Todos os anos se assiste à perda de um pouco mais do montado que caracteriza a icónica paisagem alentejana e é fundamental para “travar a desertificação” do Sul do País. Segundo dados apurados pelo Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento (MED), o declínio deste habitat é de cerca cinco mil hectares por ano. Mas a situação não é irreversível.
Texto Aníbal Fernandes
Num estudo recente, Teresa Pinto Correia, professora do departamento de Paisagem, Ambiente e Ordenamento do MED, da Universidade de Évora, aponta uma dúzia de razões para salvaguardar este ecossistema, fundamental para travar a desertificação do montado, “um tipo de exploração do solo característico do Sul de Portugal que combina a floresta de sobreiros e azinheiras com a agricultura e a criação de gado”.
Segundo dados recolhidos pela investigadora, o montado alentejano e ribatejano cobre cerca de um milhão de hectares, mas, anualmente, desaparecem cerca de cinco mil hectares e, no futuro, o declínio hoje observado pode acentuar-se e acelerar.
No entanto, Teresa Pinto Correia disse ao “Diário do Alentejo” estar convencida de que este não é um processo irreversível. “Falta acompanhamento técnico dos produtores. Temos muito conhecimento científico [que pode ser aplicado], mas está ao alcance de poucos”, constata.
A principal causa do declínio do montado é o envelhecimento dos efetivos e, paralelamente, a sua não substituição por árvores novas. Mas as novas técnicas de movimentação dos solos também têm a sua quota-parte de culpa. “Antigamente fazia-se o trabalho à mão e era menos agressivo para o montado”.
A intenção não é recuar décadas no que toca aos processos de trabalho, mas, diz a professora, urge “criar mecanismos de aconselhamento mais próximos dos produtores” e existem casos, “ainda poucos”, em que esse apoio da universidade tem permitido “a regeneração dos solos” com bons resultados.
E a questão da rentabilidade das explorações não tem também contribuído para o declínio do montado? “Se o montado for gerido de forma multifuncional é rentável”, afirma a investigadora. No entanto, “há a tendência da exploração intensiva animal em detrimento de várias utilizações. Temos de reinventar formas de tornar o montado viável porque a maior parte do Alentejo é de terras de sequeiro”, afirma Teresa Pinto Correia.
O estudo apresentado considera ainda que o montado, “pela cobertura arbórea que mantém algum grau de humidade, evita a erosão do solo” e não comporta risco de incêndio “porque as árvores estão dispersas” e a “acumulação de matéria orgânica armazena água no solo e cria resistência ao fogo, mais do que qualquer outra cultura”.
Acresce que “ao permitir a infiltração da água da chuva no solo, o montado reabastece os lençóis freáticos e contribui para a regulação hidrológica das áreas onde se mantêm com impacto nas áreas circundantes”, e “a matéria orgânica do solo com pastagens, as árvores e o sub-coberto arbustivo retiram da atmosfera dióxido de carbono CO2 mesmo enquanto se produzem alimentos derivados dos animais na pastagem”.
Os sobreiros e as azinheiras são árvores adaptadas ao ambiente mediterrânico, e o montado apresenta “pastagens biodiversas, manchas de mato nos taludes e zonas com pedras, vários níveis de vegetação” que “fazem dele um hotspot de biodiversidade e confere resiliência e maior resistência a pragas e doenças”.
Daí resulta que, “para além do sequestro de carbono, o montado, em comparação com a agricultura intensiva e especializada, necessita de pouca água e retém água no solo, e contribuiu para temperaturas mais moderadas e maior quantidade de humidade no solo e na atmosfera”, diminuindo, desta forma, o impacto no clima.
A autora reconhece que vacas, porcos e ovelhas são parte integrante deste ecossistema, mas devem ser “correctamente balanceados com a gestão e regeneração das árvores”. Até porque a “emissão de gases com efeito de estufa, pelos animais, é contrabalançada com o sequestro e fixação de CO2 das árvores, pastagem e solo”.
IMPORTÂNCIA ECONÓMICA
Também do ponto de vista económico a preservação do montado é importante, uma vez que constitui uma fileira de produtos únicos e de alta qualidade gastronómica.
O segmento turismo de natureza também tem crescido – até por causa da pandemia – e o montado tem um imenso potencial e proporciona “experiências ímpares que vão ao encontro da maior procura de atividades eco ligadas à sustentabilidade”, constata o estudo que associa a atividade às atividades artesanais, aos passeios pedestres, à observação de estrelas e da avifauna, à gastronomia e à caça.
E, por último, mas não menos importante, a cortiça, um produto 100 por cento vegetal, mas com uma multiplicidade de aplicações, de que se extrai, por exemplo, as rolhas, setor em que Portugal é responsável por 50 por cento da produção mundial.