A proposta de alteração da tarifa da água de Alqueva mediante o tipo de cultura que a utiliza, nomeadamente, um valor mais baixo para as culturas anuais e um “geralmente mais alto” para as culturas permanentes, gerou críticas por parte de algumas associações do setor. A Portugal Nuts – Associação de Promoção de Frutos Secos e a Olivum – Associação de Olivicultores e Lagares de Portugal reuniram-se na segunda-feira, dia 11, com o ministro da Agricultura e Mar para apresentarem a sua “contestação”.
Texto | Ana Filipa Sousa de SousaFoto | Ricardo Zambujo
Como tinham anunciado no final de julho, a Portugal Nuts – Associação de Promoção de Frutos Secos e a Olivum – Associação de Olivicultores e Lagares de Portugal reuniram-se, na segunda-feira, dia 11, com o ministro da Agricultura e Mar, José Manuel Fernandes, para obter esclarecimentos quanto “às declarações do presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva [EDIA]” face às “propostas apresentadas que pretendem penalizar as culturas permanentes”.
Recorde-se que José Pedro Salema, presidente da EDIA, disse ao jornal “Eco” que a solução para voltar a equilibrar financeiramente as contas da entidade passava por o Governo atualizar os tarifários de água que estão inalteráveis desde 2017. Defendendo, ainda, que qualquer subida de preços deveria atender à especificidade das culturas, nomeadamente, um valor mais baixo para as culturas anuais, como o cereal, e um “geralmente mais alto” para as culturas permanentes, como a vinha e o olival.
Perante esta situação, as duas associações solicitaram uma reunião “com carácter urgente” ao ministro da Agricultura e Mar, para “os devidos esclarecimentos sobre a matéria, na tentativa de confirmação ou desmentido do proposto pela entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva [EFMA]”.
Nesta “reunião de trabalho” as associações demonstraram a sua “preocupação” quanto à proposta de diferenciação das tarifas, assim como o descontentamento perante as “dotações de rega definidas pela EDIA”, que “continuam a ser insuficientes para fazer face às necessidades hídricas das culturas no olival e no amendoal”.
“Ambas as questões suprarreferidas limitam as produtividades mais elevadas, colocando em causa o potencial produtivo das culturas, a viabilidade económica dos investimentos realizados e futuros, e a geração de maior valor económico para a agricultura e para o País”, lê-se no comunicado enviado pelas entidades ao “Diário do Alentejo” (“DA”).
Segundo as duas associações, do encontro resultou não só a auscultação e análise da problemática por parte do ministério que tutela o setor, como também a promessa de um “acompanhamento” da situação.
“Na audiência foi reiterado o compromisso e a total disponibilidade das duas associações e setores que representam para colaborar com o Ministério da Agricultura, de modo a que se assegure a sustentabilidade financeira do EFMA e garanta a continuidade da competitividade das culturas permanentes, como o olival e o amendoal no Alqueva”, referem.
Em declarações à “Lusa”, o diretor executivo da Portugal Nuts, Nuno Russo, confirmou que “o ministro reforçou a garantia que já tinha deixando antes, através da Confederação de Agricultores de Portugal [CAP], de que não está prevista qualquer alteração ou subida das tarifas da água em relação às culturas permanentes”.
Na ocasião, aquando das primeiras declarações de José Pedro Salema, a Portugal Nuts e a Olivum também já tinham emitido um comunicado conjunto a demonstrar o seu desagrado.
“Penalizar as culturas permanentes, do amendoal e olival, quer no custo com a água, como na sua limitação em área, é não só um erro político como um erro técnico, mas também económico e estratégico”, admitiam.
Para as duas associações, “a posição assumida pela EDIA é considerada como irresponsável”, uma vez que esta é “uma proposta negativa, sem fundamento, incoerente, injusta e contrária ao interesse nacional, com impactos prejudiciais para a agricultura portuguesa”, sendo que “irá criar instabilidade e mais imprevisibilidade junto dos seus clientes”.
“Um aumento de tarifário aplicado diferenciadamente ao olival e amendoal pode comprometer a rentabilidade das explorações existentes, afetar a capacidade de investimento presente e futura e inviabilizar o regadio em áreas já consolidadas, desperdiçando, desta forma, todo o resultado de milhões de euros por ano e o impacto na economia nacional”, argumentaram.
Também a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) disse, na ocasião, que esta garantia do Governo “é decisiva para a estabilidade” de um projeto estruturante para a região, estratégico para Portugal e vital para a concretização do potencial agrícola do País.
“O projeto de Alqueva não só se encontra já integralmente pago, como também é gerador de receitas para os cofres do Estado”, recordou.
Perante esta posição assumida, também a Federação Nacional de Regantes de Portugal (Fenareg) disse estar “totalmente alinhada com a decisão do Ministério da Agricultura” de manter estável o preço da água, salientando que é a posição que “tem vindo a defender ao longo dos últimos anos”.
“É essencial garantir a previsibilidade no setor agrícola e rejeitar qualquer tentativa de aumento das tarifas, como voltou a ser sugerido pela administração da EDIA”, rebateu o presidente da Fenareg.
José Núncio lembrou ainda que “as receitas fiscais geradas pela atividade no perímetro de Alqueva – com destaque para a agricultura – ultrapassam largamente a despesa pública associada, [sendo que] desde 2022, o saldo para o Ministério das Finanças tem sido amplamente positivo”.
O outro lado da moeda Por seu turno, a associação ambientalista ZERO também veio a público “manifestar o seu apoio” quanto à proposta apresentada pelo presidente da EDIA e, consequentemente, lamentar o afastamento dessa hipótese por parte do Governo.“O atual regime de preços da água em Alqueva continua a favorecer, injustificadamente, sistemas agrícolas que colocam enorme pressão sobre os recursos naturais da região, em particular sobre a água, o solo e a biodiversidade”, referiu em comunicado.
Segundo a ZERO, a medida apresentada é “urgente, justa, necessária” e “lógica”, tendo em conta a “versatilidade da gestão”, uma vez que “o domínio de culturas permanentes significa menos capacidade de mudança da ocupação cultural face a possíveis cenários de escassez de água, algo cada vez mais provável dado o aumento das necessidades das culturas”.
Para a associação ambiental, diferenciar o custo de água consoante o tipo de culturas pode vir a promover a justiça ambiental, desencorajar os usos “excessivos e contínuos” e refletir os custos reais do sistema público de rega.
“A reação negativa de parte dos grandes beneficiários do regadio coletivo de iniciativa estatal – beneficiários há anos com água subsidiada – é reveladora da dependência estrutural de um modelo económico insustentável, sem capacidade de adaptação às limitações ecológicas”, criticou.
Até ao momento, o presidente da EDIA, José Pedro Salema, em declarações à “Lusa”, apenas referiu que o tema será analisado “em sede própria e no momento próprio”, admitindo que “qualquer alteração, a existir, será sempre validada com o setor”.
“[O primeiro] comunicado é prematuro porque ainda há muita discussão para acontecer entre todos os interessados, nomeadamente, no órgão próprio, que é o Conselho de Acompanhamento do Regadio de Alqueva, que reúne regularmente e onde estes temas são tratados”, admitiu.