Diário do Alentejo

Língua azul ataca novamente rebanhos de ovinos no “Campo Branco”

11 de outubro 2025 - 08:00
Produtores da região, com “enorme preocupação”, questionam eficácia de vacinaFoto | Ricardo Zambujo

Mortalidade em animais adultos e abortos em várias fases da gestação são algumas das consequências da reincidência da febre catarral ovina que, verificando-se, particularmente, nos concelhos de Ourique, Almodôvar e Castro Verde, em animais vacinados, colocam em causa a eficácia da vacina já administrada, neste ano, a cerca de 80 por cento do gado ovino do território.

 

Texto | José SerranoFoto | Ricardo Zambujo

 

Depois do surto de 2024, o vírus da febre catarral ovina, que afeta os ruminantes, está novamente a preocupar os produtores de gado do Baixo Alentejo, particularmente, aqueles que têm as suas explorações pecuárias na zona do “Campo Branco”, com o aparecimento, desde há “menos de um mês”, de sinais “evidentes” da doença, também designada língua azul, em rebanhos de ovelhas.

Nuno Faustino, presidente da direção da Associação de Criadores de Porco Alentejano e, também, produtor de ovinos, apresenta a inquietação dos seus congéneres da região, uma vez que se registam novos casos de morbilidade e mortalidade “na maioria” das explorações do território. “Atrevo-me a dizer, pelos relatos que me têm chegado, que mais de 80 por cento dos rebanhos de ovelhas dos concelhos de Ourique, Almodôvar e Castro Verde apresentam sintomatologia – já não conheço ninguém, num universo de centenas de produtores, que não registe casos de língua azul”, diz Nuno Faustino, sublinhando a “enorme preocupação” com que vivem. “Para além de notórios sintomas – os animais ficam prostrados, com as orelhas caídas, vermelhidão e espuma à volta da boca, com dificuldade de locomoção –, há animais a morrer, animais gestantes a abortar e ovelhas que, mesmo que parindo, na maior parte dos casos não têm leite para dar aos filhos”.

Com a proximidade da época natalícia, um dos períodos em que o mercado mais valoriza o borrego, o quadro que se revela, diz, é “quase dantesco, de uma gravidade imensa”, uma vez que os criadores “estão a ver que o fruto do seu investimento não vai existir”. Nuno Faustino questiona o porquê da reincidência da doença, uma vez que a vacinação do vírus da língua azul faz parte do programa da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). “Os animais têm vindo, neste ano, a ser administrados com uma nova vacina, diferente da do ano passado, recomendada pela DGAV, que não está a ter o efeito que se esperaria, pois deveria apresentar, nesta altura, o auge da sua eficiência. Nós não somos veterinários nem especialistas em vacinas mas a nossa perceção, por aquilo que vemos no campo, nos animais, é que esta vacina, de um novo laboratório, parece ter uma eficácia fraca ou nula. Esta é a nossa interpretação”.

A ideia da ineficácia da vacina administrada neste ano aos ovinos é corroborada por Carlos Alves, sócio da Proovis – Associação Portuguesa de Criadores de Ovinos Romane, sediada em Ourique. “Dos animais adultos que vacinámos no ano passado, com uma outra vacina que não esta, poucos apresentaram sinais da doença, porque como a levaram há menos de um ano (a vacina ‘antiga’, entenda-se), ainda estão com imunidade, pensamos nós que seja isso. No entanto, neste ano, num rebanho meu de 300 borregas de reposição – animais com menos de um ano, que servirão para substituir as mais velhas –, vacinadas, pela primeira vez, há um mês e meio, com esta vacina nova, todas elas vêm apresentando, desde há duas, três semanas, sintomas da doença, e cerca de 60 estão muito debilitadas, só ainda não morreram porque as vigiámos muito e gastamos muito dinheiro em antibióticos”.

