Diário do Alentejo

"É fundamental preservar a memória de uma comunidade"

12 de novembro 2022 - 11:30
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A Comissão de Aljustrelenses, criada em 2022, nasceu do propósito de elaborar uma exposição evocativa da greve dos mineiros de Aljustrel, que ocorreu em 1922. A iniciativa surgiu da vontade de um grupo de cidadãos, “amantes da história da sua terra, que pretendem com esta e, provavelmente, com outras iniciativas, dar expressão ao rico património histórico e mineiro de Aljustrel”.

 

Esta estará patente ao público, até ao dia 4 de dezembro, na Sede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Mineira, em Aljustrel, a exposição “Aljustrel – 100 Anos, do Fundo à Superfície”.

 

Texto José Serrano

 

Qual a história desta greve, que se iniciou, na mina de Aljustrel, no dia 3 de outubro de 1922 e se prolongou por quatro meses?

Esta greve surgiu em consequência do mal-estar que então se vivia nas minas de Aljustrel, devido aos salários miseráveis, às condições de trabalho desumanas e, sobretudo, à falta de resposta às reivindicações dos mineiros. O administrador, belga, das minas, era uma personalidade muito hostil para os trabalhadores, ignorando as suas propostas, recorrendo aos despedimentos e às perseguições e revelando a sua total insensibilidade, perante os dramas vividos pelas famílias dos mineiros.

 

Este episódio da história do País revestiu-se de situações verdadeiramente desumanas, mas também de solidariedade…

Foi um período de extrema miséria. Depois de uma ausência prolongada de salário, a partir de uma determinada etapa da greve, houve uma conjugação dos propósitos do diretor da mina com a autoridade administrativa do concelho que encetaram uma campanha junto dos agricultores e comerciantes do concelho, para que  cessassem os apoios em trabalho, géneros alimentícios ou a concessão de fiado aos grevistas. Paralelamente gerou-se uma onda de solidariedade, verdadeiramente notável, que teve tradução em apoios indispensáveis para a continuidade da greve, dos quais se destaca o acolhimento de cerca de 200 crianças em casas de operários, organizado através da Confederação Geral do Trabalho com a prestimosa campanha desencadeada pelo jornal “A Batalha”. Foram muitas as famílias de Lisboa, Almada, Barreiro, Beja, Setúbal, entre outras, que, solidariamente, contribuíram para amenizar os efeitos gravosos na luta encetada. Igualmente determinante foi a campanha realizada em paralelo, que se traduziu na angariação de fundos para sustentar uma cozinha comunitária, na sede do Sindicato Mineiro.

 

Um século depois, continua este episódio a constituir-se como exemplo identitário e maior de coragem, para os aljustrelenses?

Este episódio constituiu um referencial na luta por melhores condições de vida da classe mineira, sendo transmitido de geração em geração. Há registo de muitas e diferentes lutas ao longo das últimas décadas, nas quais a coragem, o inconformismo e a unidade dos mineiros estiveram sempre presentes.

 

Como classifica a importância de este acontecimento continuar a ser relembrado?

É fundamental preservar a memória de uma comunidade, traduzida num orgulho coletivo que urge transmitir às novas gerações. Os valores da tenacidade, da coragem e da memória forjam o espírito de uma população com fortes tradições de luta, no prosseguimento da conquista e preservação da liberdade e da democracia.

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