Diário do Alentejo

Autarquias do distrito de Beja agregadas em 2013 estão a concluir processos de desagregação

19 de novembro 2022 - 09:30
Casével, no concelho de Castro Verde, Safara, Santo Aleixo da Restauração e Santo Amador, em Moura, e Mombeja, em Beja, são algumas das antigas freguesias do distrito que pretendem reverter o processo de agregação que teve lugar em 2013 com a chamada “lei Relvas”.
Ilustração | Susa MonteiroIlustração | Susa Monteiro

Segundo um regime excecional de reorganização do mapa administrativo, as propostas deverão dar entrada na Assembleia da República até ao dia 21 de dezembro. O coordenador distrital da Anafre diz que a reversão “é um direito” das freguesias e defende o alargamento do prazo imposto pela lei para a apresentação das propostas.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Cerca de uma dezena de uniões de freguesia do distrito de Beja manifestaram, até ao momento, segundo informação disponibilizada pela delegação distrital de Beja da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) ao “Diário do Alentejo”, a intenção de reverter as agregações decorrentes da reforma administrativa de 2012/2013, no âmbito de um regime excecional previsto na nova lei-quadro de criação, modificação e extinção de freguesias (lei n.º 39/2021, de 24 de junho), em vigor desde dezembro do ano passado.

 

As propostas de desagregação de freguesias deverão dar entrada na Assembleia da República até ao dia 21 de dezembro, após apreciação e aprovação pelas respetivas assembleias de freguesia e municipal.

 

Aprovada a criação da freguesia pela Assembleia da República, será desencadeado o processo de instalação, sendo a administração atribuída a uma comissão instaladora. As alterações ao mapa administrativo só terão efeito, no entanto, em 2025, aquando da realização das próximas eleições Autárquicas.

 

Recorde-se que com a reforma de 2012/2013, imposta pelo então governo PSD/CDS-PP, o distrito de Beja perdeu 25 por cento das suas freguesias, passando de 100 para 75.

 

De acordo com o regime excecional, o fundamento da proposta para a desagregação “tem de ter por base um erro manifesto e excecional que cause prejuízo às populações” e desde que cumpra, entre outros, os critérios da prestação de serviços à população (nomeadamente, ter, no mínimo, um funcionário com vínculo de emprego público e um edifício adequado à instalação da sede), da eficiência da gestão pública, que deve ter em conta a viabilidade económico-financeira, e da população, que no caso dos territórios do interior deverá ter um mínimo de 250 eleitores (ver caixa).

 

Para o coordenador distrital da Anafre, a reversão das agregações “é um direito” das freguesias, porque “esta Lei Relvas, como lhe chamamos, foi feita ‘a régua e esquadro’, em Lisboa, sem conhecer a realidade dos territórios”. “Algumas freguesias perderam mesmo a sua identidade.

 

Outras ganharam escala, conseguem ter serviços que anteriormente não tinham, por isso, nem tudo foi mau, e falo, nomeadamente, das freguesias urbanas que, na sua maioria, querem manter estas uniões. Mas nos outros casos há que devolver a palavra às freguesias, é muito importante para estas freguesias voltarem a ser o que eram, é um direito das populações”, diz Vítor Besugo.

 

O coordenador acrescenta que “há casos de freguesias rurais que estão unidas a freguesias mais urbanas, que são muito diferentes e, por isso, querem a desagregação”.

 

Vítor Besugo considera ainda que o prazo imposto pela lei para a apresentação das propostas na Assembleia da República – 21 de dezembro – é muito curto, por isso defende que “a tutela deveria dar mais tempo para que as freguesias possam trabalhar melhor o processo”, até porque as alterações ao mapa administrativo só terão efeito nas próximas Autárquicas, em 2025.

 

“Existe aqui um período temporal que permitiria trabalharmos isto com mais tempo e não fazer tudo à pressa como é nosso hábito. O prazo poderia ser, por exemplo, até junho ou até dezembro do próximo ano. Ainda tínhamos muito tempo para preparar as eleições Autárquicas. É um pedido que aproveito para fazer, que o prazo seja alargado e que não termine a 21 de dezembro”.

 

“MERECEMOS MANTER AS NOSSAS RAÍZES" 

Com 337 eleitores e um vasto conjunto de equipamentos e serviços, Santo Amador cumpre todos os requisitos necessários para se desagregar das freguesias urbanas de Moura (Santo Agostinho e São João Baptista), garante Ana Rita Santos, da Comissão de Luta pela Reposição da Freguesia de Santo Amador, criada em julho último.

 

“Temos uma sede de junta de freguesia, um campo de jogos, temos associações, temos os critérios todos previstos na lei para que haja esta desanexação”, diz.

 

A também presidente da Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Moura e Santo Amador esclarece que um dos principais problemas prende-se com o facto de Santo Amador, “uma freguesia rural, ter sido agregada a duas freguesias urbanas”.

