Carlos Campaniço, 52 anos, natural de Safara, Moura
Estudou em Safara até aos 12 anos, tendo, posteriormente, continuado os estudos na Escola Secundária de Moura, na qual terminou o ensino secundário. Ingressou na Universidade do Algarve onde se licenciou em Estudos Portugueses – Línguas e Literaturas Modernas. Mestre em Cultura Árabe, Islâmica e o Mediterrâneo é, profissionalmente, programador artístico e produtor de eventos culturais.
Recentemente publicado, A Cinco Palmos dos Olhos é o novo livro do escritor Carlos Campaniço, nona obra literária do autor.
Como nos apresenta este seu novo livro?O cenário é uma aldeia alentejana e toda a ação se passa no Alentejo. A história deste livro começa nos pós-25 de Abril, no fim da Guerra do Ultramar, no período da Reforma Agrária. Pretendi explorar, essencialmente, os sentimentos de medo e euforia coletiva que se verificaram inicialmente e aqueles que ocorreram depois, numa altura onde a esperança e a alegria dos novos tempos coabitaram com o desânimo, por não se estarem a cumprir os ideais revolucionários. Numa época tão rica emocionalmente, tentei escrever como se acompanhasse várias personagens, dando a versão de cada uma sobre os acontecimentos. Conquanto haja personagens que se destacam, não há nesta trama um protagonista, um herói. A personagem principal é a própria aldeia e o seu devir. Os acontecimentos históricos, tão relevantes, são secundarizados pela vida diária e efervescente das personagens.
Este Alentejo rural que apresenta nesta sua obra é a região que recorda pelos seus “olhos de infância”?Sim, é uma obra saída das minhas próprias memórias, dos meus “olhos”, se quisermos. Como em todos os meus livros (que os não considero históricos, mas de época), a História nunca se sobrepõe à imaginação do autor e à criatividade literária.
Essa memória do território é muito diferente da região que hoje se lhe apresenta?Do meu Alentejo, da minha aldeia, sobretudo, guardo duas memórias bem distintas: a de um sítio populoso, pejado de crianças, dinâmico, buliçoso, até; e, mais tarde, a de um lugar com pouca gente, quieto e anémico. Estas duas realidades estão presentes no livro e não por acaso.Há o Alentejo da minha infância e há o da vida adulta, na década de 90 – todos os esquecimentos e abandonos se agravaram desde essa data até aos dias de hoje.
Pretende esta obra, também, ser um exercício de “insurgimento” perante o aparente esquecimento de “Lisboa” à região?Pretendo que as minhas obras sejam um meio para a reflexão. Eu escrevo sobre aquilo que me inquieta, que me perturba. Sobre o esquecimento de Lisboa à região, e a todo o interior, deveria haver um movimento de fundo que exigisse aos governos o seguinte: sem acesso condigno à Saúde, às redes viárias, aos transportes públicos, ao policiamento de proximidade, os habitantes do interior do País deveriam pagar metade dos impostos, comparativamente aos habitantes do Litoral, aos quais o Estado não falha. Uma lógica de utilizador/pagador. Porquê pagar impostos por igual se não se usufrui com qualidade, nem integralmente, dos serviços básicos do Estado?
O que mais gostaria que este livro despertasse nos seus leitores?Gostava que esse livro ajudasse os leitores a compreender como se chegou aos dias de hoje, quando tivemos uma chance inigualável de construir uma outra sociedade. Melhor. José Serrano