Texto José Serrano
Professor. Exerceu o cargo de presidente da Escola Secundária António Inácio da Cruz e foi diretor da Escola de Desenvolvimento Rural, em Grândola. Foi vice--presidente da Associação Portuguesa das Escolas Profissionais Agrícolas. Foi vereador e presidente da Assembleia Municipal de Grândola. Foi membro da Mesa do Congresso da Associação dos Municípios Portugueses. Recebeu a medalha de ouro do concelho de Grândola. Tem 14 livros publicados.
António Chaínho apresentou, na passada sexta-feira, no Cineteatro Grandolense, em Grândola, o seu mais recente livro, intitulado A escrava Domingas. Trata-se de um romance de época que se desenrola no contexto da escravatura no Vale do Sado, ao longo do século XVIII.
Quem é Domingas, a personagem central desta obra? Domingas é uma escrava, negra, vinda da foz do Zaire, Angola, propriedade do morgado de São Mamede, tal como outros nove escravos. Na esperança de alcançar a sua dignidade e a de todos os outros, trava uma batalha de resistência, ao longo de quase toda a sua vida, sujeitando-se a torturas, humilhações e segredos inconfessáveis, numa história passada entre Alcácer do Sal, Torrão, São Mamede, Santa Margarida do Sado, Azinheira de Barros e Grândola.
Ter uma mulher como protagonista desta história assume um significado propositado?Sim. Este livro é um grito contra a exclusão, a desigualdade e o poder dos mais fortes contra os mais fracos, e a mulher já era, à época que o livro retrata, o elo mais frágil da sociedade. Neste período infeliz do nosso império, o acesso aos seus elementares direitos ainda foi mais gritante e eu procurei uma mulher resiliente e consciente daquilo que desejava para si e para os seus, dando assim mais realce à narrativa que construí.
Este romance reaviva a história da escravatura em Portugal. Qual foi a dimensão desta prática social tirânica, no País e nomeadamente no Alentejo, durante a época que retrata este livro?Foi uma moda interesseira na época. Ter escravos significava possuir mão-de-obra barata, com resistência ao paludismo, a que os locais não eram imunes. Para além de outras “mordomias”, especialmente de natureza sexual, que os donos obtinham das suas escravas. Qualquer proprietário, eclesiástico, nobre ou mesmo homem da corte, tinha o seu séquito de escravos. Em Grândola, por exemplo, no seculo XVII, existiam 574 escravos, não se contabilizando o vale do Sado onde, na aldeia de São Romão, viveriam 127.
De que forma se documentou para escrever este livro?Falei com descendentes africanos em São Romão, Rio de Moinhos e Santa Margarida do Sado, que me deram testemunhos dos seus antepassados. Recorri também a arquivos da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, da arquidiocese de Évora e de historiadores, que se dedicaram ao estudo dos “mulatos” do Vale do Sado.
Considera que, três séculos depois, esta conduta despótica pertence unicamente aos livros ou corremos o risco de a história se repetir?Vivemos hoje outra experiência dessa natureza, agora mais de natureza economicista, mas igualmente desumana e, em certas zonas, incontrolada. A ganância do lucro leva a que muita gente, com atividade nos campos do Alentejo, utilize, ilegalmente, outros escravos que, desta vez, não são oriundos de África, mas do leste europeu e de outros pontos do mundo.