Diário do Alentejo

Governo cede a agricultores e promete reverter cortes nos ecorregimes

02 de fevereiro 2024 - 08:00
Anunciados 50 milhões de euros de reforço para a agricultura biológica e a produção integrada
Foto | Ricardo Zambujo/ArquivoFoto | Ricardo Zambujo/Arquivo

O Governo prometeu na quarta-feira que vai pedir “autorização a Bruxelas” para reverter os cortes que estavam anunciados nos apoios dirigidos aos regimes de agricultura biológica e produção integrada e que podiam atingir, respetivamente, os 25 e 35 por cento. Recorde-se que, nesta semana, as duas confederações de agricultores (CAP e CNA), se manifestaram contra a situação e criticaram duramente o Ministério da Agricultura.

 

Texto | Aníbal Fernandes

 

Em resposta aos protestos da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), contra os cortes anunciados, o Governo, em conferência de imprensa conjunta dos ministérios das Finanças e da Agricultura e Mar, prometeu um reforço de 60 milhões de euros no primeiro pilar do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (Pepac) nos apoios à produção, de modo a assegurar as candidaturas aos ecorregimes agricultura biológica e produção integrada.

Maria do Céu Antunes anunciou também, “para fazer face ao impacto da seca no nosso território, um apoio à produção de 200 milhões de euros para todo o País”, medida que a governante considera ser “da maior importância”, nomeadamente para o Alentejo e Algarve.

Na conferência de imprensa, que contou com a presença de Fernando Medina, foi referida uma linha de crédito de apoio à tesouraria, no valor de 50 milhões de euros com taxa de juro zero e a intenção do Governo de atualizar o ISP [Imposto sobre os Produtos Petrolíferos] do gasóleo agrícola para o mínimo permitido, “uma redução de 4,7 cêntimos por litro para 2,1 cêntimos”, ou seja, 55 por cento.

O Governo compromete-se, ainda, a reforçar o segundo pilar do Pepac, com 60 milhões de euros, para assegurar, “até fevereiro”, o pagamento das candidaturas às medidas de ambiente e clima.

 

CAP negoceia

 

Antes da conferência de imprensa, no final de uma reunião do Conselho de Presidentes da CAP, Álvaro Mendonça e Moura já tinha revelado ter chegado a acordo com o Governo para que os cortes previstos – que podiam ascender a 35 por cento – fossem “revertidos”. “O Conselho foi unânime em considerar que isso seria absolutamente inaceitável e que demonstrava uma falta de respeito e desarticulação do Ministério da Agricultura” afirmou, acrescentando que “foi possível obter um acordo com o Governo no sentido de esses cortes não terem efeito”.

 

Protestos generalizados

 

Recorde-se que, na terça-feira, a Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba), associada da CAP, acusou o Ministério da Agricultura de “incompetência” e responsabilizou o Governo pelos cortes nos montantes a receber ao abrigo dos regimes de agricultura biológica (-35 por cento) e produção integrada (-25 por cento).

Rui Garrido, presidente da Faaba, em declarações ao “Diário do Alentejo”, considerou que a situação resultava de “uma má programação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (Pepac)” nas negociações em Bruxelas, facto para o qual os agricultores “há muito tinham alertado”. Com as mudanças operadas na PAC “somos obrigados a cumprir as regras ambientais e não recebemos nada por isso”, resumiu, assim, a questão, o também presidente da ACOS – Agricultores do Sul.

Os agricultores queixavam-se de perdas “muito avultadas”, que se juntavam “aos atrasos nos pagamentos das ajudas comunitárias” com origem na “grande desorganização das candidaturas” e nas “ajudas insignificantes e ridículas” devido à seca prolongada e que são apenas um terço do que receberam os agricultores espanhóis.

Rui Garrido diz que os cortes resultam de “metas definidas de forma incorrecta relativamente à área a beneficiar pelos apoios aos ecorregimes” uma vez que, com a mudança de critérios, “a produção integrada e biológica dispararam” e as verbas disponíveis não são suficientes e exigia que as “verbas sobrantes de outras medidas sejam canalizadas para os Ecorregimes em questão, por forma a minimizar os prejuízos”.

