Há 50 anos, a semana que terminava havia sido agitada, tal como se vinha fazendo anunciar desde há algum tempo, fruto dos acontecimentos políticos que dominavam o País, da tal “maioria silenciosa”.A 30 de setembro de 1974 era assim publicado na última página do “Diário do Alentejo” (“DA”): “O Movimento das Forças Armadas (…) deu na madrugada de anteontem mais uma prova insofismável da sua intransigência na defesa do programa da democratização que anunciou, ao País, fazendo malograr um perigoso plano de insurreição reaccionária que vinha a ser ardilosamente preparado por uma ‘minoria reaccionária’ que se auto-considerava ‘maioria silenciosa’”. Continuava assim: “Numa operação de surpresa, que levou a larga movimentação de tropas e, logicamente, a um clima de inquietação entre o povo, o M. F. A., com pleno conhecimento da conjura reaccionaria programada desde há tempo, dominou os ‘pontos nevrálgicos’, efectuou numerosas prisões de indivíduos implicados na conspiração e apreendeu centenas de armas (…)”.Os jornais não saíram e as rádios apenas passaram música no dia da operação, com um país em suspenso enquanto decorriam as operações. No mesmo artigo, dava conta o “DA” que, na véspera, reuniram-se o “Presidente da República, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e a Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas”, onde foram “acordadas medidas concretas para reforçar e garantir a continuação da democratização do País dentro do espírito do programa do M. F. A. e reafirmou-se ainda a união do Movimento das Forças Armadas com o Governo Provisório, a que preside o brigadeiro Vasco Gonçalves”.Nessa mesma edição, nas “Notícias em poucas linhas”, na última página, avisava-se que o Presidente da República, António de Spínola, falaria ao País nesse mesmo dia. Essa pequena notícia transformar-se-ia na manchete do dia seguinte.“Presidência da República: Spínola renuncia ao cargo – JSN nomeia Costa Gomes”. Abria assim a edição de 1 de outubro do “DA”, com a notícia de que, devido aos “acontecimentos políticos do fim-de-semana mais ‘quente’, após o golpe militar do 25 de Abril que derrubou o regime fascista”, António de Spínola havia renunciado ao cargo, dando o lugar ao general Costa Gomes, chefe do Estado Maior-General das Forças Armadas. “Neste clima generalizado de anarquia, em que cada um dita a sua própria lei, a crise e o caos são inevitáveis, em flagrante contradição com os propósitos do Movimento. Por várias vezes chamei a atenção do País para as consequências a que tal estado de coisas acabaria por conduzir. E após profunda e demorada reflexão tomei a nítida consciência de não estarmos a caminhar para o País novo que os portugueses desejam construir”. Este parágrafo, da declaração de António de Spínola, resume os motivos da renúncia do mesmo, concluindo ser “inviável a construção da Democracia sob este assalto sistemático aos alicerces das estruturas e instituições, por grupos políticos cuja essência ideológica ofende o mais elementar conceito de liberdade em flagrante desvirtuação do espírito do 25 de Abril”. Por seu lado, Costa Gomes, na sua tomada de posse, deixou a certeza de que: “As Forças Armadas, militares e militarizadas se estão integrando rapidamente no espírito novo e vão-se tornando mais aptas a garantir ao Governo Provisório e ao povo o clima de ordem e de liberdade por quem ansiamos para nos dedicarmos ao trabalho com a certeza de que vamos construir um futuro melhor, mais justo e democrático”.Na “Nota do Dia” desse 1 de outubro escrevia-se assim: “Impõe-se-nos celebrar o dia 28 de Setembro como mais uma grande vitória das forças democráticas sobre os inimigos de uma pátria verdadeiramente livre, mas retiremos da tentativa de conta-golpe fascista a objectiva ilacção que a situação determina: com a prisão dos principais responsáveis pela malograda intentona as organizações reaccionárias não foram destruídas no seu cerne e, decerto, novas manobras contra-revolucionárias, a seu tempo, nos tentarão ‘golpear’ de surpresa”. O caminho seria, ainda, tortuoso e agitado, mas chegaria a bom porto.
Marco Monteiro Cândido