Diário do Alentejo

"Baixo Alentejo é a região com mais razões de queixa”

30 de junho 2021 - 11:15

"Há aqui um modelo económico que se podia desenvolver com o aeroporto de Beja e o porto de Sines que era não era só bom para o Baixo Alentejo mas para o País inteiro". A afirmação é da eurodeputada Maria da Graça Carvalho, nascida em Beja e eleita pelo PSD, em entrevista ao "Diário do Alentejo". "Penso, sobretudo, que está na altura de não deixar passar este período de financiamento sem estas três situações resolvidas", diz. Por três situações entenda-se a valorização do aeroporto de Beja, a eletrificação da linha ferroviária e a construção da autoestrada entre Beja e Sines - "[que] foi começada e depois ficou a meio". Segundo Maria da Graça Carvalho, o Baixo Alentejo tem de "ser mais reivindicativo, levantar mais alto a sua voz".

 

Texto Júlia Serrão

 

Como é que acompanhou as notícias sobre a situação de milhares de trabalhadores a viverem em situações de grande precariedade no sudoeste alentejano?

 

Com muita preocupação... com preocupação que essa seja uma realidade em Portugal. É uma situação que nos envergonha porque não são respeitados os direitos mínimos das pessoas. Há qualquer coisa de errado neste nosso modelo de organização, também a nível mundial. Mas falando do nosso País, temos que fazer tudo para que isto não aconteça. Fiquei também preocupada por isto ainda não ter sido denunciado – e, se não fosse a covid-19, continuávamos sem saber que existia. Acho que muita gente fechou os olhos a esta situação, o que não é bom. É muito bom ter pessoas vindas de fora, variedade, diversidade, mas têm que ter condições dignas e tem que haver uma convivência salutar. Penso que nada disto estaria a acontecer em Odemira.

 

Os seus colegas do Parlamento Europeu não se interrogaram como é que é possível existirem situações destas na Europa?

 

Penso que esta situação, infelizmente, não acontece só em Portugal. Poderá passar-se noutros países. Aliás, fiz alguma pesquisa, encontrando casos semelhantes em Espanha, também houve um caso no Luxemburgo. Custa-me muito que não se fale destas situações, pois deviam ser denunciadas e resolvidas. Ao mesmo tempo, repare que o pico das notícias foi na altura em que se estava a realizar a cimeira social, no Porto, em que os líderes europeus falam na Europa com sendo dos melhores 'standards' para os trabalhadores e para as pessoas, e é essa a ideia da Europa que nós queremos e que pensávamos que tínhamos até agora. Portanto, vimos a descobrir exatamente nesse momento que não é bem assim. É para alguns, não é para todos.

 

Entende que aquele modelo, muito associado à agricultura intensiva, é inevitável?

 

Não é. Entendo que há outros modelos de agricultura com menos impacto social e ambiental, com recurso a novas tecnologias, tanto da parte da agricultura como dos produtos. Espero que isso seja feito, e que se aproveitem nomeadamente os financiamentos que temos ao nosso dispor nos próximos anos, exatamente para essa modernização... e não descaracterizar o território e ter impacto ambiental como algumas destas explorações agrícolas têm.

 

Foi recentemente eleita vice-presidente da Comissão das Pescas no Parlamento Europeu. Um setor estratégico para Portugal. Mas, no caso do Alentejo, tem existido um continuo abandono da atividade. Porque é que isto sucede?

 

Não sucede só no Alentejo. Eu ainda me lembro de Sines ser um grande porto de pesca e muito bonito, depois houve toda a transformação industrial. Na pesca, como na agricultura, temos que ter um equilíbrio entre o ambiente e a biodiversidade, entre a preservação das espécies, e continuar a promover a atividade. Porque [o peixe] é uma fonte de alimentação muito saudável. E é mais benéfico para o planeta que a pesca seja feita na Europa, onde há regras muito claras e muita preocupação com as quotas para se manter a biodiversidade. Defendo muito o ambiente, mas acho que as consequências de abrandarmos ainda mais a atividade é a importação ser feita de outros lados e, no fim, não estamos a proteger o ambiente porque, algures, alguém está a pescar com muito menores condições do que os europeus o fariam. Talvez há 50 anos não fosse possível esse equilíbrio, mas agora, com a tecnologia e o conhecimento científico, já é possível fazer essas atividades com muito menos impacto no planeta.

 

Mas na região, a que se deve o abandono da pesca? Faz falta ao Alentejo olhar mais para o mar?

 

Alguns locais onde era tradicional a pesca converteram-se em áreas mais industriais, como foi o caso de Sines. Enquanto no Algarve ainda se mantém, no Alentejo a nossa costa ou ficou na zona mais industrial ou de turismo, e a pesca foi abandonada. O que é uma pena, porque a diversidade de atividades económicas é muito benéfica para todos. Sem dúvida, devemos olhar mais para o mar que é maravilhoso e uma fonte de riqueza imensa: não só da pesca, também de outros produtos. O Alentejo também é muito mar e nós não temos essa cultura, ou a pouco que tínhamos temos vindo a perder – somos mais uma cultura de interior – mas temos que a ganhar porque a nossa costa é das mais bonitas, até da própria Europa.

