Apesar de todas as promessas feitas em sucessivas campanhas eleitorais, o Baixo Alentejo continua a ser o parente pobre do País. Há cerca de três semanas, o serviço intercidades na ligação ferroviária entre Lisboa e Évora, que é parte do percurso entre a capital e Beja, foi substituído por automotoras regionais, prejudicando, assim, o conforto dos passageiros e aumentando significativamente o tempo de viagem. É apenas mais um episódio dos vários de que a região se pode queixar e que se vem juntar à sempre adiada construção da A26 – entre Sines e Vila Verde de Ficalho – e aproveitamento em pleno do aeroporto, projetos estruturantes e fundamentais ao desenvolvimento económico e fatores essenciais para o rejuvenescimento do território e para pôr travão ao despovoamento.
Texto Aníbal Fernandes Foto Ricardo Zambujo
O acidente entre o intercidades que fazia a ligação Guarda-Lisboa e um camião numa passagem de nível perto de Alpedrinha, no concelho do Fundão, no passado dia 18 de junho, teve consequências imediatas na ligação ferroviária entre Beja e Lisboa e levou à substituição das composições que faziam o serviço entre a capital e Évora por automotoras do serviço regional, com o aumento do tempo de viagem e prejuízo do conforto dos passageiros.
No acidente arderam duas das cinco carruagens, tendo as restantes e a locomotiva ficado danificadas, deixando a CP com défice de composições de intercidades, optando a empresa por substituir o material circulante até aí utilizado na ligação Lisboa-Évora por automotoras UTE (Unidades Triplas Eléctricas) do serviço regional.
Apesar de não ter respondido às questões colocadas por email pelo “Diário do Alentejo”, a CP, citada pela “Lusa”, confirmou que “face à escassez de material circulante para operar no intercidades da Linha do Alentejo optou-se por uma solução que minimiza o impacto nos clientes, mantendo a totalidade da operação”, considerando, ainda, que esta solução, “de carácter temporário, permite aumentar a capacidade média por comboio de 190 para 264 lugares sentados, respondendo às necessidades de procura neste percurso”.
No entanto, a diferença entre um serviço e outro é evidente, começando na velocidade máxima que reduziu de 200 para 120 quilómetros/ /hora e que teve como consequência imediata atrasos em todas as viagens efetuadas pelos utentes da linha que serve parte do Alentejo, sem que o preço do serviço tivesse sido ajustado. Quanto a isso, a CP justificou-se dizendo que “os valores do intercidades no Alentejo são de base inferior à de outras linhas intercidades e pouco superior à tabela do inter-regional”.
Contudo, segundo o jornal “Público”, a empresa dispõe de carruagens espanholas Arco – compradas à Renfe – com um nível de conforto semelhante às do intercidades, mas a CP não explica a razão pela qual não as utilizou, apesar de estarem disponíveis. Também quanto ao tempo previsto para a resolução do problema optou por ficar em silêncio. Acresce que na Linha do Algarve, como o “Diário do Alentejo” confirmou, no serviço intercidades houve um reforço no número de carruagens deste tipo, de seis para oito.
Recorde-se que, em abril deste ano, o presidente da Câmara Municipal de Beja (CMBeja), Paulo Arsénio, na sequência das cheias que assolaram a zona de Valência, em Espanha, em outubro de 2024, e que, alegadamente, punham em causa a entrega dentro do prazo de 22 automotoras à CP, quis saber em que medida isso prejudicaria a operação no troço Casa Branca-Beja.
Em causa estava uma encomenda de 22 novas composições, 12 das quais tipo bimodo, o que permitiria a sua utilização em linhas não eletrificadas, e que beneficiaria a operação na Linha do Alentejo, que contava com material circulante desgastado devido à idade.
