A Estrada Regional 265, que liga Serpa a Mértola, está a degradar-se há vários anos. Há quem diga que desde o seu alcatroamento apenas houve “remendos pontuais” que “não duram muito tempo” e que, consequentemente, não resolveram a sua perigosidade. As populações e os autarcas dos dois concelhos sentem-se abandonados e pedem “urgentemente uma intervenção”, que teima em não chegar.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa Fotos Ricardo Zambujo
As curvas, ligeiras e acentuadas, juntam-se aos pequenos e grandes buracos no asfalto e fazem abrandar o carro. Para trás ficou o castelo de Serpa e, no horizonte, espera-se encontrar, mais cedo ou mais tarde, a ponte de Mértola, por cima do Guadiana. A estrada sinuosa que liga os dois concelhos há muito que preocupa quem por lá passa ou quem vê os outros passar.
Sentados num dos bancos verdes junto à paragem de autocarros, António Cavaco e Simplício Martins põem a conversa em dia. De vez em quando levantam ligeiramente a mão para cumprimentar quem segue em direção à mercearia do outro lado da estrada ou um e outro carro que, como é habitual, atravessa a pequena aldeia de Santa Iria.
“[Quando vamos para Serpa ou para Mértola] temos de ir com muito cuidado, com muito cuidado mesmo, porque estamos sempre arriscados a estragar uma jante ou qualquer coisa. Os buracos aparecem de surpresa...”, começa por descrever ao “Diário do Alentejo” (“DA”) Simplício Martins.
A estrada degradada, que se perde de vista por entre a serra, há muito que se tornou “o normal” e deixou de surpreender quem, dia após dia, vê o seu deterioramento.
“Da ribeira para lá, ainda está pior. Ali nas curvas mais perigosas é onde ela está mesmo toda degradada, [mas] já há uns anos”, revela.
Nascidos e criados na aldeia serpense, os dois homens dizem não compreender os “remendos” que têm sido feitos ao longo do troço que, nos últimos anos, tem sido utilizado cada vez mais por “camiões espanhóis”.
“Aquele buraco que está ali já o vieram remendar mais de 20 vezes. Está tudo assim, [a estrada] está toda lixada. Isto a ser arranjado não é no nosso tempo”, aponta, resignado, António Cavaco.
Uns quilómetros mais adiante, na aldeia vizinha de Vales Mortos, também Paulo Gonçalves adjetiva a Estrada Regional (ER) 265 como “um caminho de cabras” que não tem solução à vista.
“Nós temos dois carros a sair todos os dias, um até Mértola e outro até Serpa. Estamos aqui há 12 anos, fazemos a estrada seis dias por semana e até hoje ainda não vimos uma reparação, só remendos”, elucida o proprietário da padaria local.
Segundo Paulo Gonçalves, o estado da via tem vindo a desgastar as suas viaturas e trabalhadores, assim como, inevitavelmente, a redobrar a duração dos trajetos.
“Temos de andar sempre mais devagar, com mais cuidado. Há queixas feitas, [mas] o Governo não quer saber disto”, acrescenta.
“Esta estrada necessita de mais atenção, necessita urgentemente de uma intervenção”
Em determinados momentos, pelas curvas e contracurvas, surgem, para além da sinalética de perigo que alerta os condutores para o “mau estado” da via, cartazes interventivos pregados nos troncos das árvores que reivindicam uma operação “urgente” naquela estrada.
“Não é a única que está nestas condições, mas por ter esta particularidade de ligar dois concelhos, de servir uma vasta região com algumas populações dispersas que a utilizam diariamente, e por todas as atividades que há na zona, esta estrada necessita de mais atenção, necessita urgentemente de uma intervenção”, reclama ao “DA” o presidente da Câmara Municipal de Serpa, João Efigénio Palma.
A situação “muito, muito má” em que o troço se encontra é, segundo o autarca, representativo do “abandono a que toda esta margem esquerda do Guadiana está votada pelo poder central”, sendo inadiável a sua reparação.
“É preciso que olhem para nós, é preciso que olhem para os nossos acessos. Nós não podemos querer que as pessoas se fixem, que venham para o interior [e] que não abalem daqui sem olharmos para determinadas condições e uma delas são os acessos. Por isso, naturalmente, é com muita preocupação, e com revolta até, que olhamos para o estado lastimoso desta estrada”, adianta. Garantindo, de seguida, que “os remendos pontuais” que têm sido realizados “não resolvem o mau estado em que a estrada se encontra”.
Desta forma, o edil pediu uma reunião com as Infraestruturas de Portugal (IP), entidade responsável pela manutenção do troço, que deverá acontecer “muito brevemente” – ainda durante esta semana – por “via Zoom”, para “analisar todas estas situações” e “discutir as perspetivas que há de intervenção”. Ainda assim, até ao fecho da presente edição não foi possível obter mais informações quanto à mesma.Junto a uma das entradas de Vale do Poço, localidade que tem a particularidade de pertencer tanto ao concelho de Serpa como ao de Mértola, Ana Ventura prepara-se para regressar à estrada. Ao volante da carrinha branca de uma cadeia de distribuição diz conhecer bem a ER265 e que tem acompanhado de perto a sua situação.
