Diário do Alentejo

A atualidade de há 50 anos que podia ser de hoje

01 de março 2024 -
50 anos de Abril

Texto Marco Monteiro Cândido

Há precisamente 50 anos, a 1 de março de 1974, o “Diário do Alentejo” trazia ao prelo a questão da exploração dos trabalhadores imigrados, cujo tráfico seria um “negócio rendoso”.

À época, o relato do “esquema”, que seria quase sempre o mesmo, referia-se à França desses tempos, em que as empresas “desejando conseguir mão-de-obra, subpaga”, enviaria “‘engajadores’ a países em vias de desenvolvimento”. Segundo o relato feito pelo correspondente do “DA”, Júlio de Sousa Martins, o “esquema processar-se-ia da seguinte forma: “Esses tais ‘engajadores’ auxiliados por colaboradores locais e muitas vezes beneficiando do olhar benévolo das autoridades desse país, fazem brilhar belas perspectivas: contrato de trabalho, autorização de estadia, salários, alojamento. Uma vez iscado e seleccionado um certo número de pessoas, às quais se oferece um bilhete de avião (a reembolsar posteriormente, claro está...) fazem seguir o ‘gado’, em voos charter, para Bruxelas ou Lausanne.

Ali, os imigrados sofrem um tempo de espera, o suficiente para que a empresa tente regularizar a situação dos novos ‘arrivants’ pelos consulados franceses. Tanto pior se esses imigrantes não são residentes em países limítrofes da França. Tanto pior, também, se eles não têm um tostão no bolso, perdidos numa cidade estrangeira, abandonados à mais total incerteza. E tanto pior, ainda, se eles não falam nem entendem a língua desse país...”.

Dando como exemplo um de muitos casos, concluía: “A sequência é fácil de adivinhar: claro que não havia qualquer concurso mas sim trabalho duro, alojamento em barracas, tudo por 50 francos numa semana e 20 francos na semana seguinte”.

Cinquenta anos depois, por cá, esta poderia ser uma notícia dos dias atuais, trocando França por Portugal e o trabalho, à época, na construção civil, pelo trabalho agrícola nos campos alentejanos.

Nessa mesma edição, na “Nota do Dia”, dava-se conta, sob o título “Falta de casas e casas por acabar…”, do seguinte: “Conforme recentemente foi assinalado em reunião camarária, ‘o problema de não haver casas com rendas acessíveis para as classes trabalhadoras é dominante’ na capital sul-alentejana e clama por soluções com carácter de urgência, pois a cada dia que passa acentua-se a sua gravidade. Poucos têm sido os projectos (anunciados) de construção de bairros para famílias de baixo nível económico, mas mesmo esses, como já se escreveu, não passaram mais do papel, ou foram simplesmente anulados sob vários pretextos e ante a complacência e o comodismo das instituições e organismos que tinham a estrita obrigação de se bater por essa e por tantas outras magnas questões que impedem o desenvolvimento sócio-económico da região”.

Apontando-se o facto de um número elevado de pessoas serem “compelidas” a residir em aldeias vizinhas à cidade, cujos valores das rendas também estariam a aumentar, a “Nota do Dia” dava conta, citando o jornal “Expresso”, que se encontravam “famílias numerosas a morar em cubículos sem as mais elementares condições de salubridade, conforme recentemente foi constatado quando do incêndio num tugúrio de um beco citadino, do qual resultou a morte de três pessoas da mesma família e colocou na iminência de perigo muita gente habitando em compartimentos contíguos nessa estreita viela com uma única saída”.

A esse propósito, frisava o “Expresso” a estranheza causada, à época, pelas 52 moradias do bairro da base aérea, fechadas, que aguardavam, “há anos, acabamentos interiores”, e que “muito bem poderiam ser utilizadas por funcionários públicos ou administrativos cujas dificuldades para se fixarem na capital do distrito mais vasto do País são por demais evidentes”.

Na edição de 27 de fevereiro de 1974 sublinhava-se que o distrito de Beja apresentava a maior taxa de analfabetismo do País, com 44,1 por cento, segundo dados de 1971, quando a taxa nacional rondaria, em média, os 25 por cento.

Faltam 54 dias para o 25 de Abril

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