 

“Santo Amador é uma terra com muitas tradições e que funciona de forma diferente das freguesias urbanas. O povo de Santo Amador nunca foi a favor desta união. Não conseguimos, na altura, evitar que isso fosse feito, mas, neste momento, com a abertura da lei, criámos esta comissão para tentar que Santo Amador volte a ser freguesia”, justifica.

 

Ana Rita Santos sublinha que, nestes quase 10 anos de agregação, Santo Amador “perdeu muita coisa”. “Acabámos por perder a nossa própria identidade. Tudo se concentra mais em Moura e Santo Amador foi perdendo muito daquilo que tinha e em todos os aspetos. Às vezes damos o exemplo da manutenção do cemitério.

 

Em Moura é a câmara municipal que faz essa manutenção, em Santo Amador era a junta de freguesia. Quando se deu a agregação, o presidente eleito na altura não sabia como fazer essa gestão do cemitério porque não era uma competência a que as juntas em Moura estivessem habituadas.

 

Isto é um exemplo prático, mas que mostra que nós, enquanto freguesia rural, temos algumas particularidades que depois na cidade não se verificam”.

 

E no que diz respeito às tradições, prossegue a autarca, “se não fossem as associações existentes em Santo Amador, as comissões de festas a mantê-las”, muitas teriam acabado, porque “a união de freguesias foi deixando de fazer muitas atividades e marcar até dias comemorativos que era hábito assinalar-se em Santo Amador”. “Merecemos essa nossa identidade, merecemos manter as nossas raízes”, reforça.

 

De acordo com Ana Rita Santos, a comissão está a finalizar, através de um abaixo-assinado, a recolha das 650 assinaturas necessárias para a apresentação da proposta de desanexação, sendo que “mais de 85 por cento dos subscritores são de Santo Amador, o que mostra a grande vontade do povo em querer voltar a ter a sua freguesia”.

 

A proposta deverá ser apresentada “dentro de pouco tempo” na assembleia de freguesia da união e, posteriormente, na Assembleia Municipal de Moura, adianta a autarca, sublinhando que a comissão “está muito otimista”.

 

A presidente da Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Moura e Santo Amador deixa claro, no entanto, que a Comissão de Luta pela Reposição da Freguesia de Santo Amador integra “20 elementos de várias idades, de vários partidos políticos, pessoas independentes, que se juntaram por esta causa de voltar a ter Santo Amador como freguesia”, não estando, assim, ligada “a um partido em específico”.

 

“As vezes há esta dúvida, digamos assim, mas não é o caso”, garante.

 

Entre 80 a 90 por cento da população de Safara e Santo Aleixo da Restauração, igualmente no concelho de Moura, também é a favor da desagregação da união de freguesias, diz Francisco Candeias, presidente da autarquia.

 

“Já que não fomos ouvidos aquando da criação da união, achámos que fazia todo o sentido ouvirmos agora a população e então fizemos uma consulta popular e a maioria votou a favor da separação”, frisa o autarca, adiantando que tanto Safara como Santo Aleixo da restauração cumprem “todos os requisitos para a desagregação”.

 

“Santo Aleixo tem 581 eleitores, Safara tem cerca de 820, portanto, ultrapassam os mínimos em termos populacionais. E ao nível de serviços, temos duas extensões de saúde, dois equipamentos desportivos, temos casas do povo, escolas…”, especifica o autarca, frisando, contudo, que são obrigados a justificar que ficam melhor “em termos financeiros e em termos de recursos humanos em ter duas freguesias, e aí é que poderão surgir problemas, porque isso não será fácil de justificar”. 

 

Apesar da vontade expressa da maioria dos habitantes da União de Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração, Francisco Candeias realça que o processo de agregação “tem decorrido muito melhor” do que inicialmente se previa.

 

“Não há problemas, só que as pessoas querem ter identidade própria. A sede da união, por exemplo, foi imposta ser em Safara e as pessoas de Santo Aleixo ficaram um bocadinho melindradas, embora tenhamos também uma delegação em Santo Aleixo. Depois, é sempre a questão das desconfianças, gasta-se mais dinheiro num lado, menos no outro, apesar de tentarmos ser o mais imparciais possível”.

 

Com o processo de reposição das freguesias quase concluído, só faltando “dividir o património” pelas duas freguesias, “um processo algo complexo”, o autarca acredita que a proposta será aprovada, “sem qualquer tipo de problema, na Assembleia Municipal de Moura”, sendo que depois resta esperar “pelo veredicto” da Assembleia da República.

 

“Temos esperança de que a vontade das pessoas prevaleça, mas não está nas nossas mãos. Nós estamos a fazer tudo por tudo para que, de facto, no fim deste processo nos separemos”, conclui.

