Diário do Alentejo

“O que foi inscrito pela Unesco foi o cante a capella e é assim que o defendemos”

13 de abril 2024 - 12:00
Cantadores do Desassossego têm novo discoFoto| DR

Cantadores do Desassossego, grupo criado em 2015, em Beja

Juntando as diferentes maneiras de cantar das margens direita e esquerda do Guadiana, estudando e recuperando o repertório tradicional da região de Beja, sem, contudo, renegar experiências contemporâneas, o grupo pugna pela criação de um estilo próprio. Com atuações em todo o País, os Cantadores do Desassossego contam, também, no seu historial, com apresentações em Sevilha, Budapeste e Madrid. Ensaiado nos primeiros anos por Francisco Torrão, o grupo é hoje dirigido por José Diogo Bento.

 

Texto José Serrano

 

Os Cantadores do Desassossego, grupo coral alentejano, concluíram as gravações do seu novo disco, estando em vista, para breve, a sua apresentação pública. O “Diário do Alentejo” falou com Rui Teixeira, presidente do coletivo.

 

São 10 os temas deste novo trabalho dos Cantadores do Desassossego, navegando entre modas clássicas e originais do grupo. Como classifica a importância desta convivência entre o classicismo e a inovação para a sustentabilidade do cante alentejano?Nós vemos a tradição como uma raiz que alimenta a árvore que é o nosso património cultural. Se a esquecermos, se dela não cuidarmos, a árvore deixa de medrar e chegará a um ponto que atrofia e morre. Contudo, se apenas olharmos a raiz ela não frutifica. Defendemos, por isso, que o cante deve ser uma entidade viva que, desde que respeitando a sua essência, possibilite o surgimento de novas criações, convivendo, a par, com a salvaguarda desse tesouro que é o cancioneiro tradicional.

Refletem as modas originais novas temáticas poéticas, contemporâneas? Acreditamos que sim. Não faz sentido ficarmos agarrados à “terra do pão”, quando o Alentejo, à nossa volta, está a mudar a uma velocidade estonteante.

 

Sendo os Cantadores do Desassossego um grupo com a sua génese em Beja, houve a preocupação de incluir nesta gravação temas referentes ao concelho?Sim, ainda que não exclusivamente, quer nos temas originais, quer nos tradicionais.

 

De que forma foi feita essa pesquisa patrimonial musical? Através da recolha de gravações de antigos grupos do concelho ou de recolhas etnomusicológicas, como, por exemplo, as de Armando Leça [etnomusicólogo que realizou o primeiro levantamento músico – popular feito em Portugal através do registo mecânico de som], em finais da década de 30 do século passado.

Os Cantadores do Desassossego mantêm-se fiéis à sua identidade de cantar a capella, sem utilização de qualquer instrumento musical, se não as vozes dos cantadores. No ano em que se comemoram 10 anos de inscrição do cante como Património da Humanidade é importante que essa marca identitária seja sublinhada?Essa é uma guerra que não compramos. Se há documentos, de finais do século XIX, que sugerem a presença de instrumentos em alguns momentos, que não só os bailes ou o baldão, a verdade é que o que foi inscrito na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco foi o cante a capella, e é assim que o defendemos. Não deixamos, contudo, de ser um grupo musical e música é música. Daí não nos ser estranho integrarmos projetos de fusão, em que o nosso cante se integra com, por exemplo, o ambiente musical criado por um quarteto de jazz ou uma banda filarmónica, sem sentirmos que daí possa sair maculada a nossa essência. 

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