Diário do Alentejo

“Falamos duma paisagem humanizada onde os agro-sistemas presentes ditam os habitats e as espécies aí existentes”

03 de fevereiro 2024 - 08:00
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Três Perguntas a José Paulo Martins, coordenadora de projetos e membro do Conselho Geral da Associação Ambientalista ZERO

A propósito do debate “As alterações à ocupação e uso do solo e o seu impacto na biodiversidade na região de Beja”, realizado, recentemente, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja, o “Diário do Alentejo” conversou com um dos membros da Associação Ambientalista Zero, responsável pela mesma, José Paulo Martins, sobre as principais reflexões retiradas da palestra, bem como o contributo das alterações das práticas agrícolas no Baixo Alentejo para o declínio de espécies de fauna e flora no território e as medidas necessárias implementar, a nível preventivo, para que o processo de diminuição da biodiversidade possa ser estancado.

Texto | José Serrano

Quais as principais reflexões permitidas pelo debate “As alterações à ocupação e uso do solo e o seu impacto na biodiversidade na região de Beja”, realizado, recentemente, na biblioteca de Beja?A ideia fundamental era demonstrar que numa região onde a presença humana é milenar existe uma intensa relação entre os valores naturais e a atividade agrícola, pecuária e florestal. Falamos duma paisagem humanizada onde os agro-sistemas presentes ditam os habitats e as espécies aí existentes. Conservar a natureza implica garantir que estes espaços – searas, bosques e montados de sobreiro e azinheira, de olival tradicional e de galerias ribeirinhas – têm condições para se manter. Neste sentido, foi debatida a importância do cumprimento de políticas de ordenamento do território, mas, também, de políticas agrícolas e florestais que permitam apoiar economicamente a sua manutenção por parte dos proprietários.

As alterações das práticas agrícolas no Baixo Alentejo têm contribuído para o declínio de espécies de fauna e flora no território?É uma constatação. Há uma simplificação da paisagem, ocupada com monoculturas. Perdeu-se o mosaico agrícola mais tradicional. Mesmo dentro das zonas de proteção especial (ZPE) para as aves assistimos ao declínio das searas e à sua substituição por pastagens e gado bovino, acentuando a perda de capacidade dos ecossistemas para suportar espécies como o tartaranhão-caçador, a abetarda ou o sisão. O uso desregrado de pesticidas também tem tido efeitos nefastos, bem como as intervenções abusivas nas linhas de água, com a destruição da vegetação ribeirinha e de habitats, como os charcos temporários mediterrânicos. Mas não devemos olhar só para esta vertente agrícola. Estamos, agora, perante um projeto de instalação duma central solar na serra do Mira, no concelho de Ferreira do Alentejo, que vai ocupar uma das áreas mais importantes do Baixo Alentejo em termos botânicos, na qual existem espécies raras e ameaçadas.

O que considera necessário fazer, a titulo preventivo, para que o processo de diminuição da biodiversidade possa ser estancado?A política agrícola tem de ter em atenção os apoios aos proprietários, na manutenção dos espaços e usos mais tradicionais e há a necessidade de maior fiscalização das intervenções que vão tendo lugar no território. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas tem de ter uma postura mais firme nas suas responsabilidades, dentro e fora das áreas protegidas e classificadas. Precisamos que o poder local esteja mais consciente do cumprimento dos planos diretores municipais, na vertente da ocupação e uso do espaço rural, e mais envolvido na sua conservação. A serra do Mira é um bom exemplo da inação das autarquias de Ferreira do Alentejo e Beja face aos valores naturais presentes no território, numa área que merecia já ter sido classificada como área protegida, contribuindo para evitar projetos que a irão descaracterizar, colocando em causa a biodiversidade singular aí existente.

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