A União de Freguesias de Panoias e Conceição, no concelho de Ourique, tem vindo a registar ao longo das últimas eleições autárquicas, pelo menos desde 2009, participações nas urnas sempre acima dos 80 por cento. No escrutínio de 2017 apresentou mesmo uma taxa próxima dos 90 por cento. A explicação para esta mobilização do eleitorado poderá estar na sua proximidade com os candidatos autárquicos.
Texto | Nélia PedrosaFoto | Ricardo Zambujo
As ruas de Conceição encontram-se praticamente desertas a meio da manhã. Reflexo do envelhecimento e do despovoamento que têm vindo a acentuar-se cada vez mais nas zonas do interior. Contrastando com o silêncio que impera nas ruas desta aldeia do concelho de Ourique só mesmo a azáfama que se faz sentir na cozinha da Associação Recreativa, Desportiva e Cultural de Conceição, onde Vera Guerreiro, de 45 anos, que explora o espaço há uma década, mantém debaixo de olho a confeção da feijoada que irá ser servida ao almoço a uma comitiva partidária em campanha para as Autárquicas de domingo, dia 12. As mesas, corridas, já estão postas; atrás do balcão, o tio de Vera vai dando uma ajuda, cortando o pão em pedaços, que acondiciona devidamente em pequenas cestas.
Nas eleições autárquicas de 2021, a União de Freguesias de Panoias e Conceição – duas antigas freguesias que se agregaram após a reorganização administrativa de 2013 – foi das que registou, no conjunto dos três concelhos com menor abstenção (Ourique, Barrancos e Cuba), o maior número de votantes. Dos 472 inscritos nos cadernos eleitorais, exerceram o direito de voto 378, ou seja, 80,08 por cento. No escrutínio de 2017 registou-se uma participação nas urnas de 89,15 por cento (485 votantes, dos 544 inscritos), em 2013, 87,78 por cento (510 votantes, dos 581 inscritos), e, em 2009, 85,56 por cento (563 votantes, dos 658 inscritos).
Sem mãos a medir, circulando entre a cozinha e o balcão, onde repõe embalagens de chocolates, Vera diz que não consegue encontrar uma justificação para tal mobilização nas urnas de voto. A única coisa que sabe é que efetivamente “as pessoas votam”. “É o nosso dever”, acaba por frisar, sem acrescentar muito mais.
Para Rita Porfírio, de 45 anos, que cruza a rua da associação a caminho da união de freguesias onde é assistente técnica, esta afluência às urnas acontece “porque são as Autárquicas”. “As pessoas têm mais interesse porque conhecem as pessoas dos partidos, e então, talvez, votem mais nas Autárquicas do que quando é a nível nacional ou para o Parlamento Europeu, não é?”. Não que seja o seu caso, apressa-se a sublinhar, adiantando que participa como membro das mesas de voto desde os seus 18 anos e que nem em época de pandemia de covid-19 deixou de cumprir com o seu dever. “Votei sempre em todas [as eleições]”, reforça, justificando que “é importante votar, principalmente, as mulheres, que antigamente não tinham voto na matéria”. “Enquanto a cabeça funcionar hei de votar sempre”, afiança.
Na direção oposta, de enxada na mão, depois de ter andado “de posse das oliveiras, limpado pasto, com medo de vir aí algum fogo”, segue Manuel de Brito, de 87 anos, uma vida dedicada aos trabalhos do campo. No domingo vai votar porque “pode ser que isto mude e que a gente fique aí melhor”. Pelo menos é essa a justificação que tem ouvido “por aí”. “É isso que as pessoas dizem, que é bom a gente votar para ver se isto muda, para que se arranje uma estrada, uns caminhos ou as ruas da aldeia, que também precisam. Aqui [da aldeia] para a Estação de Ourique [a estrada precisa de ser arranjada], para Panoias não”, diz, admitindo que vota no partido – “sempre no mesmo” – e não no candidato, “porque as pessoas depois de lá estarem fazem o que elas querem”.
“É importante contribuir para a democracia” A uns 16 quilómetros de Conceição, na paragem dos autocarros de Panoias, a poucos metros da igreja matriz constituída no século XVI, José Sesinando e um amigo põem a conversa em dia. “Vimos para aqui todas as manhã discutir a nossa política. Isto já é considerada a nossa Assembleia da República”, graceja o ex-encarregado de uma empresa de construção, de 76 anos, frisando que durante as três décadas em que andou a trabalhar “praticamente por todo o País” nunca deixou de exercer o seu direito de voto na sua terra natal. E mesmo durante o ano em que viveu na ilha da Madeira acabou por se recensear em Câmara de Lobos para poder votar nas Presidenciais de 1986, em que Mário Soares venceu Freitas do Amaral, na eleição mais disputada da democracia portuguesa.
“Voto sempre em todas as eleições, só se eu não puder mesmo”, reforça, justificando que “é um dever cívico”, pelo que “toda a gente deveria votar”, até porque o “pressentimento” que tem é que “cada vez há mais abstenção”. Provavelmente, afirma, porque “as pessoas já estão fartas da política, já estão fartas dos políticos”. Segundo José Sesinando, “é importante contribuir para a democracia”, e sem revelar qual a sua preferência política confessa que tem “votado sempre no mesmo partido”, independentemente se são Autárquicas ou Legislativas. “Nunca fujo à minha convicção. Às vezes corre bem, às vezes corre mal, mas acho que [no domingo] não me vou enganar”, admite. Quanto à elevada participação do eleitorado da união de freguesias nas Autárquicas, considera que “as pessoas vão votar porque querem manter a pessoa que governa o concelho e a junta, creio que é por isso que há menos abstenção”.
De saco de uvas na mão acabada de sair de uma das mercearias de Panoias, Ana Raposo, de 78 anos, garante que vota “pela pessoa e não pelo partido” – “eu nem sequer tenho partido” – e acredita que grande parte dos seus conterrâneos proceda de igual forma. “Acho que se vota mais pela pessoa [que se candidata], penso eu. Porque a gente conhece as pessoas. Se eu não gostar da pessoa não voto. Embora a gente não saiba se faz mal, se faz bem. [Domingo] à noite logo sei. Mas é diferente de quando é para o Governo, a gente só os conhece da televisão”. E será essa proximidade entre o eleitorado e os candidatos que poderá justificar a grande afluência da união de freguesias às urnas, reconhece.
Para além disso, no seu caso pesa o facto de “antigamente, quando era nova, não podia votar” e de hoje “ter essa liberdade”, pelo que não pode desperdiçar esse direito adquirido. “Antes do 25 de Abril não se votava. Portanto, se hoje há liberdade para votar vamos votar”, defende, acrescentando que vai acompanhando a campanha das Autárquicas pelo Facebook das amigas, que a mantêm informada sobre as propostas dos vários candidatos, se bem que já saiba “as promessas de cor e salteado”. “Todos fazem a mesma promessa. Já se ouviu algum dizer que não vai fazer nada? Nem nas Autárquicas, nem do Governo. Todos dizem: ‘Fazemos’. Então, o que é preciso é fazer”.
Os poucos inscritos nos cadernos eleitorais da união de freguesias que não votam [em 2021 foram 94] deverão ser, considera Ana Raposo, “as pessoas que já estão no lar, que não estão capazes, e outras que já não podem andar e que moram lá na ponta da vila [distante das mesas de voto]”. “Eu, enquanto puder andar, vou votar. Quando não puder acaba-se”, assegura.