Não foi, evidentemente, um Leonardo da Vinci pacense dos nossos dias, mas, se acaso de tal se aproximasse, não creio que por aqui houvesse muitos mecenas dispostos a apoiá-lo. Porventura, porque ele também não acreditava que cá dessem importância às coisas que ele fazia. Penso que, uma certa vez, terei dito ou terei escrito que a ele se podia aplicar o que Raul Brandão disse de Fialho de Almeida: “Se o virassem do avesso, escorria ternura”. O que talvez − creio-o hoje − não fosse inteiramente verdade, por nem sequer ser preciso para isso virá-lo do avesso. Sensível como era, também seria às vezes suscetível, o que podia trazer dificuldades nalguns relacionamentos, mas creio que a razão se deve encontrar nalguma vulnerabilidade que lhe tivesse ficado das asperezas dos seus primeiros tempos e da desconfiança que teria relativamente àqueles que não levam muito a sério os homens apaixonados e sonhadores como ele.
Devo aqui dizer também e lamentar que foram mais os quadros que me deu que aqueles que lhe comprei… o que em mim ainda causa um difícil amargor, sobretudo após saber das grandes dificuldades económicas que chegou a defrontar, algumas em consequência do amor de perdição que teve pelas cartas de Soror Mariana e pela aquisição de obras fundamentais, nomeadamente de um exemplar da 1ª edição das Lettres Portugaises, após não ter conseguido que entidades oficiais o fizessem. Um precioso exemplar da edição sobre a qual passam no ano corrente exatamente três séculos e meio.
Acerca da autoria dessas cartas, não queria pronunciar-me, a não ser para dizer que creio que as houve e saíram da mão de Soror Mariana, tantos são os pormenores relativos ao espaço em que se insere este convento constantes da chamada tradução francesa, apesar de, até hoje, ninguém ter encontrado em parte alguma quaisquer originais em português. Mas acredito também que a dita tradução tenha sido, ela própria, criação, ainda que partindo de versão que o tempo destruiu ou extraviou.Por estas e por outras, é que julgo ser de aplaudir o congresso a haver sobre este tema, ainda que, sem congresso, Soror Mariana e as cartas já apaixonem o mundo e já atraiam a Beja gentes de todas as partes.
De aplaudir é igualmente a edição para breve de uma nova versão do livro de Borrela sobre as Cartas de Soror Mariana (cuja primeira edição está a fazer doze anos) como serão de louvar e agradecer a edição da “Iconografia Pacense”, com os textos e os desenhos publicados no “Diário do Alentejo” entre 1995 e 2000, a abertura ao público de um espaço − que poderia ser o seu atelier − onde fosse possível aceder à sua obra e, finalmente, a consumação da construção do “monumento ao bombeiro”, pelo qual eu sei que ele tinha um particular carinho.
E é tempo de acabar. Já gastei tempo em excesso. Mas outros aqui dirão melhor do que eu sobre ele, abordando em diferentes perspetivas a obra que nos legou o nosso Leonel Borrela. Gostaria, no entanto, que me deixassem ainda, para terminar, dizer que, tal como admito que todos os que a amamos mantemos uma perpétua dívida com Beja, também Beja manterá uma dívida eterna com Borrela. Mesmo depois de a pagar.
Notas:
1) Num gabinete em que, se bem me lembro, também chegou a trabalhar o escultor Manuel Rosa e se situava à esquerda de quem descia a rua Teófilo da Trindade, muito perto da sua confluência com o Antero de Quental.2) Sendo talvez escusada esta alusão, permitam-ma e compreendam-na, por corresponder a um tempo e a um lugar para mim inesquecíveis − e talvez mais ainda, porque, aí, também eu, algumas vezes, não só me juntava a eles como também juntava com os deles o meu copo e o meu garfo.