Publicada Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. Um trabalho cientifico que retrata o estado das plantas no País, indicando que o panorama no Baixo Alentejo é “muito preocupante”, com a maior concentração de plantas ameaçadas localizadas nos “barros de Beja”. O problema deve-se essencialmente à intensificação agrícola em “larga escala”, a que se tem vindo a assistir nas últimas duas décadas. Situação que se repete no sudoeste alentejano, onde as plantas mais afetadas são associadas a brejos, charcos temporários e outras zonas húmidas.
Texto Júlia Serrão
“Temos sinalizadas 86 espécies de plantas ameaçadas de extinção no Baixo Alentejo. Mais de 20 estão associadas ao desaparecimento dos olivais tradicionais de sequeiro”, observa António Carapeto, um dos responsáveis técnicos pela elaboração da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. Um levantamento que avaliou o risco de espécies ameaçadas, e cujo trabalho no campo ocorreu entre 2016 e 2018. Debruçando-se sobre 630 espécies de plantas, identificou 381 ameaçadas de extinção e 19 já extintas. Das cerca de 110 espécies endémicas que existem em território nacional continental a título de exclusividade, 53 estão ameaçadas de extinção.
André Carapeto diz que o distrito de Beja foi trabalhado “com maior insistência” porque estavam sinalizadas algumas ameaças, que acabaram por se “confirmar”, sobretudo relacionadas com a intensificação agrícola na região. “Apostámos muito em fazer trabalho de campo no Baixo Alentejo, principalmente na zona dos regadios, mas também na faixa litoral. Os resultados são muito preocupantes”.
Uma das plantas identificadas como das mais ameaçadas de extinção é a linária dos olivais (‘linária ricordi’), um “endemismo do Baixo Alentejo”, cuja distribuição está concentrada nos arredores de Beja: Beringel, Ferreira do Alentejo e Serpa. O biólogo explica que a substituição dos olivais tradicionais pelas culturas de regadio tem vindo a contribuir para “o gradual desaparecimento do habitat” desta espécie, exclusivamente associado a sistemas agrícolas de sequeiro: searas e olivais tradicionais. Revela que este é um caso curioso, já que se trata de uma “planta protegida a nível europeu, da Diretiva Habitats”, estatuto que prevê que sejam definidas áreas para a sua conservação. “Existe um sítio da Rede Natura designado para a proteger, que não o está a fazer”, observa, explicando que a planta não aparece nos “dois locais designados” para a sua proteção desde 2005. É perentório: “Se não cumprem a função, deviam ser reavaliados, de forma a corrigir-se este paradoxo”. A espécie está avaliada como em perigo de extinção no Livro Vermelho, “porque praticamente 99 por cento da sua área de distribuição global está dentro da área de influência do empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva”.
DISSEMINAÇÃO DE CULTURAS INTENSIVAS
Muito referida quando se fala em plantas ameaçadas, talvez por esta particularidade de se prever a sua conservação mas isso não estar a acontecer, a linária dos olivais já se tornou uma espécie “emblemática de todas elas”. Mas, sobretudo, sublinha o coordenador técnico do projeto, “de toda uma biodiversidade que está a desaparecer no Baixo Alentejo”.
Das espécies arvenses associadas aos olivais e ás culturas tradicionais de sequeiro em solos básicos, e por isso sob grande pressão, há pelo menos mais dois nomes a reter: alcachofra rasteira (‘Cynara tournefortii’) e olho-de-perdiz (‘Adonis annua’). Estão avaliadas como vulneráveis, no levantamento especializado. A primeira, um cardo, é um “endemismo ibérico” com população maioritariamente em Portugal. “Distribui-se de forma dispersa pelo Baixo Alentejo, tendo um grande núcleo populacional no Torrão”, explica o biólogo. A segunda tem uma distribuição global alargada, concentrando-se no território alentejano, mas com maior incidência no Baixo Alentejo. O Livro Vermelho explica que “as principais ameaças e pressões sobre a planta ficam a dever-se à expansão da intensificação agrícola e conversão dos sistemas agrícolas extensivos de sequeiro em intensivos de regadio”, que levam “à destruição do seu habitat ou à alteração das condições ecológicas necessárias ao seu desenvolvimento”.
André Carapeto diz que é preciso agir com celeridade, para evitar que mais plantas endémicas restritas ao Baixo Alentejo se extingam, a exemplo da arméria de Beja (‘Armeria neglecta’). Dá conta que a planta foi “alvo de prospeção” ao longo do século passado, e deste estudo, e continua a não ser encontrada. Não havendo registos da sua ocorrência na natureza há mais de um século, os investigadores decidiram “considerá-la extinta”. A “pressão resultante da atividade agrícola” durante o século XX poderá estar na origem da sua extinção.
Mas outras ameaças começam a adensar-se na região. O olho de lobo (‘Onosma tricerosperma’), uma espécie “muito rara” encontrada em Ferreira do Alentejo, em 2009, “numa zona pedregosa de pastagem com pastos e mato, teve um núcleo destruído por um parque solar e um laranjal”. O coordenador técnico do projeto diz que quando começaram a fazer a lista de plantas alvo de estudo, não tinham sinalizado qualquer ameaça para além da raridade da espécie: “Conhecíamos apenas dois ou três locais onde ela ocorria, com menos de 10 plantas em cada um”. Em 2019, verificaram que numa parte de um dos núcleos tinha sido instalado um pomar intensivo de laranjeiras, na outra um parque solar: “Já não há condições de qualquer habitat ali; foi destruído”. André Carapeto alerta para que a conservação dos locais de solos únicos, habitats por excelência de muitas espécies, seja “uma prioridade”. Pois quando se perdem, não há como voltar atrás. Enquanto estas infraestruturas podem ser instaladas noutros locais. “Muito do que se pode fazer pela conservação passa por se tomar opções corretas, e compatibilizar certas atividades com o que realmente existe de valores naturais”, sublinha.
DRENAGEM DE ZONAS HÚMIDAS
O processo de intensificação agrícola avança também pelo sudoeste alentejano desde os anos 90, apesar das zonas estarem integradas em Rede Natura e em boa parte do Parque Natural. A proteção é insuficiente para assegurar a conservação da biodiversidade. O biólogo fala em muitas espécies sinalizadas nesta área: “Algumas estão em regressão clara, outras há muito tempo não são avistadas.” Uma das avaliadas pelas equipas do projeto, o linho marítimo (‘Linum maritimum’), restrita ao sudoeste alentejano que habita em prados e solos húmidos, foi vista a última vez em meados da década de 90 do século passado. Comenta que o lugar foi transformado em campo agrícola e, entretanto, já se construiu uma série de estufas nos arredores, sendo que a zona está completamente modificada. Uma situação que se repete por muitos e muitos hectares. Mostra-se preocupado com o impacto das estufas e dos regadios. “Não se trata só da “ocupação física dos espaços para a instalação das estufas”, que consequentemente “destroem uns habitats”, mas também da “drenagem de zonas húmidas” que leva ao desaparecimento de outros, “como brejos, trufeiras e charcos temporários, onde se encontrava grande número de espécies de distribuição restrita”.