Uma fonte da CP, na ocasião, confirmou que, “face a diversas contingências, o fabricante prevê que já não seja possível o cumprimento do prazo de entrega” e que a empresa, “na exigência do cumprimento contratual”, tinha pedido à Standler “propostas de mitigação deste atraso”, mas até agora ainda não foi divulgado “um novo cronograma para a entrega das automotoras”, que deveriam começar a chegar em outubro deste ano.
PS e PCP protestam
Na quinta-feira da semana passada, quer as federações de Évora e Beja do PS, quer a Direção Regional do Alentejo do PCP, manifestaram-se contra a solução encontrada pela CP. Os socialistas consideraram “manifestamente inadequado para longas distâncias” o material circulante que está a ser utilizado pela CP; os comunistas criticaram as ligações entre Lisboa e Évora, que “estão a ser feitas com material desadequado da procura” e referiram as “queixas permanentes dos utilizadores”.
Pedro do Carmo, deputado do PS eleito por Beja, questionou o Governo, através do ministro das Infraestruturas e Habitação, considerando que “a mobilidade é um pressuposto fundamental das dinâmicas das comunidades e dos territórios, sendo particularmente relevante no interior, onde os meios de transporte são menores e as distâncias maiores, em contexto, sobretudo, rural”.
O deputado, num comunicado enviado à imprensa, admite que “não há soluções milagrosas” e que, “ao longo dos anos, o transporte ferroviário não mereceu a atenção e a aposta que mereceria por ter um potencial de sustentabilidade e rapidez superior a outras alternativas, sendo o distrito de Beja vítima de insuficientes investimentos estruturais nesta matéria”.
Questionado pelo “Diário do Alentejo” se esta declaração não pressupunha uma crítica também ao PS, Pedro do Carmo concordou: “É verdade. Eu sou e serei sempre a voz das dificuldades das pessoas. As coisas não estavam bem. É verdade que não fizeram nada neste ano, mas o que estava para trás também não era solução”, confessou.
Na carta enviada ao Governo, Pedro do Carmo quer saber como é que o executivo “pretende minorar os impactos negativos no transporte no quadro de canícula que agora se inicia” e qual o prazo previsto para a resolução do problema.
Ainda relacionado com a ferrovia, mas sem ter que ver com este episódio, o deputado socialista questiona “como pretende o Governo responder às reivindicações da Assembleia Municipal de Beja que exige alternativas de transporte rodoviário para as populações durante o período de encerramento da linha ferroviária entre 2026 e 2027” e que defende o “não encerramento total da linha, sempre que operacionalmente seja viável, considerando o transporte alternativo apenas nos troços mais curtos intervencionados entre estações”.
Pedro do Carmo aproveita, ainda, para perguntar se o Governo “prevê planos de investimento adicionais, incluindo a reabertura do troço Beja--Funcheira e a ligação ferroviária ao aeroporto de Beja, para que possam potenciar ainda mais a importância estratégica da Linha do Alentejo”.
Numa reação à posição do Partido Socialista, Gonçalo Valente, em comunicado, vem acusar o PS de “falta de noção” ou “falta de honestidade política”.
O deputado do PSD eleito por Beja diz que os socialistas são os responsáveis pela atual situação que resulta do facto de terem governado em “23 dos últimos 30 anos” e questiona as opções tomadas anteriormente perguntando “por que razão não fez nessa altura aquilo que vem denunciar agora”?
“O plano de recuperação do material circulante que o PS fala que iniciou em 2019 são os tais comboios que foram comprar a Espanha e que estavam em fim de vida. Foi desativar a linha férrea Beja-Funcheira e manter a geringonça que faz a ligação Beja-Casa Branca. Foi esta a solução”, aponta Gonçalo Valente.
IP ou estrada nacional?
Luís Melo, antigo diretor da Estradas de Portugal e responsável pelas rodovias na região, e que há cerca de 20 anos fazia parte da equipa que anunciou a construção, em perfil de autoestrada, da ligação entre Sines e Ficalho, em conversa com o “Diário do Alentejo” diz que o que se está a fazer entre o final da autoestrada, na Malhada Velha, e Beja “não é um verdadeiro IP [itinerário principal]”.