Também Rui Sequeira, um outro produtor de ovinos, em Ourique, informou o “Diário do Alentejo” que, com os animais do rebanho “estáveis, durante um ano inteiro”, o seu efetivo, depois de vacinado “com a vacina deste ano”, começou a exibir, desde há oito dias, sinais explícitos da doença. “Tanto assim é que nesta semana já me morreram seis ovelhas e esta manhã [segunda-feira, dia 6] encontrei mais duas contaminadas, com dificuldades em andar – tivemos de as levar até ao monte na carrinha. E há outros produtores, com quem eu lido diariamente, que me têm dito que as suas ovelhas, há pouco vacinadas, estão a parir animais mortos… A gente não sabe o que há de fazer, se devemos administrar ou não uma outra vacina… Não sabemos o que havemos de decidir, sentimo-nos entre a espada e a parede”.

Nuno Faustino, admitindo que “as evidências apontam para que a vacina terá tido alguma responsabilidade nos abortos”, considera imprescindível que a DGAV seja célere nos “esclarecimentos oficiais”, no sentido de trazer “clareza sobre este processo, porque com este problema da aparente ineficácia da vacina vão começar aqui a surgir desconfianças”. E questiona: “Qual é a verdade? A vacina não é, realmente, eficaz ou há aqui um outro problema qualquer que nós desconhecemos? O que é que se está a passar? É preciso dizer alguma coisa às pessoas, para que possamos atacar o problema o mais depressa possível”.

No âmbito desta conjuntura, Ana Rita Simões, coordenadora do Agrupamento de Defesa Sanitária (ADS) do Campo Branco, com uma área de intervenção que engloba Aljustrel, Ourique, Castro Verde e Almodôvar, nota que, “ainda que supostamente deveria ter desaparecido no inverno”, se constatou, em articulação com a DGAV, que não se chegou a verificar, na região, a ausência de vetor – “esta é uma doença transmitida por um mosquito, sendo o final de agosto e o início de setembro a altura em que acaba por estar mais infetante, com maior quantidade de vírus”. Desta forma, diz, com a “preocupação” da persistência da doença iniciou-se em abril “uma campanha de vacinação com os serotipos 1, 3 e 4”, prolongada pelos meses seguintes, com uma taxa de vacinação atual “extremamente boa, a rondar os 80 por cento de ovinos vacinados”. Contudo, expõe, verificou-se a reincidência da doença, “sobretudo, a partir da segunda semana de setembro”, sendo mais expressiva a sua evolução nos concelhos de Ourique, Castro Verde e Almodôvar. “À data de hoje, se tomarmos como exemplo uma exploração de 300/400 ovinos, já vamos com 60/70 animais doentes. A mortalidade, mesmo assim, não é tão intensa como foi a do ano anterior, mas o número de abortos, nas várias fases de gestação dos animais, vai sendo cada vez maior”, adianta.

Apelando a que os produtores com animais atingidos reportem a situação aos médicos veterinários, para que estes informem os serviços oficiais, de forma a poder-se avaliar acerca “da gravidade e incidência” da enfermidade. Ana Rita Simões esclarece que pela análise das amostras – “sangue, abortos” – enviadas pela ADS do Campo Branco para o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (Iniav) é o serotipo 3 da doença que tem sido detetado, precisamente, um dos serotipos de uma das vacinas que tem vindo a ser administrada. Por essa razão, a responsável considera que as expectativas criadas “quer pelos produtores, quer por nós, médicos veterinários, de um ano muito mais tranquilo, porque tínhamos os animais vacinados e protegidos contra o agente”, ficaram aquém do que seria previsível. Assim sendo, “uma vez que se levantam aqui uma série de questões, temos já agendada, para esta semana, uma reunião técnica entre nós, veterinários que temos estado no terreno, representantes do Iniav e do laboratório que produz a vacina, no sentido de tentarmos compreender o que é que se está a passar, para podermos esclarecer os nossos produtores e tomar as decisões certas”, transmite a coordenadora do ADS.

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