A pecuária extensiva tem sido o “parente pobre” da política agrícola gizada em Bruxelas e, por isso, Rui Garrido reclama uma maior fatia para o setor, aproveitando, desde já, a reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (Pepac), neste momento em discussão. Por seu lado, o ministro da Agricultura, no encerramento do Congresso Luso-Espanhol de Pecuária Extensiva, prometeu mais apoios para a crise da língua azul, mas exigiu aos agricultores a notificação dos prejuízos contabilizados nos rebanhos.
Texto | Aníbal Fernandes*Foto | Ricardo Zambujo
Rui Garrido, presidente da ACOS – Associação de Agricultores do Sul, organizador do Congresso Luso- -Espanhol de Pecuária Extensiva, que se realizou nos passados dias 14 e 15 em Ourique, quer que os governos ibéricos se unam de forma a reclamarem mais apoios europeus para este subsetor, de forma a deixar de ser o “parente pobre” da agricultura europeia. “Portugal e Espanha em conjunto terão mais força”, concluiu.
No entanto, destaca o tema da renovação geracional como o mais importante, uma vez que “aponta para o futuro”. “Este problema é comum aos dois países e não é fácil de resolver sem se criarem condições para atrair os jovens e os fixar” nesta atividade, diz o dirigente associativo ao “Diário do Alentejo” (“DA”).
Para além disso, a situação sanitária e a “necessidade de os governos de Portugal e Espanha atuarem de forma mais preventiva” foi outro dos temas importantes discutidos no congresso, potenciado pela atual crise da língua azul que atingiu os rebanhos dos dois lados da fronteira e as alterações climáticas que proporcionam o aparecimento de mais doenças animais.
Sobre este assunto, José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura, presente no encerramento do congresso, disse que o Governo já tinha avançado com um milhão de euros do Orçamento do Estado para minorar os prejuízos, mas admitiu considerar a “possibilidade” de aceder a “fundos comunitários para apoiar aqueles que perderam rendimento”.
Para isso, é fundamental “saber, por exploração, quais foram os animais que morreram, os que morreram por língua azul e também o prejuízo que efetivamente houve, porque o prejuízo não é só o animal que morreu, são os abortos que existiram, os custos para tratar os animais que estão doentes, as perdas de produtividade e tudo isto tem que ser contabilizado”, disse à “Lusa” no final do encontro.
O governante gostaria que fosse possível aplicar aos agricultores “um regulamento que vai ser aprovado este mês na União Europeia” relacionado com “os problemas derivados das alterações climáticas”, mas existe “um problema”. “É que esse regulamento só permite apoios a quem teve uma perda de 30 por cento por exploração e, por isso, preciso das contas, preciso da verdade e preciso que os produtores nos notifiquem” das mortes dos animais, referiu.
José Manuel Fernandes indicou que até já pediu aos serviços do ministério para “dar esse apoio” aos agricultores “para contabilizar todos os prejuízos” provocados pela febre catarral ovina, também conhecida como doença da língua azul, que afeta, sobretudo, ovinos e caprinos.
“Estão a aumentar os notificados, inclusivamente pessoas que não tinham feito a notificação estão a fazê-la agora e nós precisamos de uma informação que ajude a todos, ajude ao apoio que podemos dar aos produtores, ajude-nos a tomar decisões”, alertou, acrescentando que, “neste momento, dizer o prejuízo é estar a inventar, porque, se falar aos produtores, eles próprios não sabem”, já que, segundo os dados disponíveis, morreram perto de 60 mil animais, mas os notificados são de apenas seis mil.
Voz comum António Aires, presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco, também presente no congresso que contou com a participação de 300 agricultores, reconhece que ao princípio houve alguma reticência por parte dos agricultores em reportarem as perdas, mas garante que, agora, “a mensagem está a ser passada”.
Para este dirigente dos agricultores, “as alterações climáticas” e as doenças daí decorrentes, os “seguros e a necessidade de manter as pessoas nos territórios” foram temas importantes tratados no encontro.
“Cerca de 85 por cento do território agrícola de Portugal e Espanha são de exploração extensiva. Convém aos dois países, com problemas semelhantes, terem uma voz comum na Europa”, disse ao “DA”.
Proteger o montado Pelo seu lado, Nuno Faustino, presidente da Associação de Criadores de Porco Alentejano (ACPA), ressalta a renovação geracional como um dos temas discutidos no congresso. “A pouca atratividade que este setor tem para os jovens é uma grande preocupação”, disse ao “Diário do Alentejo” já nesta semana, reclamando mais “apoios para a instalação de jovens agricultores”.
O dirigente associativo constata que os poucos jovens presentes no setor “herdaram a terra e têm gosto pela atividade, mas são poucos, e são os que ainda andam por aí”. Os valores elevados pedidos para ter acesso à terra justificam, no seu entender, a “criação de um banco de terras” dirigido à nova geração. “Os valores pedidos são muito elevados para a rentabilidade que dá este setor e, por isso, ninguém consegue investimento bancário”.
Para além disso, “o grau de exigência é enorme: não existem feriados, Natal, fins de semana ou fins de ano”, porque o gado não pode ficar sozinho, e a pouca rentabilidade, muitas vezes, inviabiliza “a contratação do pessoal necessário”.
Outro dos problemas é a “mortalidade do montado e a falta de água para o abeberamento do gado. É urgente apoiar as regiões que sofrem desta situação [nomeadamente, o Baixo Alentejo], devido às alterações climáticas. Uma das soluções é a construção de pequenas barragens que permitam, em tempo de seca, produzir as forragens necessárias para a alimentação do gado – não para novas culturas de regadio – e reduzir a dependência do mercado que atinge preços proibitivos em tempos de seca, o que, em muitos casos, tem levado à redução do efetivo pecuário. Se nada for feito, corre-se o risco de a atividade desaparecer”, vaticina.A alternativa é a proliferação de matos, javalis, fogos, mais desertificação e menos gente, menor contributo para a economia local, o que “acabará por sair mais caro” ao País.
Assim, a “reposição do montado” é um desafio urgente e deve motivar políticas que incentivem “a prática de culturas amigas deste ecossistema e que contribuam para a regeneração das pastagens”, conclui. *com “Lusa”