Em Montemor-o-Novo, à paralisação no 1.º de Maio segue-se uma nova greve, uma semana depois. Dia 9, vários ranchos regressam ao trabalho mas sob condição de cumprirem apenas oito horas e de os salários serem aumentados para 40 escudos. Como os patrões não cedem, os operários agrícolas abandonam o trabalho e regressam a casa. Pelo caminho, mobilizam outros trabalhadores. O número de pessoas em greve ascende a cerca de cinco mil. Ao fim de quatro dias de paralisação acaba o sol a sol e os salários são aumentados.
"A notícia da luta pelas oito horas espalha-se como vento", escreve António Gervásio. E chega agora a Setúbal, Palmela, Pinhal Novo, Moita, Montijo e Coruche onde, a 28 de maio, são criadas comissões de levantamento de ranchos com o objetivo de parar a monda de arroz. Os ranchos de fora, dispostos a trabalhar de sol a sol, são obrigados a deixar a região. A Coruche chega, entretanto, um enorme dispositivo da GNR, com militares armados com metralhadoras. Há prisões. Alguns grevistas têm de fugir. Mas milhares de trabalhadores mantêm-se irredutíveis, acabando por conseguir impor o novo horário de trabalho.
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Em poucas semanas, a greve dos operários agrícolas impõe as oito horas de trabalho no Alto Alentejo e no litoral alentejano, em boa parte do Baixo Alentejo, parte da Extremadura, do Ribatejo e do Algarve. "Dezenas e dezenas de ranchos, ao abandonarem o trabalho, transformaram-se em amplos grupos ou comités de greve. Eles percorreram as herdades e as localidades vizinhas mobilizando os seus camaradas para o movimento grevista. ‘Não trabalhemos mais de sol a sol! Só trabalhemos com as oito horas!’ foi o grito unânime, a consigna comum que uniu todo o proletariado agrícola do sul num potente movimento de massas", refere António Gervásio. A mobilização dos trabalhadores é acompanhada, como vimos, por ações intimidatórias junto dos ranchos oriundos de outras regiões do País, em particular das Beiras, que se deslocavam para efetuar trabalhos agrícolas no Alentejo e que, nalguns casos, não queriam aderir às greves. "O movimento era potente, dava confiança e impunha respeito. Os ranchos de fora, nuns casos, aderiram ao movimento, noutros casos abandonaram o trabalho e foram para as suas terras".
Num texto escrito em maio de 1969, pouco antes de voltar a ser preso, António Gervásio refere que os grandes proprietários e o governo se "assustaram" com o movimento dos operários agrícolas. "Nos primeiros tempos tomaram um conjunto de medidas com vista a abafá-lo, no sentido de que as oito horas não vingassem. Fizeram dezenas de prisões. Muitas localidades foram tomadas militarmente pelas forças repressivas da PIDE, GNR e PSP. Fizeram espancamentos. Recorreram aos despedimentos em massa. Não empregavam pessoal do Sul e iam buscá-lo a outras províncias (...) a conquista das oito horas não foi fácil. Custou muito trabalho, prisões, espancamentos, mas os trabalhadores venceram".
CONJUNTURA MENOS ADVERSA
Em maio de 62, a conjuntura apresentava-se menos adversa do que noutras ocasiões, uma vez que o regime tinha sido claramente desafiado em ações como os assaltos ao quartel de Beja e ao paquete Santa Maria. "Agrava-se a crise da ditadura e o seu isolamento nacional e internacional. Crescia a luta operária nas empresas e nas ruas. Crescia o descontentamento popular e a força da oposição". Desta vez, ao contrário do que tinha sucedido nas ocasiões anteriores, "havia organização e direção", o surgimento da Rádio Portugal Livre (RPL) permite contornar a censura e as reivindicações em causa correspondiam, desde há muito, a aspirações profundamente sentidas pelos camponeses do Sul. Por outro lado, a conquista das oito horas de trabalho no Litoral alentejano – amplamente difundida pela imprensa clandestina afeta ao PCP, com particular destaque para a RPL – galvaniza os protestos. Em poucos dias, são uma realidade em localidades como Santa Margarida do Sado, Escoural, Viana do Alentejo, Portel, Évora, Azaruja, Avis, Mora e Alcórrego.