Diário do Alentejo

Porque a democracia não está garantida para sempre e porque os extremos e o populismo crescem 

27 de junho 2025 - 08:00
Ilustração | Susa Monteiro/ArquivoIlustração | Susa Monteiro/Arquivo

Texto Marciano Lopes Advogado e gestor 

 

No pós II Guerra Mundial, a Europa organizou-se através de políticas graduais de integração económica social e monetária. Redundando na atual União Europeia. Vivemos, pois, desde 1950, a construção do “Welfare State” ou modelo de “Estado Social”, doutrina que teve como percursor John Maynard Keynes, que consistiu na existência de políticas de forte pendor social que garantissem educação, saúde e proteção social aos seus cidadãos, por forma a protegê-los, bem como assegurar-lhes patamares de qualidade de vida nunca antes alcançados. 

Vivemos nessa segunda metade do século XX o maior período de prosperidade económica e civilizacional de que há memória na história da humanidade, a que se soma o maior período de paz, cerca de 75 anos, e sem guerras na Europa. 

As políticas adotadas nessa segunda metade do século XX foram ideologicamente corporizadas por governos sociais-democratas, socialistas/trabalhistas e democratas cristãos, que podemos também designar mais genericamente como governos de democracia/liberal e progressistas, que implementadas através dos designados “acordos de concertação social”, construídos através do diálogo e da negociação, sobretudo, os governos da Europa Ocidental, tiveram o mérito de conseguir consensualizar políticas de convergência sobre interesses que, aparentemente antagónicos, tinham um ponto de máximo denominador comum e que consistia em criar o máximo de riqueza produtiva, a qual assegurasse, para além do retorno do capital, a adoção de políticas redistributivas dessa riqueza, através do fator trabalho, e assim possibilitar o crescimento de uma robusta classe média, bem como a diminuição da classe mais pobre. 

Contudo, entre o final do século XX e o início do século XXI, começaram a aparecer em toda a Europa, já após a queda do muro de Berlim, com especial incidência em Inglaterra (Tony Blair), as chamadas “terceiras vias”, correntes sociais-democratas/ /democracia liberal , em que essas lideranças associavam às políticas reformistas as designadas políticas “neoliberais”,  privilegiando o mundo financeiro e do capital em prejuízo das políticas sociais e do fator trabalho, que culminou na crise internacional das dívidas soberanas e do euro. 

Este facto levou à ingerência da troika em diversos países da União Europeia, com a adoção de políticas draconianas e de austeridade que empobreceu esses países e que os cidadãos sentiram na carne. Momento que criou as condições para se dar início a um ciclo de crescimento da extrema-direita em toda a Europa e no mundo. 

Esse desvio histórico da “Social Democracia” para a “direita” e, principalmente, a sua associação às políticas “neoliberais” agressivas, privilegiando o setor financeiro, em grande parte da responsabilidade das principais lideranças europeias da altura (Blair, Schroder, Hollande, Aznar, Chirac, Zapatero, entre muitos  outros), marca também o início do declínio da “classe média”, até aí robusta e em ascensão, declínio que continua até hoje, aparentemente irreversível, pondo fim ao “elevador social”, característico das políticas reformistas e sociais-democratas, impulsionadas por Keynes e o seu “Welfare State”, no pós II Guerra Mundial, e que, em paralelo, alimenta o crescimento imprevisível, mas gradual, das forças iliberais, nacionalistas e de extrema-direita em todo o mundo, colocando em causa as bases e os próprios alicerces da democracia. 

Um retrocesso civilizacional de âmbito político, económico e social que conduz à perda da qualidade da democracia e que cria espaço ao aparecimento de correntes extremistas e populistas. Correntes essas que, organizadas sob a forma de novos partidos, atacam com demagogia a ineficácia das políticas neoliberais, agora praticadas pelas correntes reformistas/sociais-democratas, oferecendo o “céu e a terra” aos cidadãos descrentes e revoltados com as forças do “main stream”.  

Um descontentamento que alimenta o aparecimento de forças nacionalistas iliberais, ligadas à extrema-direita em toda a Europa e mundo ocidental, com propostas demagógicas e populistas desagregadoras dos ideais democráticos e dos princípios com que foi criada a União Europeia. Veja-se, pois, o que sucede na Hungria, Eslováquia, Países Baixos, Itália, em que os referidos governos avançam com iniciativas e tomam posições quantas vezes contrárias aos pressupostos da fundação da União Europeia, bem como ao aprofundamento da sua integração política, social e económica, com objetivo de reverter a integração até agora alcançada. Em alguns casos colocando até mesmo em causa a democracia a sua qualidade e a sua existência. 

Daqui decorre uma constatação indiscutível. A democracia não é um pressuposto garantido para todo o sempre e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos não é um percurso em crescendo e irreversível. O que impõe, a nosso ver, duas grandes opções para reverter esta ameaça à democracia e ao nosso bem-estar coletivo: 

 

• A primeira é mais ideológica. E que se traduz no regresso à pureza das ideologias reformistas, sociais-democratas e progressistas. O que significa descartar as “terceiras vias”, que desvirtuaram e traíram esses princípios, e retomar os ideais dos pais fundadores dessas correntes. Homens e mulheres cujos princípios e ideais tornaram possível que a Europa, e a humanidade, esteja a viver o mais longo período de paz, prosperidade e qualidade de vida, para os seus povos, da sua história;

 

• A segunda é mais pragmática. E, como tal, tendo em conta a nossa atual realidade, que se traduz numa conjuntura internacional anárquica e que vai ao arrepio da Ordem Internacional, decorrente de Yalta, regulada por várias organizações internacionais, que tiveram como expoente máximo a aceitação unânime da ONU pela Comunidade Internacional, e que a ser adotada impõe que a União Europeia assuma, com a coragem que se exige nesta conjuntura excecional e fraturante, a necessidade de efectuar um upgrade ao seu projeto de integração. O que significa introduzir na agenda política da integração europeia, de uma vez por todas, sem medos e calculismos, o tema da federalização da Europa. Por forma a criarmos os Estados Unidos da Europa. O último estádio da integração.  

 

Seja qual for a opção escolhida é chegado o momento de se avançar em prol da garantia da paz e prosperidade na Europa e dos seus povos. A decisão está, pois, na mão dos cidadãos europeus e dos seus líderes. Saibamos todos estar à altura do momento e dos ventos da história.

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