Diário do Alentejo

Vendedores anseiam pelo regresso ao Mercado Municipal de Beja

19 de agosto 2023 - 11:00
Vendedores que tiveram de abandonar equipamento no início de 2020 queixam-se de perda de receitas e aguardam, com alguma apreensão, reabertura do espaço
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Perda de clientes e receitas e falta de condições são as principais queixas apontadas por alguns operadores que tiveram de deixar o Mercado Municipal de Beja no início de 2020, aquando do seu encerramento para obras de requalificação. Passados mais de três anos, aguardam, no entanto, com alguma apreensão a reabertura do espaço, pois temem que o atraso na conclusão das obras tenha afugentado os clientes.

 

Texto Nélia Pedrosa

A. não vê a hora de poder regressar ao Mercado Municipal de Beja, encerrado para obras de requalificação desde o início de 2020. Estes últimos três anos, em que tem ocupado, provisoriamente, uma loja nas imediações, têm-se revelado “complicados”, admite a vendedora ao “Diário do Alentejo” (“DA”).

 

Com o fecho do mercado, e o surgimento da pandemia de covid-19, “as pessoas foram-se afastando aos poucos, espalharam-se”, justifica, adiantando que perdeu “alguma clientela”. Apesar de estar perto do mercado, o espaço que ocupa atualmente está “num sítio pouco movimentado, muito escondido, nada atrativo”.

 

Por isso, reforça, tem “muita vontade” em voltar ao mercado requalificado, onde trabalha há mais de três décadas. Só espera é que as taxas a aplicar “sejam atrativas”, para que haja “mais pessoal novo, com ideias novas”, até porque alguns dos vendedores já não regressarão “devido à idade avançada”.

 

“Tenho ouvido dizer que estão várias pessoas interessadas em abrir o seu negócio no mercado, pessoas novas, caras novas. É essa a nossa esperança. Espero que as coisas melhorem. Sou uma pessoa muito otimista e tenho batalhado muito durante estes 16 anos em que estou a trabalhar para mim. Já tenho conhecido altos e baixos, mas esta fase tem sido péssima”.

 

Como o “Diário do Alentejo” noticiou na edição passada, as propostas de regulamento do mercado municipal e do futuro horário foram aprovadas no passado dia 9, por unanimidade, em reunião de câmara. A proposta das taxas a aplicar aos vendedores deverá ser levada à reunião do próximo dia 23.

 

Em declarações ao “Diário do Alentejo”, o presidente da Câmara Municipal de Beja, Paulo Arsénio, frisava, no entanto, que ainda não era possível avançar com uma data para a reabertura do mercado, uma vez que este “não dispõe de energia elétrica”.

 

Recorde-se que com o encerramento provisório do espaço, alguns dos operadores hortofrutícolas, de pescado e artesanato foram acolhidos no largo de Santo Amaro. Outros, nomeadamente, talhantes e proprietários de pequenas mercearias de produtos regionais, instalaram-se noutros espaços comerciais da cidade.

 

Em setembro de 2020 passou a funcionar, também, numa loja junto ao mercado, a peixaria municipal.

 

Segundo informação disponibilizada ao “DA”, a câmara está a indemnizar, desde o encerramento do mercado, 10 operadores, num valor mensal total “de 6500 euros”. “A câmara está a pagar a esses operadores um valor que acordou com cada um em sede de negociação e que, em muitos casos, poderá ser suficiente para a renda [que estão a pagar atualmente por outros espaços]. E, portanto, quanto mais depressa também abrirmos o mercado, mais depressa cessamos esses valores que estamos a pagar”, referia também Paulo Arsénio, na semana passada, ao “DA”.

 

De acordo com o autarca, entre lojas e quiosques, o mercado poderá albergar até 26 operadores, a que se juntam mais 16 a 20 distribuídos pelas bancas dos produtos hortofrutícolas e do peixe. Assim que todos os documentos estiverem aprovados – regulamento, horários e taxas –, a autarquia irá realizar uma nova reunião com os vendedores para saber quem tem intenção de regressar. Os espaços que não forem ocupados serão colocados a concurso público. As novas taxas, assegurava ainda o autarca, terão “aumentos muito pequenos face aos valores que eram praticados anteriormente”.

