Diário do Alentejo

João Sousa: O jogador preguiçoso que se tornou árbitro do ano

02 de julho 2022 - 09:00
João Sousa foi o melhor classificado na categoria ‘Elite’da arbitragem da AFBeja
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

“Creio que todos os jovens que entram neste mundo da arbitragem têm as suas metas e os seus objetivos bem definidos, todos querem atingir o patamar mais elevado, que é a internacionalização. E é esse também o meu foco, chegar a elite e à internacionalização, não colocando de parte uma possível profissionalização, porque é mesmo disto que eu gosto”.

 

Texto Firmino Paixão

 

Esta é a ambição do jovem árbitro João Sousa, nascido, em Beja, há 22 anos e que, na época desportiva agora finda, foi o melhor classificado da categoria de ‘Elite’, entre os filiados no Conselho Regional de Arbitragem da Associação de Futebol de Beja. Licenciado em Gestão pela ESTIG - Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja, prossegue a sua atividade profissional, como técnico administrativo, numa empresa local, tarefa que reparte com a arbitragem de futebol, a sua grande paixão.

 

João Sousa contou que teve uma infância normal, como qualquer miúdo da sua idade. “Foi um tempo em que me senti feliz. Cresci sempre muito à volta do futebol, ainda joguei à bola até aos meus 13 ou 14 anos, representei o Despertar e, mais tarde, o Bairro da Conceição. Jogava a defesa central, desenrascava-me, mas fartei-me depressa”. Uma carreira interrompida precocemente, talvez porque o talento não abundasse, nem vislumbrasse um futuro muito prometedor. “Sim, não era muito talentoso, até porque fui sempre um jogador muito preguiçoso. Sempre gostei de praticar, mas nunca me vi com futuro de futebolista, até que chegou um determinado momento e abandonei. Mudei de rumo, mas com a intenção de me manter sempre perto do futebol, ou seja, através da arbitragem”. E aqui sim, chegou cedo, e veio para ficar, porque nesta área, as classificações e o percurso bem-sucedido, indiciam vocação, ou, pelo menos, que o talento que lhe faltou como jogador, se revelou na função de juiz. “Iniciei-me na arbitragem com 15 anos, tive quem me influenciasse nessa escolha, porque tenho um vizinho que é o árbitro, o Sérgio Teixeira, e foi ele que me incentivou a tirar o curso de árbitro. Tirei o curso, experimentei e gostei, fiz os primeiros jogos como assistente, tive a felicidade de me cruzar com pessoas que me ajudaram, que me motivaram sempre a continuar neste meio, e pronto, cá estamos, já a cumprir a 8.ª época do mundo da arbitragem”.

 

O sonho já se sabe, não tem limites, confessou o jovem. “O sonho é chegar o mais longe possível, acho que isso é legítimo para um jovem como eu. Quero chegar até onde os meus sonhos me levarem. Sei que tenho muito trabalho pela frente, terei que me dedicar intensamente para evoluir e para me tornar cada vez mais qualificado. Tenho que me preparar bem e também sei que tenho que abdicar de algumas coisas, alguns hábitos de juventude”. É isso, quando se traça um rumo, há que fazer escolhas, e o João sabe-o melhor do que ninguém. “Temos que abdicar dos fins de semana com os amigos, com a família, mas creio que, gerindo bem as coisas, com inteligência e racionalidade, haverá sempre tempo para tudo. Se conseguirmos ir agradando um pouco a todos, já será positivo, porque as pessoas que estão à minha volta percebem que eu gosto disto e apoiam-me muito”.

 

Bem, mas essa ideia de agradar a todos, ou seja ‘a gregos e a troianos’ não se aplica aos campos de futebol, seguramente, porque vai dirigir um jogo onde os interesses de cada interveniente são antagónicos. Uma inquietação, nossa, que o João rapidamente desmontou, não fossemos nós interiorizar que se tratava daquela velha habilidade de ‘passar pelos intervalos da chuva, sem se molhar’. Não! Nada isso. “Claro que, nos campos de futebol faço, e farei, sempre o meu trabalho, com todo o rigor e isenção. Não é fácil, mas dentro do campo fazemos o nosso trabalho, aplicamos as leis e ponto final. Cá fora é outra conversa, claro que tenho amigos no futebol, mas eles sabem fazer a separação dos interesses”. Avaliando a sua postura como juiz de futebol, João Sousa, reconhece que é um árbitro que “gosta de deixar jogar”. “Gosto de deixar fluir o jogo. Sempre gostei de apitar assim, as pessoas que têm andado perto de mim neste percurso, e que sempre me apoiaram, aconselharam a fazer isso. Tenho pessoas na arbitragem que me ajudaram muito, sobretudo, nestes dois anos, senti muito o apoio do Nélson Hermosilha, meu chefe de equipa, porque fui assistente dele no nacional, sempre me ensinou muito e fez-me ver arbitragem de uma forma mais linear e racional. Cresci muito a trabalhar com ele”. Porém, os jogos não são todos iguais, uns dias temos que ser mais disciplinadores, outros mais pedagogos. “Tal e qual! Nos jogos de jovens claramente que temos que ter um olhar diferente do que com os seniores. Nos escalões mais jovens, os jogadores estão ainda em formação e nós temos que ser mais pedagogos, mais tolerantes, e deixar-lhes os melhores conselhos, para que eles consigam crescer”.

 

João Sousa reconhece que trabalhou imenso para atingir esta distinção de ‘Árbitro do Ano’. “Era uma meta que eu perseguia e que, finalmente, consegui atingir”, mas também admitiu que não o conseguiu sozinho. “Os meus assistentes, o Nelson Hermosilha e o Hugo Simão, deram-me uma ajuda tremenda, o contributo deles foi determinante para o meu sucesso. Fazia equipa com eles no nacional e, no plano distrital, eram eles que me auxiliavam. Infelizmente, iremos separar-nos daqui para o futuro, mas a vida é mesmo assim, agora só quero desejar o melhor para eles, porque eles merecem”.

 

O futuro, esse está ao virar da esquina, e os próximos compromissos serão já no patamar nacional, mais exigência, maior responsabilidade. “Sim, se eu já era muito exigente comigo próprio, a partir de agora terei que exigir ainda mais de mim e desta minha paixão pela arbitragem. Nunca baixarei o nível, porque bastará um pequeno percalço para deitar tudo ‘por água abaixo’ e não quero que isso aconteça”.

 

Claro, nem nós, que também ficamos a torcer pelo seu sucesso, mas agora João, o que me diria para me convencer a ser árbitro de futebol? “Olhe, contava-lhe a minha história de vida. Joguei à bola, vi que dali não saía nada e fui experimentar a arbitragem. Se quiser experimentar, verá que nascerá aquele bichinho que todos os árbitros possuem”. Pronto, estamos conversados. Mas, sempre que o João apita um jogo, dorme descansado na noite seguinte? “Não, já tive alguns jogos em que fico a pensar num determinado lance. Nem é no jogo propriamente dito, é num lance em particular, um pequeno detalhe que pode prejudicar a avaliação ao nosso trabalho durante o resto do jogo. Naturalmente que já tive jogos menos conseguidos, mas foram esses que me fizeram crescer e me deram mais aprendizagem”.

 

Comentários