O ponto dos CTT em Santa Vitória encerrou no final de agosto. Médico de família, para servir os cerca de 600 habitantes, também não há. Uma aldeia em que as pessoas sentem aquilo que é o abandono do interior, apesar de estarem a poucos quilómetros da capital de distrito. O exemplo é o de Santa Vitória, mas podia ser de tantas outras aldeias da região.
Texto Marco Monteiro Cândido
O relógio bate nas 10:00 horas. O pequeno largo da Praça, defronte do Centro de Cultura, Recreio e Desporto de Santa Vitória, com um parque infantil recente, mas vazio, agita-se. A razão de tal azáfama prende-se com a chegada do padeiro. Traz com ele o pão fresco do dia, mas é, também, um dos poucos motivos que leva o pequeno largo a agitar-se, a ganhar vida. Assim que a carrinha parte, a azáfama vai-se desvanecendo à razão de segundos, de poucos minutos. Dos poucos que por ali ficam, Luís Amarino, de 58 anos, não se conforma com a extinção do ponto de CTT na aldeia, depois do encerramento da mercearia que lhe dava corpo. “É uma coisa que faz falta aqui, para os reformados levantarem as reformas e outras coisas. Era bom haver como havia ali na loja, mas agora parece que não querem autorizar os correios”.
Um dos que também ainda restam no largo em Santa Vitória, aldeia do concelho de Beja com cerca de 600 habitantes, é Lourenço Pinotes, de 77 anos. Sente a aldeia “um pouco triste” por irem acabando os poucos serviços que ainda resistiam e sem esperança que voltem. “Não, não autorizam. Mesmo aqui a junta também quis ficar com isso. Não quiseram, disseram que não. A senhora já fazia isto há muitos anos, deixaram-na continuar até que foi para a reforma. Agora fechou, já não autorizam”. E com o acabar dos serviços, a sensação de abandono vai-se instalando. “Agora, de manhã, está aqui esta malta. Daqui a bocado pode passar aqui que, até à noite, não vê ninguém. E hoje foi por causa do pão”.
O final de agosto trouxe com ele a notícia: o ponto dos CTT de Santa Vitória encerrou. O motivo? Como referido atrás, a mercearia onde funcionava fechou, por reforma da proprietária, e com ela, também o serviço dos Correios na aldeia. Por esses dias, a União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja (Ufsvm) fez sair um comunicado em que dava conta da intenção que teria em instalar o mesmo serviço no edifício da junta de freguesia. Segundo o documento, a resposta por parte dos CTT terá sido que o ponto em questão “tinha uma reduzida taxa de ocupação diária e um número médio de clientes diário bastante residual”, acrescentando que o ponto ainda existente na união de freguesias, em Mombeja, “está adequado à procura, não existindo atualmente necessidade de robustecimento da mesma”.
“É com grande descontentamento que vejo este acontecimento. Não faz sentido. Alegam que é pouca população, mas tem quase 600 habitantes. E é retirar às freguesias rurais mais acessibilidades, porque não querem o abandono rural, mas, no entanto, depois, cada vez temos menos coisas nas freguesias rurais”. Assim se refere o presidente da Ufsvm, Sérgio Bravo, a este assunto. E continua: “Para instalar um multibanco aqui é quase preciso pagar uma fortuna para o ter numa ‘localidadezinha’ como esta. As freguesias que conseguiram outrora, conseguiram. Agora é cada vez mais complicado por causa dos roubos, dos assaltos… Agora tiram o posto dos correios. Nós demos algumas alternativas para servir os nossos fregueses, como é óbvio”. A alternativa passava por assumir este serviço no edifício da junta de freguesia. Sem sucesso. “Até se podia assumir, mas não havia contrapartidas para ninguém. Só que os recursos humanos são poucos. Nós, para assumirmos, teríamos que ter mais recursos humanos. E havia a necessidade de remunerarem alguma coisa para que nós assumíssemos isso, o que já existe em outras juntas de freguesia. [Segundo] o acordo que a Anafre [Associação Nacional de Freguesias] fez com os CTT, eu tenho conhecimento de que há juntas de freguesia em que eles pagam na ordem dos 700 euros. Eu já nem ia por aí. Um part-time, devido à população que é, chegava. Só que a resposta foi sempre negativa. Nós tentámos…”.
Com o encerramento definitivo do ponto CTT, a alternativa encontrada pela Ufsvm foi a colocação de um “terminal multibanco” no seu edifício e a disponibilização da sua viatura “para, assim que recebem as pensões, juntar o número de pessoas que a viatura leva”, deslocá-las a Beja ou a Mombeja para as levantarem.
Telma Lança, de 46 anos, prepara-se para abrir uma nova mercearia na aldeia, no mesmo espaço onde funcionava a que encerrou. Ainda em preparativos, também a proprietária do espaço tentou, junto dos CTT, disponibilizar o serviço que ali funcionava. Sem sucesso. “Tentei manter os serviços todos que tinha, que era a pay shop, que felizmente consegui manter, e o ponto de CTT. Dirigi-me aos CTT, falei com o chefe, e a resposta que obtive foi que antigamente, na altura em que a senhora abriu a mercearia, ainda davam o ponto de CTT a empresários em nome individual, mas neste momento já não dão. Só a empresas de grande dimensão”. Um serviço que considera importante, tendo em conta que é uma aldeia envelhecida. “Não há um multibanco na aldeia, não há uma farmácia, não há nada. Acho que o ponto de CTT era fundamental”.
A falta de médico de família Se o encerramento do ponto CTT na aldeia entristece a população, a questão da falta de um médico de família ainda é mais sensível. “Agora, nem médico de família temos. A médica abalou. Nem médica, nem correios, vai acabando tudo”. Luís Amarino, não consegue disfarçar o seu descontentamento, a preocupação suscitada pela falta de médico. “Tem-se visto que é no país todo. E é uma coisa mesmo essencial, que faz mesmo falta, o médico. Ainda faz mais falta do que os correios. Mas tudo acaba, o que é que você quer?”.
A falta de médico de família afetou Santa Vitória, mas também a Mina da Juliana, um pequena aldeia da freguesia. No entanto, segundo Sérgio Bravo, a partir de 7 de outubro, a Mina da Juliana voltará a ter clínico, com este a deslocar-se à extensão de saúde nas “primeiras segundas-feiras de cada mês”. No entanto, em relação a Santa Vitória, ainda não há notícias. “Nós questionámos novamente em relação a Santa Vitória se há alguma previsão. Até à data, não havia resposta. (…) Em Santa Vitória é lamentável, porque a população são mais de 500 fregueses que ficaram de um momento para o outro sem médico de família”. Uma situação que, para além da questão imediata, representa um abandono do interior, na perspetiva do autarca. “É quase um abandono. Quando se fala que há despovoamento do interior que temos de combater, acho que fazem o contrário. Favorecem para que as pessoas saiam. Nós recebemos alguns casais jovens na freguesia, com a aquisição de casas, que são um pouco mais baratas do que na cidade, e agora veem-se confrontados com coisas que existiam na aldeia, para onde vieram, onde adquiriram a sua casa, e que neste momento, de um momento para outro, perdeu-se tudo. É complicado para nós, para eles, para toda a gente”.
A carrinha do padeiro já partiu há largos minutos. O largo da Praça, com o parque infantil vazio, também está praticamente deserto. Luís Amarino também se prepara para abalar. Mas ainda atira: “Está tudo cada vez mais na última. Isto vai-se acabando tudo. Chego a estar aqui sozinho, é uma aldeia morta. E como esta há muitas. O país vai mas é morrendo todo. Não é só a aldeia”.