“[Utilizo esta estrada] há muitos anos e tem vindo a degradar-se mais. Os buracos na estrada estão a piorar, são feitos remendos, mas esses remendos não duram muito tempo. Tem de se ir devagar, porque de repente aparece mais um buraco e temos de travar”, reconhece.
A falta de investimento nas últimas décadas e o aumento da sua utilização por parte de veículos pesados, nomeadamente, “camiões de madeiras” que regressam a Espanha pela Estrada Municipal 520, que liga São Marcos [Serpa] a Paymogo [Huelva], e autocaravanas que rumam em direção à praia fluvial de Mina de São Domingos, são os responsáveis pelo estado atual do troço.
Ainda assim, Mário Tomé, presidente da Câmara Municipal de Mértola, relembra que a situação “não é agora uma novidade”. “Quando tomámos posse, em 2021, e falo do município de Mértola – não sei se outros fizeram o mesmo para além do alarido público –, fizemos o relatório técnico da estrada 265 e o relatório técnico da estrada 267 [Almodôvar a Mértola], com o levantamento fotográfico, com evidências, com o reporte daquilo que são as condições já consideradas de perigosidade por parte da engenharia [e] remetemos para a IP”, revela ao “DA” o autarca.
Sobre o assunto, Mário Tomé admite que o executivo mertolense teve “reuniões com o outro Ministério das Infraestruturas” e que, após a alteração do Governo, voltou “a ter várias reuniões com o atual ministério”.
“Portanto, não estamos a falar de conversas, estamos a falar de reuniões documentadas com evidências daquilo que foi feito. Fizemos o nosso trabalho e, por isso, isto não é agora uma novidade desde que saiu na imprensa”, elucida.
O autarca recorda ainda que, anteriormente, o município “manifestou a vontade de discutir uma parceria público-privada para eventualmente intervir na estrada se a IP não tivesse essa capacidade”, porém não foi “possível”.
“Por isso, continuamos a reivindicar o problema, [porque] este é um problema desde sempre e que estamos a trabalhar para resolver”, afirma.
Na aldeia da Mina de São Domingos o descontentamento e a preocupação da população são idênticos aos proferidos nos últimos 30 quilómetros, desde a localidade de Santa Iria. As “queixas” perante as condições da estrada são “de toda a gente”, mas “não se vê uma força, um interesse da parte de quem é responsável”.
À porta do seu estabelecimento comercial, Rute Medeiros vê o corrupio de carros e autocaravanas que diariamente chegam ao antigo complexo mineiro. A viver na aldeia há 18 anos, diz, sem hesitar, que não se lembra de alguma vez “terem arranjado a estrada” e que, “ano atrás de ano”, esta tem vindo “sempre a piorar”.
“Há alguns meses para cá, para não dizer já há um ou dois anos, por exemplo, quando vou da Mina de São Domingos para Beja prefiro ir daqui por Mértola, mesmo fazendo mais alguns quilómetros, só para evitar estes 30 quilómetros até Serpa. São muito penosos, é buraco atrás de buraco, buraco atrás de buraco”, reclama.
Também Maria Martins, residente na aldeia, garante que “desde miúda” que conhece “a estrada assim” e que hoje, com 63 anos, esta situação não a surpreende. “A primeira vez que alcatroaram [a estrada] tinha seis ou sete anos, e desde então é só remendos. Está uma lástima, eu nunca vi uma estrada destas. Quem faz esse trajeto todos os dias dá cabo dos carros”, garante. E acrescenta: “Aquilo é um labirinto, queres-te safar de um [buraco] e metes-te noutro”.
Antes de regressar ao trabalho, depois da entrada de mais um cliente na loja de cosmética e produtos medicinais, Rute Medeiros rebate. “Há um ou dois anos – eu moro mais ou menos a dois quilómetros da Mina, num monte que vai para Serpa –, ali à entrada do monte, estava um buraco enorme [e] por duas vezes [que] dois carros que passaram tiveram rebentamentos de pneus. Isto é revoltante, esta região está esquecida”, termina.

Segunda intervenção na estrada que liga Mértola a Almodôvar “está em concurso público”
Os cerca de 28 quilómetros que faltam requalificar da estrada regional 267, que liga os concelhos de Mértola a Almodôvar, estão, neste momento, “em concurso público”. Segundo Mário Tomé, presidente da Câmara Municipal de Mértola, após “uma primeira intervenção de 12 quilómetros” é agora “um dado absolutamente relevante” que a segunda fase irá avançar. O autarca confirmou, ainda, que, na passada segunda-feira, dia 3, abriu o “concurso público” para a intervenção na ligação internacional/transfronteiriça, entre Mértola e o Pomarão, no valor superior a seis milhões de euros, e que, no próximo dia 21, dar-se-á início à obra na estrada que liga as localidades de Brito Gomes e São Miguel do Pinheiro, um investimento de cerca de um milhão de euros.