dão bom resultado.
Creio que daqui em diante são vários os desafios que temos pela frente, para contrariar o regresso a um passado ainda muito recente, em que os “meninos só vestiam azul e as meninas só vestiam rosa”. Talvez seja uma corrida contra o tempo. Talvez não baste parecer. Talvez não chegue querer.
Quero que isto faça sentido hoje, mas também amanhã.
E para que fique registado, o botão ficou ótimo. E eu amo aquele ser, com todas as suas dúvidas inocentes, que me ensina todos os dias, na ingenuidade das suas questões, que todos os gestos contam.