O engenheiro civil explica que se “aproveitou o anterior projeto da A26 para, nos corredores já definidos das variantes de Beringel e Figueira de Cavaleiros, se construir”. E aponta: “Aí, sim, acredito que seja com características de autoestrada: com corredor central, duas faixas [nos dois sentidos], vedações, ausência de trânsito rural e motociclos. Não fica é com a ligação à estrada atual através de nós desnivelados, será através de rotundas e aí há uma diferença”.
E acrescenta: “Até os IP não deveriam ter este tipo de ligações. Resumindo, aquilo que se está a construir não tem características de um verdadeiro IP. É uma estrada nacional que está a ser reabilitada, melhorada, que vai ficar muito melhor, mas não vai ficar um verdadeiro IP. Isto porque as características técnicas que um itinerário principal exige não estão lá, nomeadamente, não poder ter serventias, não poder ter trânsito agrícola, os acessos serem desnivelados, etc.. Portanto, não há dúvida, e as pessoas confirmá-lo-ão quando a estrada estiver pronta, que vai ficar muito melhor, isso não tenho dúvidas. Também era o que faltava gastar 65 milhões e não ficar melhor”, desabafa, “mas não lhe chamem itinerário principal, porque não o é. O que temos é uma estrada nacional com boas características”, conclui.
Quanto à construção de uma verdadeira autoestrada até Beja, servindo o aeroporto, diz não conseguir antever a sua conclusão, mas parece-lhe “uma impossibilidade”. “Repare o seguinte: as intervenções que estão a ser feitas neste momento são com verbas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], o PRR vai acabar e não vai haver verbas para mais. Alguém acredita que Portugal invista uns milhões de euros depois de ter pago 65 milhões [no IP8] para fazer uma autoestrada ao lado? Não acredito”.
E quanto ao resto do itinerário até à fronteira? “Que eu saiba, ficamos na mesma. Se não temos autoestrada até Beja, vamos ter de Beja para Ficalho? Eu não acredito. A prioridade seria dar uma ligação à capital de distrito e ao aeroporto”.
Numa entrevista recente à “Rádio Pax”, Luís Melo recorda que, há duas décadas, “a apresentação do projeto da autoestrada no IP8 foi um momento importante. Havia esperança, vontade política e até algum entusiasmo. Mas a verdade é que o tempo passou e pouco se concretizou”, disse, questionando: “O tráfego atual não justifica uma autoestrada? Talvez. Mas uma via desta importância não se mede só em veículos. Mede-se em segurança, desenvolvimento, ligação internacional e coesão territorial. Beja é, a par de Portalegre, a única capital de distrito sem autoestrada. E [é preciso] não esquecer que o IP8 serve diretamente o aeroporto de Beja.”
Quanto às medidas apresentadas por Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas e Habitação, em fevereiro passado, no âmbito de um investimento na rede rodoviária nacional, Luís Melo mostra-se cético: “Fala-se num pacote rodoviário de dois mil milhões de euros e garante-se que a ligação em perfil de autoestrada será feita. Mas já ouvimos coisas parecidas antes. Não me deixo entusiasmar com anúncios. Como costumo dizer: estou como São Tomé, ver para crer”.
Ligação a Sines
Luís Pita Ameixa, presidente da Câmara de Ferreira do Alentejo, admite que as obras em curso na EN259 são uma melhoria, mas refere, desde há muito, que “fundamental” seria a ligação, prevista no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, entre Sines e Ficalho.