A Faaba diz que esta situação poderia ter sido evitada se não tivessem fracassado “as inúmeras tentativas de chegar à fala com a Ministra da Agricultura, na procura de partilhar reflexões e conhecimento” e acusam a ministra de “abuso de poder” responsabilizando-a das “falhas do Pepac, do isolamento cada vez maior da nossa agricultura e do nosso País em relação aos parceiros da UE [União Europeia] e da desertificação e do despovoamento das zonas rurais”.

 

“Filhos da reforma da PAC”

 

Também a CNA, que reuniu na passada segunda-feira, 29, se manifestava contra os cortes que considerava “filhos da reforma da PAC” e das “más opções do Ministério da Agricultura na programação do Pepac. Os agricultores, há muito descapitalizados, estão fartos, e os cortes nas ajudas agora concretizados são a gota de água que faz transbordar o copo”.

Esta confederação considera – já depois da conferência de imprensa – que “mesmo num contexto de um Governo em gestão e eleições legislativas”, se justifica “promover um conjunto de iniciativas regionais de protesto – reuniões, concentrações de agricultores, marchas lentas e manifestações – com vista à construção de caderno de reclamações, com medidas concretas que um novo Governo possa implementar”.

As reivindicações passam por “preços justos à produção, com proibição de que se pague aos agricultores abaixo do custo de produção; escoamento dos produtos com incentivo aos circuitos curtos de produção; regulação do mercado (incluindo os fatores de produção) com medidas que protejam agricultores e consumidores; o fim dos tratados de livre comércio e da concorrência desleal do agronegócio internacional com produtos oriundos de países terceiros da UE que não têm de cumprir as mesmas regras sociais e ambientais; e a concretização do Estatuto da Agricultura Familiar”.

 

Bloqueio das fronteiras

 

Entretanto, na quarta-feira, um autodenominado Movimento Civil Agricultores de Portugal, prometia bloquear com tratores e máquinas agrícolas as três principais fronteiras da região com Espanha, na quinta-feira de manhã, nomeadamente, junto às fronteiras do Caia (Elvas, distrito de Portalegre), Mourão (Évora) e Vila Verde de Ficalho (Serpa, distrito de Beja).

Até ao fecho desta edição, a iniciativa ainda não tinha sido desmarcada, e um dos dinamizadores, António Saldanha, citado pela “Lusa”, dizia que, apesar do acordo, nada tinha mudado, e que o protesto se manteria “até que as ajudas às perdas de rendimento cheguem ao bolso dos agricultores”. Entretanto, a CAP e a CNA demarcaram-se deste protesto.

*com “Lusa”

 

AD denuncia "incompetência do ministério"; Pedro do Carmo reúne com agricultores

 

Em comunicado, Gonçalo Valente, que encabeça a lista da AD candidata às legislativas no círculo eleitoral de Beja, manifestou-se contra os cortes dos apoios comunitários ao setor agrícola e apontou o dedo à “incompetência do Ministério da Agricultura”. De acordo com a candidatura da coligação PSD/CDS-PP e PPM, “os agricultores, tendo em conta a agenda apresentada pela tutela, estabeleceram compromissos com a banca e com fornecedores, vendo-se agora forçados a entrar em incumprimento, sendo que, nalguns casos, pode originar na própria falência de várias explorações agrícolas”. A candidatura da AD questiona, ainda, os “ganhos para a região com a eleição de Pedro do Carmo como deputado por Beja e como presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura”. Por seu lado, Pedro do Carmo, em comunicado, anunciou um “conjunto de iniciativas promovidas por associações representativas do setor da agricultura nacional”, para as quais foi convidado e que, segundo ele, “representa o reconhecimento pelo seu papel, como deputado e defensor constante do setor agrícola e do mundo rural, do seu conhecimento das dificuldades e dos desafios que os agricultores, regantes e produtores pecuários enfrentam”. 

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