 

REQUISITO POPULACIONAL PODERÁ SER ENTRAVE 

O presidente da União de Freguesias de Castro Verde e Casével explica, por sua vez, que o executivo assumiu em 2017, aquando das Autárquicas, “o compromisso” com a população de Casável no sentido de fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para repor a freguesia.

 

“Felizmente, em 2021, apareceu esta nova lei da desagregação e criação das freguesias, que permite fazer um procedimento simplificado e transitório no sentido de repor tudo o que estava em 2013. Foi criada uma comissão na Assembleia de Freguesia da União de Castro Verde e Casével e temos estado a dar os passos para concretizar o processo, que irá ser apresentado, muito brevemente, em sede de assembleia de freguesia e depois seguirá os trâmites normais da lei”, diz.

 

António José Paulino, admite, no entanto, que se trata de um processo difícil, uma vez que Casével, “como todas as freguesias rurais, nos territórios de baixa densidade, tem vindo a perder população”, estando “à beira dos 250 eleitores”.

 

Em todo o caso, acrescenta, irão apresentar a proposta à Assembleia da República e “depois os senhores deputados dirão de sua justiça, esperando nós que a população de Casével não seja mais uma vez prejudicada pelo facto de estar situada num território de baixa densidade e de ter vindo a perder população”.

 

Segundo o presidente da união de freguesias, a população de Casével vê a agregação à freguesia urbana de Castro Verde “como uma injustiça”.

 

“Casével foi uma freguesia centenária que tem uma identidade própria, tinha a sua soberania e órgãos eleitos. Nós, enquanto união de freguesias, sempre tratámos Casével e Castro Verde da mesma forma. Tudo fizemos para que Casével continuasse a receber investimentos e tudo aquilo a que tem direito. Mas as populações têm toda a legitimidade em exigir um órgão administrativo”, diz o autarca, frisando que Casével, apesar de ter poucos habitantes, “tem um conjunto de equipamentos públicos que tomara muitas outras freguesias”.

 

“Tem um lar para idosos, uma unidade de cuidados continuados, uma biblioteca. A delegação da sede funciona a tempo inteiro. Este ano conseguimos renegociar o posto dos CTT através de um protocolo com a Anafre, passando a funcionar com outra dinâmica”.

 

Embora estejam otimistas, caso a proposta para a reposição de Casével como freguesia não venha a ser aprovada pela Assembleia da República, António José Paulino garante que o executivo “continuará a trabalhar como até aqui”, dotando Casével “dos mesmos investimentos e apoios”.

 

“Nunca retirámos uma placa em Casével. Nunca retirámos qualquer menção à freguesia. Quando nos referimos a Casével é sempre ‘a freguesia de Casével’. Esperamos que o resultado seja a reposição da freguesia, mas se a resposta for manter a união, cá estaremos a trabalhar todos os dias para que a população de Casével não sinta falta de nada”.

 

À semelhança de Casével, a antiga freguesia de Mombeja, no concelho de Beja, não cumpre o critério populacional para se desagregar de Santa Vitória, contabilizando, atualmente, 232 eleitores (Santa Vitória tem pouco mais de 500). Embora obedeça a outros requisitos – “tem delegação da junta, associações” –, o presidente da União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja admite que o processo de reposição “é algo complicado”.

 

“Orçamentámos o processo jurídico para avançar com a proposta para apresentar à assembleia de freguesia e depois à assembleia municipal, mas não cumprindo parte dos requisitos, à partida é um processo chumbado”, diz Sérgio Bravo, acrescentando que há quem defenda que a solução para o não cumprimento do requisito populacional passará pela “revogação da lei” e quem seja da opinião de que o melhor “será recensear todas as pessoas que voltaram à terra e que não estão lá recenseadas”. No entender do autarca, este segundo processo “seria mais válido”.

 

“Mombeja sempre quis desagregar-se de Santa Vitória, portanto, a ideia de desagregação sempre existiu”, sublinha o presidente da união de freguesias, adiantando que a população de Mombeja considera que “ficou um pouco esquecida” com a agregação, para além de “não se identificar com Santa Vitória”. “É esse o sentimento da população”, reforça.

 

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À POPULAÇÃO

No âmbito do critério da prestação de serviços à população, para além da existência de, no mínimo, um funcionário com vínculo de emprego público e de um edifício adequado à instalação da sede, os territórios do interior devem cumprir, pelo menos, três de cinco requisitos: existência de um equipamento desportivo; existência de um equipamento cultural; existência de um parque ou jardim público com equipamento lúdico ou de lazer infantojuvenil; existência de um serviço associativo de proteção social dos cidadãos seniores ou apoio a cidadãos com deficiência, desde que tenha âmbito territorial do município; e existência de uma coletividade que desenvolva atividades recreativas, culturais, desportivas ou sociais.

 

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