 

Subscreveu uma carta onde mais de 100 personalidades pedem ao Governo a instalação no Alentejo de uma estrutura europeia permanente para o empreendedorismo, para ajudar a transformar a região no próximo 'Silicon Valley'. Qual a oportunidade e o porquê desta iniciativa?

 

Nos próximos três ou quatro anos vamos ter acesso a financiamento de uma magnitude que nunca tivemos, porque soma os fundos regionais com o Plano de Recuperação e Resiliência. É uma oportunidade única, que tem de ser bem aproveitada. Mas se não houver bons projetos prontos para avançar, já sabemos que os financiamentos são investidos em grandes construções e autoestradas, investimentos que não são produtivos. E, portanto, queremos evitar que isso volte a acontecer. O que o Alentejo precisa, neste momento, é exatamente de olhar para os seus setores económicos, modernizá-los, torná-los compatíveis, o ambiente com a área social, e também promover o aparecimento de pequenas e médias empresas da área tecnológica. Promover um parque de tecnologia, no território, que crie emprego para fixar as pessoas... além de ter os financiamentos agora disponíveis, a região tem, do ponto de vista do ambiente, as condições para que as pessoas se fixem.

 

Este projeto, mais um para Évora, não poderá vir a acentuar ainda mais as desigualdades no interior do território alentejano?

 

Há desigualdades entre os países, e dentro dos países entre o litoral e o interior, e há desigualdade entre o Alto Alentejo e o Baixo Alentejo. E numa política de coesão, devia-se ter uma estratégia diferente. Mas o que é facto, e isso tem que ser levado em conta, é que esta iniciativa foi essencialmente da reitora da Universidade de Évora. Agora, eu estou sempre a defender que temos que trabalhar em rede e incluir; neste caso temos que ter uma rede das instituições do ensino superior de todo o Alentejo. Para este financiamento é essencial esta ligação. Até porque a Universidade de Évora, o Politécnico de Beja e o de Portalegre têm valências complementares. E, portanto, devem trabalhar nessa complementaridade.

 

Disse muito recentemente que os próximos três a quatro anos serão “essenciais” na definição do futuro das regiões e da Europa. Vem aí a célebre "bazuca". Depois, um novo quadro comunitário. Parece-lhe que o Alentejo tem prioridades claramente definidas?

 

Penso que o modelo que tem, e foi apresentado em Bruxelas, para a ‘bazuca’, que é o Plano de Recuperação e Resiliência, e o novo Quadro Comunitário de Apoio, é bom porque está em linha com as prioridades europeias da transição verde e da transição digital. Nós temos dito que gostávamos de ver mais setor privado e mais pequenas e médias empresas e menos financiamento a ficar no setor público. E eu tenho manifestado receio face a alguns projetos de grande dimensão, como o de hidrogénio em Sines, pois receio que estejamos a ser muito ambiciosos ao usar uma tecnologia que ainda não é suficientemente madura e, portanto, preferia que fossemos mais cautelosos. Mas, tirando estas duas ressalvas, o plano que há para o Alentejo está de acordo com estas ambições ambientais e de digitalização do território. Agora, estes financiamentos têm que ser executados muito rapidamente. E tenho receio que haja hesitações dos projetos e demoras, e que, depois, haja alguns prontos a avançar, de grandes construções se calhar em Lisboa e Porto, como é costume. Portanto, este é o meu alerta... começar logo que haja luz verde, ser rápido, e assegurar o financiamento para o território. 

 

Apesar dos milhares de milhões já investidos, apesar do Alqueva, a região continua a perder população e a população continua a envelhecer. O que é que tem corrido mal?

 

Para fixar pessoas temos que ter bons cuidados de saúde e boa educação, boas infraestruturas digitais e emprego. Os cuidados de saúde na região podiam ser melhores, mas existem, e a educação também. Penso que faltam oportunidade de emprego de qualidade, e as pessoas vão para onde elas existem. No entanto, com a pandemia, muitas aperceberam-se que não precisam de estar no local de trabalho para trabalhar, principalmente quando se trata de trabalho intelectual, podendo fazê-lo a partir de sítios que gostem, onde se sintam bem e tenham condições. Por outro lado, também verificaram que os territórios de baixa intensidade têm vantagens. Logo, poderá haver aqui uma reversão, e em alguns sítios está-se a assistira a isso, as pessoas estão a voltar para o interior. Agora as infraestruturas digitais têm que ser de muito boa qualidade, isso é importante. E aí, com os financiamentos do próximo Quadro Comunitário de Apoio, espero que haja uma cobertura total do Alentejo com rede de boa qualidade. Isso, acompanhado das infraestruturas de otimização da saúde, para que as pessoas não tenham que se deslocar a Lisboa ou outro sítio, e de educação.

