Diário do Alentejo

Estado tem sido “relutante" em intervir na habitação

18 de fevereiro 2020 - 11:40

Os 100 anos do primeiro instrumento legal de habitação apoiada em Portugal foram marcados por “uma relutância do Estado” em assumir o papel de garantir casa a todos os cidadãos, avançou o arquiteto e historiador Ricardo Costa Agarez, professor da Universidade de Évora. “Houve muitos programas, muitas tentativas de se tratar do assunto, em termos de estratégia mais sólida e de maior duração. Esses programas ficaram sempre um pouco comprometidos por uma relutância do Estado em assumir, plenamente, o papel, por exemplo, de proprietário da habitação para as camadas com mais dificuldade em aceder ao mercado normal privado”, afirma.

 

Autor do livro “A habitação apoiada em Portugal”, que integra os ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos e que vai ser apresentado hoje em Lisboa, o arquiteto e historiador da arquitetura das cidades explicou que a intervenção do Estado, desde o primeiro diploma de habitação apoiada em 1918 até aos dias de hoje, tem sido de responder às solicitações e às necessidades de casa. “O problema da habitação tem sempre uma questão política por trás muito forte, portanto mesmo em tempos de ditadura a questão social não pôde ser evitada pelo Estado e pelo Governo”, indicou Ricardo Costa Agarez, contando os 100 anos de habitação apoiada em Portugal em cinco episódios: Primeira República, Estado Novo, Pós-Guerra, Pré-Comunidade Económica Europeia (CEE) e bonificações e barracas.

 

Para o historiador e professor no departamento de arquitetura da Universidade de Évora, a habitação nunca foi tomada de frente pelos Governos sucessivos, tanto em ditadura como em democracia. “Há sempre uma confiança mais ou menos aberta e mais ou menos assumida em que os privados vão conseguir, também, ajudar a resolver o problema”, referiu, revelando que o Estado assumiu o papel de interveniente direto da habitação apoiada entre 1918 e 1988, através de organismos da administração pública e do Governo central.

 

Após 70 anos de intervenção direta, o Estado passa a ter um papel indireto, nomeadamente de canalizar financiamentos para as câmaras municipais promoverem habitação apoiada. Em 2018, coincidindo com os 100 anos do primeiro diploma de habitação apoiada, o Governo apresenta a Nova Geração de Políticas de Habitação, para garantir o acesso de todos a uma casa adequada.

 

Passado um século do primeiro instrumento legal de habitação apoiada em Portugal, que previa “a construção em grande escala de casas económicas”, a conversa do Governo “parece muita a mesma”, responsabilizando-se o Estado pelo direito de habitação. “No diploma de 1918, a explicação que é dada para a falta de investimento na habitação é a de que os promotores e os proprietários não têm incentivo para o fazer […] escreve-se na lei que há uma grande falta de incentivo e que tem que ser o Estado a incentivar. É curioso que essa retórica volte agora”, apontou Ricardo Costa Agarez.

 

Em declarações à agência Lusa, o historiador da arquitetura das cidades reforçou que, “ao longo de 100 anos, o Estado em Portugal não teve uma intenção, uma estratégia perfeitamente determinada, uma determinação clara, em apoiar a habitação para as populações mais necessitadas. Os votos que faço é que, desta vez, se montem as estruturas necessárias para se, não apenas, incentivar os proprietários, mas também se deem os exemplos bons e se tomem as iniciativas necessárias da parte dos poderes públicos”.

 

Além do livro, Ricardo Costa Agarez coordenou o projeto “Habitação: Cem anos de políticas públicas em Portugal, 1918 – 2018”. Em 4 de fevereiro, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, desresponsabilizou os proprietários e os agentes imobiliários pela “enorme dificuldade” de acesso à habitação em Portugal, assumindo que “a culpa é mesmo do Estado” e definindo como prioridade a edificação de um parque público de habitação.

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