 

AS PESSOAS PERDERAM "O HÁBITO" DE IR AO MERCADO

O casal de vendedores Aníbal e Fátima Bento, que foram dos últimos a abandonar as instalações do mercado municipal, em maio de 2020, e a ocuparem, provisoriamente, uma tenda no largo de Santo Amaro, não se mostram tão otimistas quanto A.. Passado “tanto tempo” desde o encerramento, dizem, as pessoas “perderam esse hábito”.

 

“As pessoas vão aos hipermercados e não aos mercados tracionais. A malta jovem, por exemplo, não vem aqui ao mercado de Santo Amaro”, sublinha Aníbal Bento. E reforça: “No mercado municipal era melhor para o negócio… era, quando a gente lá estava. Agora, há quatro anos que não está lá ninguém, quem é que lá aparece? Só se for no princípio, se calhar vão ver, alguns curiosos”.

 

Para além disso, segundo soube por terceiros, as novas “bancas” destinadas aos operadores hortofrutícolas “são pequeninas”.

 

“Como é que a gente se governa, com caixas de tomate e caixas de fruta, como é que a gente se governa”, questiona. “[O mercado] está bonito, mas não é funcional. Mas vamos para lá, não temos outra alternativa. Trabalhamos de segunda a sábado, é o nosso ganha-pão, tenho culturas e tenho de as vender”, justifica.

 

Para Aníbal Bento, a solução para o encerramento temporário do mercado teria passado pelo acolhimento dos operadores “em três ou quatro contentores equipados com ar condicionado” instalados nas imediações e não pela sua transferência para o largo de Santo Amaro, onde “não há condições”.

 

“Isto aqui não é nada… estamos um dia inteiro com a fruta ao sol. Tivemos de colocar uns panos [para fazer sombra]. Além disso está tudo partido. Partem as tendas durante a noite. Nós pedimos contentores numa reunião que tivemos com a câmara, mas o senhor presidente disse que ficava caro”.

 

Mas não são só as condições de trabalho que pioraram nestes últimos três anos, garante Aníbal Bento. O negócio “também piorou”, com as vendas a descerem 50 por cento.

 

“[O Santo Amaro] não é uma zona de passagem, é uma zona só de habitação. Junto ao mercado municipal as pessoas desciam dos autocarros nas paragens ali ao pé, vindos de Serpa, Cabeça Gorda, Neves, e sempre compravam alguma coisa. Vendíamos o dobro”.

 

Arnaldo Cristo, que vende produtos hortícolas e frutas em Beja há quase 40 anos, 30 dos quais no mercado municipal, também viu reduzir a sua faturação para metade com a transferência para o largo de Santo Amaro.

 

“O negócio é prejudicado, e bem. Os clientes não vêm cá acima, ao Santo Amaro, vão aos supermercados. Queixam-se que não têm condições, que não é fácil encontrarem estacionamento”, frisa ao “Diário do Alentejo”, adiantando que espera que o mercado “abra o mais depressa possível”, apesar de, à semelhança de Aníbal Bento, também ter sabido por terceiros que o espaço de venda “é pequeno”.

 

Já um outro operador, que também quis manter o anonimato, afirma que não tem “saudades” do mercado municipal porque o negócio “melhorou” com a transferência para o largo de Santo Amaro. Por isso, o seu regresso dependerá muito “do valor das taxas”.

 

“Se for muito caro não vou, desisto disto, já tenho alguma idade”, diz, sublinhando que os valores a praticar não poderão “encarecer muito, caso contrário não vai para lá ninguém”. “Tivemos uma reunião com o presidente da câmara em março e disseram-nos que abria no fim do verão e que íamos saber dentro em breve em quanto é que ficam as rendas. Até hoje, ninguém disse nada”.

 

E conclui: “Posso-me enganar, mas aquilo já estava morto, e agora ainda vai ficar pior. Se tivessem feito uma parte [das obras] e depois outra, as pessoas não se afastavam de lá. Muita gente já não vai voltar, vão às grandes superfícies que têm tudo”.

 

As obras de requalificação do mercado municipal representam um investimento de cerca 2,1 milhões de euros.

 

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