 

O aeroporto de Beja tarda em descolar. O IP8, entre Sines e Beja, já não terá perfil de autoestrada. A eletrificação da linha de comboio entre Beja e Casa Branca não acontecerá antes de 2027. Reconhece que há muitas razões de queixa do Baixo Alentejo?

 

Há muitas e incompreensíveis. Porque, por exemplo, o aeroporto está pronto, não há razão para não ser otimizado, e a estrada foi começada e depois ficou a meio. Na linha férrea, a situação é pior do que quando eu era miúda, que vinha para Lisboa de automotora. Os serviços são muito piores. Não se percebe como é que no século XXI não há estes investimentos básicos. O único que poderia não ser era o aeroporto, mas esse já está feito, trata-se de otimizar o seu uso. Muita gente não se importaria de voar para Beja e depois ter uma hora e três quartos para chegar a Lisboa ou ao Algarve. Isso acontece noutros países. E, depois, quem vem de férias oito dias, qual é o problema em gastar duas horas até ao destino? Até conhece outra parte da paisagem, para além de voar para um aeroporto seguro e com espaço, com uma pista lindíssima. Além disso, é pequeno e tão eficiente, está tudo muito bem organizado... na velocidade com que se faz o 'check-in' ganha-se logo meia hora ou mais em relação ao aeroporto de Lisboa. Portanto, ganha-se aí tempo que se pode retirar à viagem. Não há região do País com tantas razões de queixa como o Baixo Alentejo, por todas estas coisas. É demais!

 

Sem este problema das infraestruturas resolvido, o Baixo Alentejo não está condenado a afastar-se, cada vez mais, das regiões mais desenvolvidas do país?

 

Precisava destes problemas resolvidos. Penso que deveria fazer maior pressão para que estas três questões ficassem resolvidas agora, porque se não se aproveitar estes financiamentos para o fazer, nos próximos anos será muito mais difícil. Até porque, do ponto de vista económico, faz todo o sentido para o País desbloquear a situação: nomeadamente porque há o porto de Sines que precisa estar ligado. Portanto, há aqui um modelo económico que se podia desenvolver com o aeroporto de Beja e o porto de Sines que era não era só bom para o Baixo Alentejo mas, como referi, para o País inteiro.

 

Há quem diga que falta ao Baixo-Alentejo capacidade de lóbi junto do poder central. Pergunto-lhe se partilha essa opinião ou se o que faz mesmo falta é a regionalização?

 

Eu não sei se a regionalização iria resolver. Partilho a opinião de que os alentejanos são menos reivindicativos, talvez isso seja uma das razões. Mas penso, sobretudo, que está na altura de não deixar passar este período de financiamento sem estas três situações resolvidas. Que uma delas nem tem que ver com dinheiro, o aeroporto... é uma questão de vontade de ter um plano de negócios. As outras duas são financiamentos, mas uma é para acabar um projeto começado, e a outra para reparar algo que já existia há 50 anos. Um País que se quer com uma transição verde e, depois, não tem uma linha férrea que passe de norte a sul... não vai ser possível, vai ter obrigatoriamente que o fazer.

 

"UM BOM RESULTADO AUTÁRQUICO É AUMENTAR O NÚMERO DE MANDATOS"

 

No âmbito partidário, qual é a sua expectativa para as próximas autárquicas no Baixo Alentejo, onde o PSD não tem nenhum presidente de câmara e tem pouquíssimos vereadores. Sendo a fasquia baixa, o que é que considera um bom resultado?

 

Como o presidente do partido tem dito, um bom resultado a nível nacional, e que se aplica ao Baixo Alentejo, é aumentar o número de mandatos. E os mandatos não são só os dos presidentes de câmara, são de todos os eleitos. O poder autárquico é muito importante em todas as dimensões: as juntas de freguesia, a Assembleia Municipal, os vereadores, os presidentes. E temos também esperança de voltar a ter presidentes, temos muito bons candidatos. O território também precisa dessa diversidade política, ela também é muito importante.

 

Quais a causa para o PSD não se afirmar no Baixo Alentejo e ter votações residuais, designadamente a nível autárquico?

 

Penso que são razões sociais e históricas, ainda legado do antigo regime e do pós-25 de Abril que levam a que o PSD tenha tido dificuldade em ter uma grande votação no território. Que explicam que um Partido Comunista tenha muita força, que tem vindo a decair também por razões demográficas e a ser substituída, em parte, pelo PS. Por outro lado, a fação mais de direita revia-se também no CDS e não só no PSD. Nós somos um partido tradicionalmente das pequenas e médias empresas, do comércio, da atividade económica, do setor privado, que ainda não temos muito no Baixo Alentejo – e era bom ter porque isso também faz a dinamização da economia –, e da classe média, que também não tem expressão na região. Mas quando o PSD tem bons resultados no país também tem no Alentejo, no seu todo. O que significa que o potencial está lá. Logo, é uma questão de ter bons candidatos. E neste momento temos bons candidatos no Baixo Alentejo, e também um excelente presidente da distrital.

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