Já em 2023, o autarca considerava que mais importante do que continuar agora a ligação à fronteira “seria finalizar a ligação do nó da A2 a Santiago do Cacém”, já que, dizia, “falta pouco para concluir, e grande parte está construída, nomeadamente, com obras de arte e terraplanagens”, criticando o Governo da altura por estar a “esbanjar os recursos já investidos” ao optar pela ligação de Sines a norte, contra o que é “estratégico” e está definido no Plano Nacional Rodoviário (PNR). “Contra o seu próprio discurso, o Governo está a desviar o investimento previsto para a ligação do litoral ao interior, para uma ligação litoral-litoral, indo contra o que está previsto na lei”, acusava Luís Pita Ameixa.
Agora, em reação à entrevista de Luís Melo à “Rádio Pax”, Pita Ameixa concorda que as obras em curso no IP8 representam uma melhoria, mas que “ficam aquém das reais necessidades da região e não podem ser consideradas um verdadeiro itinerário principal”, reclamando ser de extrema importância “pôr Beja ao pé de Sines”.
Verdadeiro IP?
Também Paulo Arsénio se manifestou no sentido de que as obras a decorrer entre Santa Margarida do Sado e Beja não cumprem as exigências de um itinerário principal.
Esta declaração do presidente da Câmara Municipal de Beja motivou que Gonçalo Valente, numa nota publicada na sua página de Facebook, considerasse “inqualificável” que “em período eleitoral para as Legislativas” Paulo Arsénio tivesse valorizado esta obra como “iniciativa do PS” e tivesse acusado o PSD de se “apropriar” de uma obra que não era sua.
O deputado do PSD diz, ainda, que “sempre disse que isto não passava de uma reabilitação e era pouco mais do que tapar buracos” e que “jamais poderia inviabilizar aquela que era a obra estruturante, a A26”. Gonçalo Valente acusa o PS de ter, na comunicação social, promovido esta intervenção, e, “agora, sem vergonha nenhuma [vir] dizer que esta intervenção fica aquém de um verdadeiro itinerário principal”.
Paulo Arsénio respondeu na mesma plataforma digital, dizendo que tinha respondido às perguntas da “Rádio Pax” com o “óbvio e fatual”.
“Não falei sequer de governos, nem do anterior, nem do atual. Disse que a obra em curso é importantíssima para a região e para Beja, concretamente, mas não tem perfil de IP”. E acrescentou: “Quando foi publicado o concurso pela primeira vez detetei que o mesmo só previa a requalificação da via até à denominada rotunda do aeroporto e não até à rotunda da Força Aérea” e “foi a reclamação da CMBeja de então que levou à correção do concurso de execução de projeto, em 30 de dezembro de 2020, passando a incluir o troço de quatro quilómetros entre a rotunda do aeroporto e a rotunda da Força Aérea”.
Ligação ao aeroporto
Como o “Diário do Alentejo” noticiou em meados de 2024 as obras de modernização e eletrificação previstas para o troço Casa Branca-Beja não incluem a ligação ferroviária ao aeroporto.
Há uma semana, em Évora, o novo secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, à margem da convenção do seu partido, considerou que “há uma matéria que é da maior importância, que é a valorização do aeroporto de Beja como uma resposta conjugada com as futuras soluções do novo aeroporto em Alcochete. Para responder à procura que já hoje existe, nomeadamente, no Aeroporto Humberto Delgado, é necessário utilizar a capacidade de resposta do aeroporto de Beja, que será também um dos fatores de desenvolvimento desta região”.
Também na semana passada, o presidente da Entidade Regional de Turismo (ERT) do Alentejo e Ribatejo, em entrevista à “Rádio Castrense”, defendeu uma maior aposta no aeroporto de Beja. Quando “a concorrência entre destinos turísticos é mais feroz” importa que “as acessibilidades ferroviárias, rodoviárias e aéreas possam ter uma perspetiva mais clara”.
José Manuel dos Santos revelou, ainda, que a ERT do Alentejo e Ribatejo “está a trabalhar com a ANA para que o aeroporto de Beja possa ser, a médio prazo, uma infraestrutura que sirva melhor o turismo da região”.