Diário do Alentejo

Cultura de cereais é a menor dos últimos 100 anos

03 de fevereiro 2020 - 11:20

A área de cereais de outono/inverno cultivada no País em 2019 foi a menor em 100 anos, entre 1919 e 2019. Portugal é altamente deficitário em cereais – apesar de nos últimos anos também exportar milho e arroz – e o Estado e produtores adotaram um plano de cinco anos com medidas para aumentar a produção cerealífera, reduzindo a dependência do exterior e contribuindo para a segurança alimentar. Neste contexto, cinco organizações de produtores alentejanos lançaram uma marca certificada de cereais da região.

 

Texto Carlos Lopes Pereira

 

Governo e associações de produtores cerealíferos convergem na necessidade de concretizar a Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais. Numa reunião recente, no Ministério da Agricultura, com dirigentes da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (Anpoc), da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (Anpromis) e Associação de Orizicultores de Portugal (AOP), a ministra Maria do Céu Albuquerque garantiu o empenho governamental na implementação da estratégia de promoção de cereais. Portugal é um dos países da União Europeia com menor grau de aprovisionamento de cereais – apenas 23 por cento das necessidades – e a área de cultivo de cereais no País diminui há vários anos consecutivos.

Em meados de 2018, foi aprovado um conjunto de medidas visando atingir, num horizonte de cinco anos, até 2023, um grau de autoaprovisionamento em cereais de 38 por cento (80 por cento de arroz, 50 por cento de milho e 20 por cento de cereais praganosos – aveia, cevada e trigo). Entre as medidas prioritárias planeadas para reduzir a dependência externa, consolidar e aumentar as áreas de produção, criar valor na fileira dos cereais e viabilizar a atividade agrícola em todo o território, contam-se a redução dos custos de energia, a dinamização da produção nacional de semente certificada e de genética nacional e o acompanhamento do processo de reconhecimento das organizações de produtores.

 

A simplificação do processo de licenciamento de infraestruturas hidráulicas; o aumento da capacidade de armazenamento de água e a melhoria da eficiência do uso dos recursos hídricos e energéticos; a valorização da produção nacional; o reforço do controlo sanitário à importação; e diversas medidas agroambientais são também contempladas na estratégia.

Uma das ações que já avançou neste quadro foi o lançamento da marca “Cereais do Alentejo”, em meados de 2019, por cinco organizações de produtores associadas da Anpoc – Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches, Cooperativa Agrícola de Beringel, Cersul, GlobAlqueva e Procereais.  A associação estima que a marca pode vir a gerar um volume de negócios no valor de dois milhões e meio de euros em dois anos, envolvendo cerca de 10 mil toneladas de cereal e abrangendo uma área cultivada de mais de três mil e 300 hectares.

 

O presidente da Anpoc, José Palha, considera que, além do “papel agregador da fileira de cereais”, a marca pretende contribuir para o desenvolvimento económico e social do País através da redução da dependência alimentar em relação ao estrangeiro e da consolidação e aumento das áreas de produção cerealífera. Por seu turno, André Soares, responsável operacional da Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches e vice-presidente da Anpoc, corrobora que, com a sua produção certificada, a criação da marca assegura a qualidade do produto e contribui para a segurança alimentar do País e para a defesa do ambiente, já que os cereais, cultura de outono/inverno, consomem pouca água.

Sobre a redução da produção cerealífera, e relativamente à área de influência da cooperativa (concelhos de Beja e Serpa, principalmente, e zonas limítrofes), André Soares aponta como causa da diminuição de produção o preço dos cereais e a valorização de culturas permanentes como o olival e o amendoal. Nos dois concelhos, produzem-se hoje cerca de quatro a cinco mil hectares de cereais, sobretudo de sequeiro, predominando a cevada (quase toda destinada ao fabrico de malte, para a indústria cervejeira) e o trigo (mole e duro). Há mais dois mil hectares, de regadio, de milho para forragem, produto em que o mercado nacional é “altamente deficitário”.

Em 2018, os cereais representaram apenas 3,4 por cento da produção na agricultura nacional, com 246,2 milhões de euros, constituindo o milho em grão a componente com maior peso na produção cerealífera (58 por cento), seguido pelo trigo e espelta (17 por cento) e pelo arroz (16 por cento).  Segundo o gabinete da ministra da Agricultura, numa resposta a questões colocadas na Assembleia da República pelo deputado João Dias, eleito do PCP pelo círculo de Beja, “apesar de Portugal continuar a ser um país deficitário em cereais, nos últimos anos tem vindo a desenhar-se uma tendência de incremento das exportações, principalmente no que diz respeito ao milho e arroz”.

Com efeito, em 2018 o valor das exportações aumentou muito mais do que o das importações, com o milho e o arroz a serem os principais responsáveis por estes aumentos. No que se refere a quantidades, nesse ano foram exportadas 305 mil toneladas de cereais, exceto arroz, com o milho a representar 89 por cento do total. De referir que as exportações de milho quadruplicaram em quantidade nos últimos cinco anos. No caso do arroz, foram exportadas 82 mil toneladas (mais 12 por cento face ao ano anterior).  Por outro lado, as importações de cereais, no seu conjunto, “têm vindo a registar uma tendência de aumento”. No que se refere à repartição por cereal, “o milho e o trigo continuam a ser os principais cereais importados, com 60 por cento e 30 por cento, respetivamente, face ao total de importação de cereais incluindo o arroz”. 

 

As origens de importação são distintas, consoante o tipo de cereal. O milho é importado principalmente de países de fora da União Europeia (71 por cento, em média) e a importação do trigo, pelo contrário, “apresenta predominância nos países comunitários (96 por cento, em média)”. No caso do milho, em 2018, a Ucrânia continua a liderar o grupo das principais origens, seguindo-se o Brasil, que tem vindo a aumentar a sua quota de mercado. No que se refere ao arroz e para o agregado anual, Portugal importa sobretudo das Guianas (56 por cento). Espanha corresponde à segunda origem do arroz, seguindo-se o Camboja. Em 2018, Myanmar passou também a ter um papel importante nas quantidades de arroz importadas por Portugal.

 

A MENOR SUPERFÍCIE DE CEREAIS CULTIVADA EM 100 ANOS 

A área de cereais de outono/inverno cultivada em Portugal em 2019 foi a menor em 100 anos, entre 1919 e 2019. No ano passado, foram cultivados no País 20 mil hectares de trigo mole, quando em 2014 este cereal ocupava mais do dobro de superfície (46 mil hectares). A área de cultivo do centeio e da aveia também recuaram nesses cinco anos, passando, no caso do centeio, de 20 mil hectares em 2014 para 15 mil hectares em 2019, e no caso da aveia de 51 mil hectares em 2014 para 35 mil hectares no ano findo. Em sentido inverso, nesse período, o trigo duro duplicou de área, de dois mil para quatro mil hectares, e a cevada passou de 17 mil hectares para 20 mil hectares. No período de um século, a situação mudou radicalmente: a superfície de cereais de outono/inverno no País era, em 1919, de cerca de 900 mil hectares, passando para menos de 200 mil hectares em 2019. O auge da produção cerealífera ocorreu nas décadas de 1940 e 1950 – quando a política agrícola salazarista pretendeu transformar o Alentejo, dos latifúndios, no “celeiro da Nação”.

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